Qualquer
cidadão que utilize unicamente a mídia para se informar poderia jurar que a
era das economias centralmente planejadas por burocratas é algo do passado, e
que a simples ideia de planejamento central é algo já universalmente
desacreditado.
Isso
pode ser verdade para vários países do mundo, principalmente para os do Leste
Europeu, que vivenciaram a plenitude desta magnífica ideia. Aqui no Brasil, no entanto, a lógica funciona
de maneira peculiar. Aliás, funciona de
maneira inversa. Ideias que
comprovadamente deram errado onde quer que foram aplicadas exercem um fascínio
quase erótico sobre os burocratas que vivem na Candangolândia. Parodiando Roberto Campos, tais ideias são
como as damas balzaquianas, de vida airada: rejuvenescem à medida que se
esquecem as experiências passadas.
Em
Brasília, trabalha-se em postura dinâmica e extenuante. Os burocratas têm duas preocupações que lhes
atormentam continuamente, e eles passam seus dias fazendo a si próprios as duas
seguintes perguntas:
1)
O que vou inventar hoje para atrapalhar ainda mais a vida daqueles idiotas que
me puseram aqui e que me sustentam?
2)
O que devo fazer para mostrar aos lobistas que financiam minhas mordomias que sou muito ativo (e que os brasileiros são os passivos)?
Estou
me referindo, obviamente, à mais recente e asinina ideia do governo: a elevação
de 30 pontos porcentuais do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de
automóveis e caminhões para as montadores que não cumprirem os seguintes
requisitos:
1)
Utilizar no mínimo 65% de conteúdo nacional ou regional (Mercosul);
2)
investirem em pesquisa e desenvolvimento, e (acha que são só três requisitos?)
3)
preencherem pelo menos 6 dentre outros 11 outros requisitos de
investimentos.
E
quais seriam alguns desses outros 11 requisitos?
De
acordo com o inexaurível Guido Mantega — cuja fisiologia, cor da tez e corte
de cabelo cada vez mais se assemelham às de um apparatchik do terceiro escalão soviético da era Brejnev —, dentre
estes outros requisitos há a exigência de que os veículos sejam montados e
estampados no Brasil, bem como seus motores, embreagens e câmbio.
Ou
seja: temos agora um burocrata determinando especificidades sobre como se deve
fabricar carros no Brasil. Se isso não é
um exemplo explícito de planejamento central, então o conceito deve ser
urgentemente reinventado.
O
mais incrível é ver um sujeito como Mantega, que não saberia gerir uma
concessionária de Yugo
na Mongólia, pontificando sobre questões automotivas, falando com pretensa
desenvoltura e segurança sobre embreagens, motores e câmbio. Mais um pouquinho e ele começaria a
determinar especificações para relações de marcha, diferencial, injeção
eletrônica e comando de válvulas.
Após
apresentar essa sua lista de exigências, que seriam consideradas retrógradas
até mesmo pelo Goplan, nosso Nikolai Baibakov
tranquilizou a todos, com seu sorriso triunfante: "Para as empresas que já
preenchem esses requisitos, não muda nada."
Muito fofo! Vai me dizer que,
após essa impecável lógica de jardim de infância, você também não ficou com
vontade de comprar pra
ele um Chicabon?
E
o intrépido prosseguiu: "É uma medida que garante a expansão dos investimentos
no Brasil, o desenvolvimento tecnológico e a expansão da capacidade produtiva
no Brasil".
Entendeu
a lógica? Impedir que as montadoras
possam escolher a origem e a qualidade das peças a serem colocadas em seus
produtos — algo que afeta diretamente suas planilhas de custos — é uma medida
que miraculosamente vai "garantir a expansão dos investimentos no Brasil, o
desenvolvimento tecnológico e a expansão da capacidade produtiva no Brasil".
Realmente,
empreendedores ficam ávidos para ampliar seus investimentos em uma economia em
que é o governo, e não os consumidores, quem determina as peças que ele deve
utilizar. Da mesma forma, o
desenvolvimento tecnológico dá um salto olímpico quando se impede a
concorrência. É assim que um país
prospera, como bem mostram os exemplos auspiciosos da Coréia do Norte, de Cuba,
da Venezuela e do próprio Brasil na década de 1980, com nossos potentes
computadores fabricados sob a vigência da Lei da Informática.
Faça
o leitor um esforço mental para tentar raciocinar como Guido Mantega (mas faça
isso só uma vez, para evitar danos irreversíveis). Qual a consequência lógica do cumprimento
destes requisitos? Como eles funcionariam
caso realmente fossem levados a sério? É
simples. Quer vender uma BMW M3 no
Brasil? Sem problema, mas troque a
embreagem original por outra gentilmente fornecida pela indústria
nacional. É simples e seguro. Experimente essa embreagem do Gol, ficará
ótima no seu carango! Não quer trocar a
embreagem? Sem problemas, você tem
liberdade. Basta então trocar o motor.
Recomendo este 1.0 da Fiat. A sua
BMW será uma parada!
Pode
parecer uma piada sem graça, mas o que foi dito acima é exatamente o que
ocorreria caso os requisitos do ministro fossem de fato levados a sério por
algumas montadoras.
