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Alexandre Tombini, presidente do Banco Central e um dos criadores do sistema de metas de inflação
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A política de determinar metas de inflação é mundialmente popular. As autoridades monetárias acreditam que isso
irá não apenas estabilizar a taxa de inflação, mas irá também ajudar a
estabilizar a atividade econômica em torno de níveis sustentáveis. Em suma, determinar metas de inflação poderia
eliminar a ameaça dos ciclos econômicos.
O sistema de metas de inflação foi apenas o último dos
grandes modismos em uma longa série história de políticas criadas pelos bancos
centrais. As autoridades monetárias
acreditam que elas têm uma missão a cumprir -- e, em uma economia de mercado
genuinamente livre, isso não existiria --, e, consequentemente, não deveria ser
surpresa alguma o fato de que elas vão tropeçando de erro em erro, e até mesmo
reciclam erros antigos quando os novos resultam em retumbantes fracassos.
Ainda assim, a ideia de metas de inflação merece uma análise
mais detalhada.
De acordo com a teoria, uma redução na demanda geral por
bens e serviços irá diminuir o produto total da economia [como ocorreu recentemente no Brasil em 2009]. Da mesma forma, como resultado do declínio da
demanda geral por bens e serviços, a taxa de inflação irá cair abaixo da meta
determinada pelo banco central. (As autoridades monetárias consideram essa meta
como sendo consistente com a estabilidade de preços).
Com o intuito de manter a meta de inflação, o Banco Central
irá afrouxar a política monetária -- isto é, reduzir a taxa básica de juros,
injetando mais dinheiro na economia.
Isso, por sua vez, irá estimular a demanda por bens e serviços. Consequentemente, os produtores irão agir de
acordo com esse aumento na demanda e elevarão a produção de bens e serviços --
com isso, ocorrerá um aumento no produto total da economia. Como resultado do aumento da demanda geral
por bens e serviços, a queda na taxa de inflação também será revertida e
voltará a subir para perto da meta estabelecida pelo banco central.
Observe que a política de se aderir à taxa de inflação não
apenas estabilizou a taxa de inflação, mas também elevou a taxa de crescimento
do produto geral, o qual é consistente com a estabilidade de preços -- ao
menos, é o que eles acreditam.
Quando a economia fica superaquecida [como a brasileira atualmente], e a taxa de inflação sobe para além da
meta de inflação estabelecida [no Brasil,
4,5%], o banco central atua para "esfriar" a economia adotando uma política
monetária mais rígida -- isto é, reduzindo as injeções monetárias na economia,
o que eleva os juros. Isso,
consequentemente, reduz a demanda por bens e serviços e deixa a demanda geral
mais de acordo com o potencial de produção da economia (o chamado "produto
potencial", ou "PIB natural"). Como
resultado de tudo isso, a taxa de inflação volta a cair para perto da meta
estabelecida pelo banco central.
Novamente, a política de se manter a taxa de inflação em
linha com a meta de inflação estabelecida leva a uma estabilidade de preços e a
uma taxa de crescimento do produto que é consistente com a estabilidade de preços.
Essa é, em resumo, a teoria por trás da adoção do sistema de
metas de inflação.
Tal raciocínio foi primorosamente resumido por Frederic
Mishkin, um dos funcionários do alto escalão do Banco Central americano, em
abril de 2007:
Para ver melhor como esse processo funcionaria, considere um
choque negativo na demanda agregada (tal como um declínio na confiança do
consumidor) que faça com que as famílias passem a cortar gastos. Essa queda na demanda, por sua vez, irá levar
a um declínio no produto da economia em relação ao seu potencial, isto é, o
nível de produção que a economia pode produzir em um nível máximo e sustentável
de emprego. Como resultado, a inflação
futura cairá para níveis menores do que aqueles consistentes com a estabilidade
de preços, e o banco central irá então adotar um política monetária
expansionista para evitar que a inflação caia.
A política expansionista irá então resultar em um aumento na
demanda que irá elevar novamente o produto, fazendo-o voltar para o nível de
produto potencial, retornando a inflação a um nível consistente com a
estabilidade de preços. Por exemplo,
durante a última recessão americana [2001--2003],
o Federal Reserve reduziu a taxa básica de juros em 5,5 pontos percentuais [de 6,5 para 1%], e esse estímulo não
apenas contribuiu para a recuperação econômica, mas também ajudou a evitar um
indesejável declínio adicional na inflação [e
foi exatamente essa política que aditivou a bolha imobiliária americana]. Em outros casos, a adoção de uma política
monetária mais restritiva torna-se necessária para impedir um
"superaquecimento" da atividade econômica, desta forma evitando um ciclo de
expansão e recessão no nível do emprego bem como uma indesejável aceleração da
inflação.
