O argumento oficial utilizado pelos defensores
de uma moeda única e de curso forçado era o de que o euro iria reduzir os
custos de transação -- facilitando o comércio, o turismo e o crescimento
econômico na Europa. Mais
implicitamente, entretanto, a moeda única era vista como o primeiro e essencial
passo rumo à criação de um estado europeu.
Foi presumido que o euro iria criar a pressão necessária para a
introdução desse estado.
O real motivo de o governo alemão,
tradicionalmente oposto à visão socialista, ter finalmente aceitado o euro
tinha a ver com a reunificação alemã. O
acordo era o seguinte: a França construía seu império europeu e, em troca, dava
o apoio que faltava para a reunificação das duas Alemanhas.[14]
Afirmava-se que, de outra forma, a Alemanha iria se tornar excessivamente
poderosa. Consequentemente, sua arma
mais pujante, o marco alemão, tinha de ser abolido -- em outras palavras, um
desarmamento.
A etapa seguinte nos planos do campo socialista
foi redigir o esboço de uma constituição europeia (feito pelo ex-presidente
francês Valery Giscard d'Estaing Ginard), estabelecendo um estado central. Porém, esse projeto constitucional fracassou
completamente; ele foi rejeitado nas urnas pelos eleitores da França e da
Holanda em 2005. Como sempre, a Alemanha
sequer foi consultada. Os alemães também
não foram perguntados se queriam fazer parte do euro. Porém, os políticos geralmente não desistem
até que todas as suas ideias sejam aceitas.
No caso da constituição europeia, eles simplesmente renomearam a constituição;
e não mais foi necessário submetê-la à votação popular em muitos países.
Como consequência, o Tratado de Lisboa foi
aprovado em dezembro de 2007. O Tratado
está cheio de palavras como pluralismo,
não discriminação, tolerância e solidariedade, todas elas podendo ser interpretadas como clamores
para se violar os direitos de propriedade de terceiros, bem como toda e
qualquer liberdade de contrato. No
Artigo Três, a União Europeia promete lutar contra a exclusão social e a
discriminação, desta forma abrindo as portas para intervencionismos de todos os
tipos. Deus não é mencionado uma única
vez no Tratado de Lisboa.
Na realidade, o Tratado de Lisboa acabou sendo
uma derrota para o ideal socialista. Não
se trata de uma genuína constituição, mas apenas de um tratado. Isso deixou os proponentes de um Império
Europeu em um beco sem saída, e eles foram obrigados a se reagrupar e centrar
seus esforços na única ferramenta que restou -- o euro. Mas como, exatamente, o euro provoca a
centralização de Europa?
O euro gera os tipos de problemas que podem ser
encarados como um pretexto para que haja uma centralização de poder coordenada
por políticos. Com efeito, a construção
e a implantação do euro provocaram uma corrente de crises severas: os
estados-membros podem utilizar as impressoras do Banco Central Europeu para
financiar suas dívidas; essa característica da União Monetária Europeia
invariavelmente gera crises da dívida soberana para os países-membros que se
endividam em
excesso. Essa crise,
por sua vez, pode ser utilizada para centralizar o poder e as políticas
fiscais. A centralização das políticas
fiscais pode então ser utilizada para unificar a tributação e com isso abolir a
guerra tributária entre os países.
Com a atual crise da dívida soberana de países
como Grécia, Espanha, Portugal e Irlanda, o único meio que restou aos
socialistas para fortalecer seu plano de implementar um estado central está em risco. Portanto, é algo totalmente
irrealista dizer que o fim do euro significaria o fim da Europa ou do ideal
europeu; o fim do euro seria apenas o fim da versão socialista da Europa.
Naturalmente, é perfeitamente possível ter uma
Europa economicamente integrada, com suas quatro liberdades básicas, sem que
haja uma moeda única de curso forçado. O
Reino Unido, a Suécia, a Dinamarca e a República Tcheca não utilizam o euro, mas
pertencem ao mercado comum e usufruem essas quatro liberdades. Se a Grécia abandonar o euro e se juntar a
esses países, a visão liberal-clássica permaneceria intacta. Com efeito, uma livre escolha entre várias
moedas é algo mais relacionado ao valor europeu de liberdade do que a obrigação
de utilizar uma moeda continental de curso forçado criada por um banco central
que possui o monopólio de sua produção.
