Nota do Editor
O artigo abaixo, originalmente de 2018, foi atualizado para incorporar o mais recente delírio fundamentalista dos progressistas: os lockdowns
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Rotular o oponente de maneira pejorativa tornou-se
uma prática bastante comum. É muito mais fácil estereotipar o interlocutor,
atribuindo-lhe rótulos depreciativos, do que engajar em uma discussão
significativa e racionalmente honesta.
Por exemplo, se, em meio a um debate econômico sobre
pobreza, saúde, educação, infraestrutura ou mesmo comércio exterior, você
sugerir uma solução de mercado, dizendo algo do tipo "deixem o mercado cuidar
disso", você será, na mais benevolente das hipóteses, rotulado de
"fundamentalista" ou mesmo "reacionário".
Aparentemente, defender soluções de mercado faz de
alguém um "fundamentalista" porque tal pessoa estaria se comportando de maneira
ingênua e com uma devoção religiosa.
Só que a
posição do "deixem o mercado cuidar disso", longe de ser ingênua, é a
mais realista que existe. Ela reflete o entendimento de que qualquer problema
que você possa imaginar -- reconstruir uma terra arrasada por um terremoto,
fornecer educação e saúde de excelente qualidade para crianças e adultos,
reduzir congestionamentos em ruas e estradas, fornecer uma moeda de qualidade,
construir pontes e estradas, fornecer água tratada e encanada -- será mais bem
resolvido, com muito mais eficiência, presteza e baixo custo, por indivíduos
atuando livremente na arena das trocas voluntárias e pacíficas (mercado) do que
por burocratas do governo.
Recomendar o mercado (a livre interação entre
pessoas) em lugar do governo (a intervenção de burocratas) significa a
humildade de reconhecer que ninguém possui informação e conhecimento
suficientes para determinar, ou mesmo prever, quais métodos específicos são os
melhores para lidar com o problema. Significa recomendar que se permita que
milhões de pessoas criativas, cada uma com perspectivas distintas e com seus
próprios conhecimentos e percepções, voluntariamente contribuam com suas
próprias idéias e esforços para lidar com o problema.
Isso é o exato oposto de ingenuidade e
fundamentalismo.
Agora, em contraste a isso, se você analisar as
principais posições dos estatistas e intervencionistas nas mais diversas áreas
-- impostos, subsídios, agências reguladoras, tarifas protecionistas, leis
trabalhistas e lockdowns --, você imediatamente perceberá que eles é que são os verdadeiros
ingênuos e fundamentalistas de mercado.
Quem
é o fundamentalista?
Impostos
Comecemos pela questão dos impostos. Aqueles que
defendem aumentos de impostos acreditam sinceramente que eles não só não
afetarão a economia, como também irão aumentar o bem-estar de todos.
Já a teoria econômica ensina que aumentos de
impostos diminuirão a quantidade de capital disponível para financiar
investimentos, expandir a capacidade produtiva e contratar mão-de-obra. Com
mais impostos, há mais dinheiro nas mãos de burocratas e menos nas mãos de
empreendedores e de consumidores. Isso, por si só, não tem como aumentar o
bem-estar de todos e nem como tornar a economia mais rica.
No entanto, para os defensores de aumento de
impostos, eles não geram problema nenhum. De alguma maneira, as empresas, mesmo
sendo mais tributadas, irão dar um jeito de arcar com este ônus e ainda assim
contratar mais pessoas, investir mais, produzir mais e, com isso, manter altas
taxas de crescimento econômico.
Igualmente, os consumidores, mesmo tendo agora uma
menor renda disponível, irão de alguma maneira consumir mais, gerar mais lucros
para as empresas e, com isso, aumentar empregos e investimentos em toda a
economia.
Para os intervencionistas, portanto, tanto
empreendedores quanto consumidores irão se adaptar aos maiores impostos, de
modo que as potenciais consequências negativas -- menor criação de riqueza e
menores níveis de produção -- podem ser perfeitamente evitadas.
Sinceramente, isso sim representa uma extraordinária
crença na capacidade do mercado. Tratar a economia como à prova de impostos
significa colocar uma enorme e ingênua fé no mecanismo de mercado.
Infelizmente, o mercado não é tão poderoso assim, não obstante essa profunda fé
dos estatistas. Impostos, com efeito, geram consequências econômicas e
significativos efeitos adversos.
Subsídios
Subsídios funcionam da mesma maneira.
Intervencionistas acreditam que o governo tomar
dinheiro de uns e repassar a outros é algo que pode trazer enriquecimento para
todos.
Eles ignoram que subsídios empobrecem aqueles de
quem o dinheiro foi confiscado e beneficiam aqueles recebedores, os quais irão
ser contemplados de acordo com suas conexões políticas. Igualmente, eles
ignoram que subsídios aumentam a ineficiência da economia como um todo, pois
quem recebe os subsídios não mais precisa se preocupar em agradar os
consumidores para auferir receitas, e sim apenas fazer os conchavos com os
políticos que estão no poder. Empresa beneficiada por subsídios tem de agradar
a políticos (para continuar recebendo o butim), e não aos consumidores.