Logo,
é claro que a intenção principal do governo não é realmente impor tais restrições
às montadoras (não pode ser; não é possível tamanha ignorância, mesmo para os
padrões do governo). O objetivo único é
o velho e imortal protecionismo a favor
das montadoras, só que apenas daquelas montadoras que são politicamente
mais convenientes defender. A novidade,
no entanto, é que agora a medida vem travestida com uma novilíngua, um exemplo
típico do duplipensar orwelliano. 'Protecionismo' agora tem um novo rótulo:
protecionismo significa "garantir a expansão dos investimentos, do
desenvolvimento tecnológico e da expansão da capacidade produtiva".
É
realmente difícil saber o que é pior: a política protecionista em si ou o fato
do governo nos tratar como exímios idiotas, achando que ao adotar novos
eufemismos seremos mais passivamente ludibriados. Mas governo é isso mesmo: mentiras,
desrespeito à nossa inteligência, deturpação da linguagem e, claro, confisco de
riqueza em prol de seus protegidos (nesse caso específico, empresas cujos
sindicatos são poderosos e que representam uma mina de votos).
Para
se proteger os interesses e a renda desse oligopólio, a solução é blindá-lo de
todo e qualquer tipo de concorrência estrangeira, seja de carros chineses e
indianos, seja de carros alemães, japoneses, italianos e ingleses. Para que se submeter às exigências do mercado
quando se pode simplesmente proibir os consumidores de exercerem livremente
seus direitos? Montadoras nacionais e
seus sindicatos têm um direito natural a uma renda garantida, ao mesmo tempo em
que oferecem produtos que, na mais benevolente das hipóteses, podem ser
considerados apenas satisfatórios. Para
que se estressar e se esforçar muito para agradar aos consumidores? Muito mais eficaz é apenas fechar os portos.
Nada
de dar aos pobres a chance de comprar um Tata indiano ou um QQ chinês.
Se pobre quiser andar de carro, que compre um
Gol, um Uno ou um Palio. Nada de dar aos
ricos o prazer de comprar facilmente um Maserati. Eles que se contentem
com um Vectra. Se quiserem o Maserati, até pode. Mas vão ter de
deixar uma contribuição para a
caixinha do governo, pois há uma enormidade de funcionários públicos em
greve
querendo aumentos — e essa é uma base eleitoral que não pode ser
desapontada.
Assim,
o governo resolve dois problemas de uma só vez.
Agrada a base sindical e as montadoras, e ainda consegue uma grana extra
pra tentar apaziguar os ânimos dos funcionários públicos. Consumidores
que se estrepem. Afinal, eles estão aí é pra isso mesmo:
sustentar a mordomia da patota.
A
desculpa oficial é que o câmbio está sobrevalorizado e as importações
aumentaram, sendo necessário barrá-las para proteger a indústria nacional. Em primeiro lugar, não existe isso de
câmbio sobrevalorizado. É impossível um
câmbio ficar sobrevalorizado em um regime de câmbio flexível. Câmbio sobrevalorizado só ocorre quando há um
regime de paridade cambial, como quando um país adota uma âncora cambial. Em segundo lugar, as pessoas estão preferindo
importar simplesmente porque a inflação de preços no Brasil — por obra e graça
do próprio governo — está assustando. Seres
racionais não querem pagar por carros ruins cujos preços aumentaram a uma taxa
maior do que a taxa de aumento da renda.
Não é difícil de entender. Em
terceiro lugar, indústria que só se sustenta com protecionismo não merece
existir. Na prática, comporta-se como
uma estatal. E estatais devem ser
vendidas e submetidas à concorrência do livre mercado.
Mas
assim como milicianos de favela, o governo só deixa você comprar os produtos
que ele autoriza. "Você tem toda a
liberdade para comprar carros. Desde que
sejam aqueles fabricados por nossos amigos."
E
o pior é ver a imprensa tratando tudo isso como uma mera "política
industrial". Em um país genuinamente
livre, o termo 'política industrial' ficaria restrito exclusivamente ao
Manifesto Comunista. Perguntar qual é a
política industrial de um governo seria equivalente a perguntar qual é a
política de distribuição de celulares, computadores e TVs. A política industrial de um país livre é
aquela decidida exclusivamente pelo mercado.
E quem é esse tal mercado? Somos
nós. Você, eu e todos os cidadãos. Nós é que decidimos, por meio de nossas
decisões de comprar e de se abster de comprar, qual indústria sobrevive, qual
deve ser extinta e qual deve trocar de gerência. Não é nada complicado. Se houver alguma política mais eficaz e mais
ética do que essa, estou muito interessado em saber dessa revolucionária
descoberta.
Até
quando vamos tolerar esse Politburo nos dando ordens, ditando e especificando
nosso estilo de vida? O senhor Mantega
ainda não foi informado de que a parte oriental da Europa é muito mais próspera
e rica hoje, com seus habitantes agora munidos de liberdade de escolha, do que
era naquela época do muro protecionista cuja ausência — ao que tudo indica —
lhe provoca tanta nostalgia?