____________________________________________
Esse artigo foi extraído do livro The Tragedy of
the Euro. (Ludwig von Mises Institute, 2010).
Notas
[1] Ver Jesús Huerta de Soto, "Por una
Europa libre," in Nuevos Estudios de Economía Política (2005),
pp. 214-216. Ver Hans Albin Larsson, "National Policy in Disguise: A
Historical Interpretation of the EMU," in The Price of the Euro,
ed. Jonas Ljundberg (New York: Palgrace MacMillan, 2004), pp. 143-70, sobre as
duas alternativas para a Europa.
[2] Uma base teórica para esse visão
explicitada em Hans
Sennholz, How can Europe Survive (New York: D. Van Nostrand
Company, 1955). Sennholz critica os
planos para uma cooperação governamental criados por diferentes políticos, e
mostra que apenas a liberdade pode eliminar a causa dos conflitos na Europa.
[3]
Roland Vaubel, "The Role of Competition in the Rise of Baroque and
Renaissance Music," Journal of Cultural Economics 25 (2005): pp. 277-97,
argumenta que o surgimento da música barroca e renascentista na Alemanha e na
Itália resultou da descentralização desses países e da subsequente concorrência
entre eles.
[4] Em consonância com essa teoria, o
presidente Frances Nicolas Sarkozy tentou introduzir um fundo de resgate
europeu durante a crise de 2008 (ver Patrick Hosking, "France Seeks ?300
bn. Rescue Fund for Europe." Timesonline.
Dois de outubro, 2008, http://business.timesonline.co.uk). A chanceler alemã Angela Merkel, entretanto,
resistiu à ideia, e passou a ser conhecida como a "Madame Não". A recente crise também foi utilizada para
estabelecer a European Financial
Stability Facility (Linha de Crédito para a Estabilidade Financeira
Europeia), com a qual o BCE ampliou suas operações e, consequentemente, a base
monetária. Outras instituições, como a European Systemic Risk Board (Conselho
de Risco Sistêmico Europeu), também foram
criadas durante a crise. Sobre a
tendência de os estados expandirem seu poder em situações de emergência, ver
Robert Higgs, Crisis and Leviathan:
Critical Episodes in the Growth of American Government (Oxford: Oxford
University Press, 1987).
[5]
As Comunidades Europeias eram formadas pela Comunidade
Europeia do Carvão e do Aço, que criava um mercado comum para carvão e aço;
pela Comunidade
Econômica Europeia, que promovia a integração econômica; e pela Comunidade
Europeia da Energia Atômica, que criava um mercado especial para energia
nuclear, fazendo sua distribuição pela Comunidade.
[6]
O Conselho da União Europeia, frequentemente chamado de "O Conselho" ou
"Conselho dos Ministros", é formado por um ministro de cada estado-membro e não
deve ser confundido com o Conselho Europeu.
O Conselho Europeu é formado pelo presidente do "Conselho dos
Ministros", pelo presidente da Comissão, e por um representante de cada
estado-membro. O Conselho Europeu
orienta a União Europeia ao definir sua agenda política.
[7]
Esses importantes defeitos de nascença reduzem o crédito dado aos pais
fundadores, como Schuman, Adenauer e outros.
[8]
Larsson, Hans Albin. 2004. "National Policy in Disguise: A Historical
Interpretation of the EMU.", p. 162.
Como escreve Larsson: "A arena na qual a França buscou ressuscitar sua
honra e influência internacional foi a Europa Ocidental. Como principal país da Comunidade Econômica
Europeia, a França recuperou influência e, com isso, recompensou a perda de seu
império -- e tudo isso dentro de uma área onde a França, tradicionalmente e de
diversas maneiras, sempre procurou ter domínio e influência".
