O governo francês, um dos mais ativistas na causa
das mudanças climáticas, quer reduzir o consumo de petróleo. Para isso, o
governo de Emmanuel Macron aumentou
em 12 pontos percentuais a TICPE,
um acrônimo para taxe intérieure de consommation sur les produits énergétiques (tributo interior sobre o consumo de
produtos energéticos).
Esse aumento de 12 pontos
percentuais no imposto sobre combustíveis fósseis foi implantado com o intuito
de restringir as emissões de CO2, financiar a substituição do petróleo por
"energia mais limpa" e deixar o país mais próximo de cumprir seus objetivos
climáticos, os quais foram determinados pelo Acordo de Paris
(do qual os EUA se
retiraram).
No entanto, tudo indica
que os preços da gasolina na République, que já eram muito maiores que
os dos países vizinhos, subiram para um valor acima do tolerável para os
franceses. O diesel encareceu 23% e a gasolina,
15%.
Em um website criado pelo governo
francês em um esforço para ajudar os consumidores a compararem os preços, isso
se torna bem visível: na região de Paris, um litro de gasolina chega a custar
até € 1,90 (aproximadamente R$ 8,22 por
litro).
Ou seja, ao passo que nos
EUA um litro de gasolina sai por US$
0,67, na França ele sai por US$ 2,15.
Só que este preço para
abandonar o petróleo foi alto demais para os franceses. Ambientalismo, sim, mas
nem tanto. Como resultado, mais de 300.000 pessoas trajando coletes amarelos (gilets jaunes) tomaram as ruas em
imensas e crescentes manifestações que já duram um mês.
O problema é que ocorreu
aquilo que sempre acontece em qualquer grande manifestação de massa: o
movimento não só passou a agregar outras insatisfações -- como as de
desempregados e de sindicalistas que querem manter privilégios e reverter
algumas reformas trabalhistas --, como também foi infiltrado
por baderneiros que querem apenas praticar selvageria. A violência está
ficando fora de controle, com três mortos,
centenas de detidos e feridos, e a ameaça de decretação de estado de emergência.
Algumas manifestações
transformaram o centro de algumas cidades em campos de batalha, com amplas
multidões entrando em confronto violento com a polícia.
Como também não poderia
deixar de ser, o movimento passou a ser explorado politicamente por figuras
como Jean-Luc
Mélenchon (líder da extrema-esquerda) e por Marine
Le Pen (da direita nacionalista), agora pedem
novas eleições.
Tudo isso está bem
documentado pela mídia. Mas é apenas metade da história
Os outros impostos
Sim, o ímpeto inicial para
que indivíduos tomassem as ruas da França trajando coletes amarelos era
protestar contra o aumento dos preços dos combustíveis em decorrência do
aumento do "imposto ecológico".
No entanto, os protestos
rapidamente escalaram e se transformaram em uma manifestação generalizada
contra o nível da carga tributária. Entrevistas
confirmam que uma revolta tributária mais ampla está ocorrendo.
O governo francês impôs um
novo tributo
sobre as pensões no início deste ano, o que gerou uma considerável pressão
econômica sobre os idosos. Há também rumores de que o governo quer elevar o imposto
sobre propriedades e sobre a herança.
E, adicionalmente -- algo
que praticamente não foi mencionado pela cobertura da grande mídia --, o
governo francês anunciou que irá, a partir de janeiro de 2019, passar a coletar
o imposto de renda diretamente na folha de pagamento, mensalmente. Sim, a
França, surpreendentemente, ainda não
havia introduzido o nefasto esquema de imposto de renda retido na
fonte, pois os franceses consideravam isso (corretamente) uma inaceitável
invasão de privacidade.
O objetivo de todos estes
aumentos de impostos, obviamente, é bancar o crescentemente ruidoso estado de
bem-estar social francês -- o país foi recentemente declarado o campeão
dos gastos com assistencialismo.
Tudo isso exaltou ainda
mais os ânimos da população.
Por décadas, os
trabalhadores franceses vêm arcando com aquela que é simplesmente a
mais alta carga tributária da União Europeia. Muitos já não
conseguiam fechar suas contas ainda antes
de o governo francês impor esse dilúvio de novos impostos ano passado.