Vamos examinar a lógica dessa abordagem. Pode o banco central elevar o produto geral
da economia estimulando a demanda por bens e serviços por meio de injeções
monetárias e consequentes reduções nas taxas de juros?
Ao se pensar desta maneira, a demanda parece ser o fator
limitador. Mas será isso verdade? A verdade é que nunca há um problema de
demanda por bens. O problema é como
pagar por vários bens e serviços que os indivíduos desejam ter. Por exemplo, um indivíduo pode ter uma
demanda por uma Mercedes
600; os meios à sua disposição, entretanto, permitem que ele adquira apenas
uma bicicleta. Assim, como pode uma
política monetária mais frouxa aumentar a capacidade das pessoas de comprar
bens e serviços?
Capital e dinheiro:
qual a diferença?
Peguemos, por exemplo, um padeiro, João, que produziu dez
pães. Ele consome dois pães e utiliza o
resto para trocar por outros bens de consumo, como vegetais e frutas. Observe que João compra as frutas e vegetais
utilizando os oito pães que ele produziu e poupou. Da mesma forma, as frutas e vegetais poupados
pelos agricultores permitiram a eles fazer suas compras de pães.
Nesse exemplo, os meios de financiamento -- ou o conjunto da
poupança real -- são formados por pães, frutas e vegetais, ou seja, bens de
consumo que foram poupados (não consumidos) e que, por isso, foram utilizados em
trocas que auxiliaram a vida e promoveram o bem-estar das pessoas. (Observe que a contribuição do padeiro para o
conjunto da poupança real é de oito pães, isto é, dez pães produzidos menos
dois que o próprio padeiro consumiu para sua sobrevivência).
O que permite a expansão do conjunto da poupança real é um aumento
na quantidade e a melhora na qualidade das várias máquinas e ferramentas
utilizadas para produzir mais bens. Com
uma maior quantidade de máquinas e ferramentas de melhor qualidade, quantias
maiores e variedades mais amplas de bens de consumo final podem ser produzidas
-- o que gera um aumento no padrão de vida das pessoas.
A fatia do conjunto da poupança real que os indivíduos estão
direcionando para a fabricação de ferramentas e maquinários é a força-motriz
essencial para a expansão da riqueza. Se
os indivíduos decidissem alocar toda a sua poupança real para a produção de
bens de consumo final, então nós não teríamos o aumento no estoque de máquinas
e ferramentas. Consequentemente, não seria
possível aumentar a poupança real.
Por exemplo, ao invés de trocar os oito pães por vegetais e frutas,
o padeiro pode decidir aperfeiçoar seu forno contratando os serviços de um
técnico. Em outras palavras, ao invés de
utilizar os pães que produziu para adquirir outros bens de consumo, o padeiro
irá utilizá-los para investir no aprimoramento do seu forno (ou seja, irá
utilizar os pães para pagar pela mão-de-obra do técnico), medida essa que ele
espera irá elevar sua produção diária de pães.
O técnico, como dito, será pago pelos oito pães. Seus serviços irão permitir que ele adquira o
bem de consumo final -- pão, o qual irá sustentar o técnico e aumentar seu
bem-estar.
Com um forno aprimorado, João pode agora produzir vinte
pães. Isso -- assumindo-se que ele ainda
consome somente dois pães -- permitirá que ele agora poupe dezoito pães, os
quais poderão ser utilizados para adquirir uma maior variedade de outros bens
de consumo. Com esses pães adicionais,
João também poderá fazer outro investimento e, com isso, aumentar ainda mais
seu padrão de vida.
(Incidentalmente, quando o padeiro utiliza seus pães para
pagar por bens de consumo final, ele está com efeito financiando a produção de
bens de consumo final. Assim, os pães
que os agricultores de frutas e vegetais estão adquirindo do padeiro são
utilizados para sustentar suas atividades, pois agora esses agricultores podem
utilizar esses pães para adquirir outros bens de consumo final enquanto eles
continuam sua produção de frutas e vegetais.)
A introdução do dinheiro não altera a essência do que foi
dito até agora -- a saber, que o que financia a demanda por bens e serviços são
os outros bens de consumo final que foram poupados. Indivíduos pagam por vários bens e serviços
utilizando bens de consumo final e serviços.
Quando um padeiro troca seus oito pães por $8 e em seguida
troca esses $8 por frutas e vegetais, isso não significa que ele pagou pelas
frutas e vegetais com dinheiro. O
padeiro paga pelas frutas e vegetais com os pães que ele poupou. O dinheiro é utilizado aqui apenas para
facilitar a transação -- para tornar possível a troca indireta de pães por
frutas e vegetais.
Sendo assim, pode a expansão da oferta monetária gerar uma
maior produção de bens de consumo final?