Já
em 1950, o premiê francês René Pleven, propôs criar um Exército Europeu como
parte da Comunidade de Defesa Europeia (sob a liderança da França). Ainda que o plano tenha fracassado, ele
fornece evidências de que, desde o início, os políticos franceses pressionaram
pela centralização e pela visão imperial da Europa. Uma exceção foi o presidente Charles de
Gaulle, que se opunha a um estado europeu supranacional. Durante a "crise
da cadeira vazia", em junho de 1965, a França abandonou seu assento no
Conselho dos Ministros por seis meses em protesto contra um ataque à sua
soberania. A Comissão havia pressionado
por uma centralização do poder.
Entretanto, de Gaulle também estava tentando melhorar a posição e
liderança da França nas negociações acerca da Política Comum Agrícola. A Comissão havia proposto a criação de uma
decisão por maioria de votos nesse quesito.
Os agricultores franceses eram os principais beneficiários dos
subsídios, ao passo que a Alemanha era a principal contribuinte. A decisão por maioria de votos poderia ter
privado os agricultores franceses de seus privilégios.
[9]
Roland Vaubel, "The Political Economy of Centralization and the European
Community," Public Choice 81
(1--2 1994): pp. 151--190, explica a tendência rumo à centralização na
Europa utilizando argumentos oriundos da Teoria da Escolha Pública.
[10]
Larsson, "National Policy in Disguise," p. 163.
[11]
Como escreveu Arjen Klamer a respeito da estratégia de se utilizar a moeda
única como veículo para a centralização: "A suposição era a de que, tão logo a
unidade monetária fosse uma realidade, seria necessário algum tipo de
construção federal -- ou ao menos uma união política mais forte -- para que a
união monetária pudesse funcionar. Assim, a carroça foi colocada na frente dos
bois. Foi tudo um experimento. Nenhum político ousaria lidar com as
consequências do fracasso -- ou do que poderia acontecer -- caso uma forte
união política não fosse realizada. Tudo
já estava arrumado e o show tinha de continuar." (Arjen Klamer, "Borders Matter: Why the Euro is
a Mistake and Why it will Fail," in The Price
of the Euro, ed. Jonas Ljundberg, (New York: Palgrave MacMillan, 2004), p.
33).
Similarmente,
Roland Vaubel escreve sobre os efeitos do euro: "A União Monetária Europeia é o
ponto de partida para a centralização de várias outras políticas econômicas e,
em última instância, para a criação de um estado europeu". (Roland Vaubel, "A Critical Analysis of EMU and
of Sweden Joining It," in The Price of the Euro, ed. Jonas
Ljundberg, (New York: Palgrave MacMillan 2004), p. 94) Ver também James
Foreman-Peck, "The UK and the Euro: Politics versus Economics in a Long-Run
Perspective," in The Price of the Euro,
ed. Jonas Ljundberg, (New York:
Palgrave MacMillan 2004), p. 104.
[12]
Frankfurter Allgemeine Zeitung, June
1, 1996.
[13]
Charles Gave, "Was the Demise of the USSR a Negative Event?" in Investors-Insight.com,
ed. John Mauldin, (5 de maio, 2010), http://investorsinsight.com/.
[14]
Até hoje, o governo francês obteve êxito em criar uma influência
desproporcional sobre a União Europeia.
A maioria das instituições da UE está localizada na França e na
Bélgica. O francês é um dos idiomas
oficiais da UE, ao lado do inglês, mas não o alemão, ainda que a União Europeia
tenha muito mais cidadãos que falem alemão do que francês. Quando se pondera a influência dos
estados-membros baseando-se em sua população, a França está sobre-representada
e a Alemanha, sub-representada. Com
efeito, a influência proporcional da Alemanha não aumentou absolutamente nada
após sua reunificação. Como escreveu
Larsson: "Em suma, a União Europeia e seus arranjos predecessores são
basicamente projetos franceses, os quais, não obstante algumas declarações
oficiais, em muitos aspectos serviram ao propósito de utilizar todos os meios
possíveis para ampliar -- ou, no mínimo, manter -- a influência política
mundial da França, particularmente na Europa." ("National Policy in Disguise," p. 165)