Referências a "roubo" e
"assalto" estão
em todos os cartazes e slogans dos coletes amarelos. "Morte aos impostos",
lê-se nos cartazes. Longe de ser um mero distúrbio civil extremista, a raiz do
movimento foi nada menos do que uma clássica
revolta tributária.
Uma agenda contraditória
Eis a realidade: a França
-- ou, mais apropriadamente, o governo francês -- sempre foi a favorita da
mídia e dos progressistas, e tida como um exemplo a ser seguido tanto em termos
de assistencialismo quanto em termos de agenda
ambientalista. Recentemente, o país provocou suspiros
apaixonados por "assumir a liderança" na questão das 'mudanças climáticas'.
Adicionalmente, na França
(como na maioria dos países da União Europeia), os salários do setor público superam
amplamente os do setor privado [mas
não supera o Brasil, que
é o campeão], algo que, sem dúvida nenhuma, ajuda a impulsionar
estatizantes projetos idealistas e utópicos que prometem criar um lendário
estado de "sustentabilidade".
Porém, para o cidadão francês
comum, estes devaneios estatais geram custos, e estes custos se traduzem em
dificuldades financeiras que são reais, rotineiras e desesperadoras. A fatia
trabalhadora do povo francês, ao que tudo indica, está se aproximando do ponto
de ruptura, e novas promessas assistencialistas do governo poderão apenas
postergar o dia do acerto de contas.
A ideia de afastar todo um
país dos combustíveis fósseis ao mesmo tempo em que fornece assistencialismo generosos
para todos pode parecer algo humanista, compassivo e até mesmo visionário. Mas
isso é só no abstrato. No mundo de verdade, a realidade econômica
inevitavelmente sempre se impõe, fazendo a incômoda pergunta: qual o tamanho da
coerção -- a pilhagem da população trabalhadora -- necessária para tornar este
sonho uma realidade?
O povo francês está
descobrindo a resposta agora. E a resposta está se comprovando profundamente
impopular.
Qual o limite?
Do ponto de vista do
cidadão comum, a sustentabilidade de suas finanças pessoal e doméstica sempre
será mais importante do que programas estatais que soam belos e doces.
Políticos e ativistas ambientalistas que jubilosamente acreditam que a adesão
popular a seus projetos grandiosos (e arrogantes) é automática são ou obtusos ou
tiranos.
Mesmo na França, a terra
dos sonhos dos progressistas, os trabalhadores não mais estão querendo saber de
ver sua riqueza pessoal sendo cada vez mais esbulhada para servir aos planos
altivos da elite política e intelectual. Mesmo na França há um limite para o
ambientalismo e para a social-democracia, e o povo francês, ao que tudo indica,
está se aproximando deste ponto de ruptura.
No final, tudo é contraditório
Mais de 200 anos atrás, Jean-Baptiste
Colbert alertou o rei Luis XIV que "A arte da tributação consiste em
depenar o ganso de modo a obter a maior quantidade de penas com o menor volume
possível de grasnido." O som que hoje se ouve na França é o de franceses
grasnando indignados. Os gansos com mais penugem -- Gérard Depardieu, membros
da família Peugeot e da Chanel -- já deixaram o país em busca de um futuro
melhor.
Os que ficaram continuam
sendo crescentemente depenados. E continuam querendo bem-estar social -- de novo, o país foi recentemente declarado o campeão dos gastos com assistencialismo.
Por isso, a lição continua
impávida: de nada adianta protestar contra elevação de impostos e, ao mesmo
tempo, querer social-democracia, estado assistencialista e agenda
ambientalista. Enquanto a mentalidade francesa for a do estado de bem-estar
social com "economia verde", os custos deste arranjo continuarão garantindo
protestos urbanos a uma frequência
praticamente anual.
No final, não há
escapatória: ou a população francesa celebra o Acordo Climático de Paris e sua
social-democracia ou sai queimando pneus para protestar contra a acentuada elevação
de impostos que visam a reduzir as emissões de carbono e bancar a
social-democracia. Não dá para ter as duas coisas ao mesmo tempo.