No mínimo, a redução dos juros e o consequente aumento da quantidade de
dinheiro irão piorar as coisas. Por
exemplo, os ganhadores desse novo dinheiro poderão agora se apropriar de bens
de consumo final sem terem produzido nada em troca. Consequentemente, ao
desviarem para si esses bens de consumo final sem terem produzido nada em
troca, os portadores desse novo dinheiro farão com que haja menos pães, frutas
e vegetais para o padeiro e para outros produtores, restringindo desta forma a
capacidade destes de gerar riqueza.
Em resumo, a expansão da oferta monetária gera uma troca de
alguma coisa (bens de consumo final) por nada (papel criado sem uma
concomitante produção) -- e isso gera empobrecimento econômico. Portanto, se uma política monetária
expansionista não pode gerar crescimento econômico, como explicar o fato de
que, na maioria das vezes, reduções de juros e consequentes expansões
monetárias produzem crescimento econômico?
Antes de tudo, vale lembrar que o crescimento econômico é
mensurado em termos de PIB, o qual calcula apenas transações monetárias. Isso significa que quanto mais dinheiro for
jogado na economia, maior será o PIB nominal e, consequentemente, maior será o
alegado crescimento econômico.
Mesmo se aceitássemos que um aumento no PIB significasse um
aumento no crescimento econômico real, o que tudo isso tem a ver com as
políticas do banco central? Como vimos,
o que gera crescimento econômico real é um crescimento no conjunto da poupança
real. Riqueza não pode ser criada por
meio de afrouxamentos na política monetária.
Se fosse fácil assim, a pobreza mundial já teria sido eliminada há muito
tempo. (Quem quiser ver um bom exemplo prático de como uma política monetária
expansionista cria pobreza, basta olhar a economia do Zimbábue.)
O que uma política monetária expansionista pode produzir durante
uma recessão é um estímulo artificial, o qual dará suporte a várias atividades
que são na realidade consumidoras de riqueza -- no exemplo acima, as pessoas
que adquiriram o dinheiro recém-criado a saíram comprando pães, frutas e
vegetais. Essas atividades consumidoras
de riqueza, por sua vez, diluem o conjunto da poupança real, enfraquecendo
assim as possibilidades de um crescimento econômico real e sustentável.
Enquanto o conjunto da poupança real estiver se expandindo,
a expansão monetária pode gerar a ilusão de que o banco central pode fazer a
economia crescer [foi isso que
aparentemente ocorreu no Brasil em 2010].
Porém, tão logo o conjunto da poupança real se estagnar ou começar a
encolher, essa ilusão será destruída e a realidade irá se impor [que é o que já está começando a acontecer
agora, com inflação em alta].
Nos EUA, em decorrência de uma política monetária
excessivamente frouxa nos últimos anos, suspeita-se que o conjunto da poupança
real esteja em forte contração, o que explica a situação desanimadora da
economia americana.
Em uma economia de livre mercado, na qual ninguém imprime
dinheiro e cada indivíduo tem de produzir antes de consumir, não é possível
haver superaquecimento da economia. Para
que haja superaquecimento, alguns indivíduos precisam receber dinheiro em troca
de nada -- como, por exemplo, quando o banco central cria dinheiro e o injeta
na economia via sistema bancário -- e então trocar esse dinheiro por bens e
serviços. Isso gera um aumento na demanda
que não é acompanhado por um aumento na produção. Aí ocorre o superaquecimento da economia, o
qual assume a forma de um aumento generalizado nos preços.
Em decorrência dessa expansão monetária, várias atividades consumidoras
de riqueza surgem em seu rastro. Assim,
se o banco central apertar sua política monetária a fim de impedir o
superaquecimento, essas atividades entrarão em colapso. Observe que o que gerou a
base para o colapso dessas atividades foi a própria política monetária frouxa
que o banco central havia implementado anteriormente com o intuito de estimular
a economia e impedir que o nível de preços ficasse abaixo da meta.
Resumo e conclusão
Para recapitular: uma política monetária expansionista que
eleva a taxa de inflação para perto da meta estipulada pelo banco central gera
várias formas artificiais de atividades econômicas -- dá-se início a um boom
econômico. À medida que o tempo passa,
isso resulta no chamado superaquecimento econômico.
Quando o banco central reduz a expansão monetária com o
intuito de "esfriar" a economia para trazer a taxa de inflação para perto da
meta, tal medida começa a solapar aquelas várias formas artificiais de
atividades econômicas -- começa aí a fase da contração econômica, ou recessão.
Podemos, portanto, concluir que, ao contrário do que dizem
os defensores da política de metas de inflação, criar uma meta inflacionária e
aderir-se a ela irá apenas desestabilizar a economia e piorar ainda mais as
coisas.