"Pacientes estão morrendo nos corredores dos
hospitais".
Essa foi a manchete que apareceu no
website da BBC na semana passada. A reportagem detalhava os mais recentes escândalos
que estão emergindo do sistema de saúde estatal britânico, o qual vive imerso
em crises.
Esta mais recente revelação surgiu como resultado de
uma carta aberta enviada à primeira-ministra por 68 médicos do sistema. A carta
detalhava as condições desumanas que se tornaram comuns nos hospitais do National
Health Service (o sistema estatal de saúde do país).
Segundo
a carta, a qual apresentava estatísticas dos hospitais públicos da
Inglaterra e do País de Gales, apenas em dezembro de 2017, mais de 300.000
pacientes foram obrigados a esperar nas salas de emergência por mais de quatro
horas antes de serem atendidos. Pior: enquanto estes esperavam nas salas, milhares
de outros tinham de esperar ainda mais tempo dentro de ambulâncias, apenas para
então poderem entrar nas salas de emergência.
A carta relatava que havia se tornado uma "prática
rotineira" deixar os pacientes abandonados em cima de macas nos corredores por
até 12 horas até que fossem providenciados leitos. Muitos destes pacientes
acabavam sendo levados para alas improvisadas criadas às pressas nas repartições
administrativas dos hospitais.
Adicionalmente, foi revelado que aproximadamente 120
pacientes por dia são atendidos nos corredores e nas salas de espera, com
vários sendo submetidos a tratamentos humilhantes nas áreas públicas dos hospitais,
com alguns até mesmo morrendo
prematuramente como resultado.
Uma paciente relatou que, tendo ido para a sala de emergência
devido a um problema ginecológico que a deixou com dores severas e um grande
volume de sangramento, a escassez de salas de tratamento fez com que a equipe
do hospital tivesse de examiná-la em um corredor lotado, à plena vista dos
outros pacientes.
Neste mês de janeiro, 55.000
cirurgias foram canceladas. Com escassez de leitos, o sistema estatal já avisou
que só irá receber
pacientes sob extrema urgência.
Para completar, segundo
os relatos de vários médicos, as condições do sistema de saúde da
Inglaterra estão parecidas com aqueles de países do "terceiro mundo". E a própria
Cruz Vermelha disse que o sistema de saúde estatal do país vive
uma "crise humanitária". O próprio The
New York Times, que sempre foi a favor da saúde socializada, reconheceu
que o sistema britânico está à beira do colapso.
Causas
Embora seja tentador acreditar que tais casos
extremos devem ser uma ocorrência rara, o fato é que tais histórias de horror cada
vez mais vão se tornando a norma em um sistema de saúde socializado que parece
estar em um permanente estado de crise.
Com efeito, na primeira semana de 2018, mais de 97%
dos hospitais do NHS na Inglaterra relataram níveis de lotação tão severos a
ponto de serem
considerados "inseguros".
Tão previsível quanto o surgimento contínuo de novas
histórias desse tipo é a igualmente firme recusa dos comentaristas britânicos em
considerar que estrutura estatal e monopolista do sistema seja a culpada. Vários,
inclusive a própria primeira-ministra, afirmaram que a causa de tudo é o surto
de doenças que ocorrem nesta época do ano, como a gripe, e que não há nada de
errado no sistema.
Entretanto, recentemente, os próprios membros do
sistema de saúde britânico vieram a público e abertamente rejeitaram essa tese
como sendo a causa da atual crise, esclarecendo que os atuais níveis
de demanda por serviços de saúde por causa de doenças como gripe "não têm nada
de inéditos ou atípicos". O envelhecimento da população e a incapacidade dos municípios
em fornecer tratamentos não-hospitalares também foi apontado como uma das
causas do sobrecarregamento do sistema.
Como era de se esperar, até o momento, a única solução
apontada pelos comentaristas é simplesmente injetar mais dinheiro de impostos
neste sistema falido. Com efeito, a crença de que essa perpétua crise no
sistema de saúde britânico decorre exclusivamente de cortes de despesas feito
por políticos do Partido Conservador tornou-se tão consensual, que praticamente
ninguém se atreve a discutir o assunto -- principalmente os próprios membros do
sistema, que se beneficiariam enormemente de um aumento dos repasses.
Entretanto, essa caricatura popular do NHS como uma vítima
de um crônico corte de repasses é simplesmente um mito. Com efeito, ajustando-se
pela inflação, torna-se evidente que os repasses governamentais ao NHS aumentaram a uma taxa extraordinária
desde a virada do milênio. E aumentaram muito mais aceleradamente do que
durante os anos anteriores, os quais os defensores do sistema gostam de lembrar
com grande afeto e nostalgia.

Evolução
do orçamento do National Health Service, ajustado pela inflação
Efetivamente, sob o governo do Partido Conservador (2010-2017),
praticamente 30% do orçamento
dos serviços públicos britânicos foi direcionado para seu sistema de saúde monopolista.
Para se ter uma ideia, na primeira década de existência do NHS, essa cifra foi
de apenas 11%.
O problema, portanto, não é que o NHS esteja com
escassez de financiamento (não está); o problema é que o sistema monopolista estatal
é assustadoramente
ineficiente. Não importa quanto seja aumentada a quantidade de dinheiro
jogada no sistema; no final, a administração burocratizada e sem concorrência irá
simplesmente desperdiçar este dinheiro.
E este é o grande problema dos sistemas de saúde estatizados:
é impossível fazer uma administração racional dos recursos.
De um lado, dado que o dinheiro advém de impostos e não
da qualidade dos serviços ofertados, não há um sistema de lucros e prejuízos a
ser seguido. Logo, não há racionalidade na administração. Com efeito, nem
sequer é possível saber o que deve ser melhorado, o que está escasso e o que
está em excesso. Não há como inovar ou se tornar mais eficiente.
De outro, quando algo passa a ser ofertado "gratuitamente",
a quantidade efetivamente demandada sempre será maior que a ofertada. E aí escassez
e racionamento tornam-se uma inevitável rotina.
Ou seja, a oferta, além de ser limitada, é ineficiente
e irracional, pois não segue um sistema de preços. Já a demanda tende ao "infinito",
pois o custo é zero.
Tem-se, assim, a tempestade perfeita. Como os
recursos para a saúde são limitados e gerenciados de maneira burocrática, mas a
demanda é crescente e "gratuita", filas de espera para tratamentos,
cirurgias, remédios e até mesmo consultas de rotina viram a norma. No extremo,
pacientes são abertamente rejeitados, cirurgias são canceladas e pessoas são deixadas
para morrer nos corredores.
Conclusão
Em um sistema de saúde controlado pelo governo, é o
estado quem determina quem pode receber tratamento, como e quando. Na prática,
a saúde estatal funciona como uma economia sob controle de preços: em algum
momento a oferta irá se exaurir perante a demanda.
Na melhor das hipóteses, hospitais estatais
monopolistas irão com a mesma eficiência de uma repartição pública, funcionando
igual aos Correios ou ao Detran.
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