No final, os subsídios distorcem toda a economia e
geram inúmeras ineficiências. Empresas eficientes são tributadas para bancar as
ineficientes. As ineficientes se expandem (graças ao apoio do governo),
adquirem maiores fatias de mercado (pois seus custos operacionais efetivos são
menores graças ao dinheiro que recebem do governo) e com isso expulsam as mais
eficientes. No final, empresas que tinham potencial são preteridas por aqueles
que possuem conexões políticas.
No entanto, para os intervencionistas, nada disso
irá acontecer e o mercado saberá arcar com esta intervenção distorciva de
maneira sublime, sem sofrer nenhum distúrbio. E todos irão enriquecer.
Isso sim é ter uma crença fundamentalista na
capacidade do mercado.
Agências
reguladoras
Para a esquerda intervencionista, agências reguladoras
criarem reservas de mercado -- impondo inúmeras regras e custos para estipular
quem pode operar em determinados mercados -- é algo que trará mais bem-estar e
maior qualidade de serviços para os consumidores.
Intervencionistas acreditam que agências reguladoras
não só protegem os consumidores contra cartéis, como ainda fazem com que essas
empresas se tornem mais eficientes e mais preocupadas em agradar os consumidores.
A esquerda intervencionista ignora que agências
reguladoras nada mais são do que um aparato burocrático que tem a missão de garantir um oligopólio
para as empresas favoritas do governo, protegendo essas empresas contra o
surgimento de novos concorrentes, principalmente vinda de outros países.
A esquerda intervencionista genuinamente acredita
que colocar o governo para regular preços e especificar os serviços que as empresas
operando dentro de uma reserva de mercado devem ofertar é algo que trará um
bem-estar muito maior aos consumidores do que simplesmente abrir o mercado para a vinda
de empresas de todos os cantos do mundo, as quais disputariam consumidores via
redução de preços e aumento da qualidade dos serviços.
A esquerda, em suma, acredita que criar reservas de
mercado nos setores de telecomunicações,
de planos de saúde,
bancário, aéreo, elétrico, petrolífero e de transportes não só não
abalará a qualidade dos serviços ofertadas no mercado, como ainda aumentará o
bem-estar de todos.
Isso é ou não é uma crença fundamentalista na
capacidade do mercado de tolerar distorções?
Tarifas
de importação
A esquerda protecionista acredita
que proibir os cidadãos de comprar produtos baratos e de maior qualidade do
exterior, forçando-os a comprar os produtos mais caros e de qualidade inferior
fabricados nacionalmente, é algo que aumentará a riqueza de todos.
Eles genuinamente acreditam que criar uma reserva de
mercado para o grande baronato industrial nacional não só não irá afetar em
nada a eficiência econômica, como ainda aumentará o bem-estar de todos,
principalmente dos mais pobres, agora obrigados a pagar mais caro por produtos
de qualidade inferior.
Para a esquerda, estabelecer esse monopólio das
grandes indústrias nacionais não criará nenhuma ineficiência econômica, não
criará privilégios, não aumentará a desigualdade de renda (industriais e
sindicatos mais ricos, e pobres mais empobrecidos) e não afetará o crescimento
econômico.
A esquerda, em suma, ignora que quando a população é
obrigada a comprar produtos nacionais artificialmente mais caros, sobra menos
dinheiro para investir ou gastar em outros setores da economia, como lazer,
alimentação, educação, vestuário, o que acaba reduzindo o emprego e a renda
nestas áreas.
Isso é ou não é uma crença fundamentalista na capacidade
do mercado de absorver tamanho privilégio garantido pelo governo?
Leis
trabalhistas
De acordo com seus defensores, estipular um salário
mínimo e impor vários encargos sociais e trabalhistas que oneram a folha de
pagamento das empresas não trará nenhuma consequência negativa ao mercado de
trabalho.
Para a esquerda, o governo estipular um preço mínimo
para que se possa contratar legalmente mão-de-obra, e em cima deste preço
mínimo acrescentar encargos
que simplesmente dobram o custo legal desta mão-de-obra, não representa
nenhum obstáculo ao emprego e não empurra a mão-de-obra menos qualificada para
o mercado informal.
Miraculosamente, impor fardos adicionais aos
empregadores não afetará a disposição deles em empregar mais pessoas. Um preço
artificialmente mais alto para a contratação de mão-de-obra não irá afetar em
nada a demanda por mão-de-obra, principalmente da menos qualificada.
Assim, para a esquerda, as empresas continuarão
operando normalmente, ignorando por completo este aumento de custos. Afinal,
quem se importa com custos operacionais mais altos? O mercado é tão forte e
resistente que pode sobreviver a tamanho obstáculo. Sendo assim, nada nesta
área deve ser alterado.
Acreditar que custos trabalhistas artificiais não
impactam a lucratividade de empreendimentos, e consequentemente não afetam a
disposição das empresas para contratar mão-de-obra, representa uma formidável
crença (fundamentalista) na capacidade do mercado de absorver custos
artificialmente impostos.
Lockdowns
Essa é direta: progressistas e intervencionistas acreditam que, se os governos simplesmente desligarem a economia, impedirem as pessoas de trabalhar e produzir, e o Banco Central simplesmente imprimir dinheiro para dar a essas pessoas e mantê-las em casa, a economia continuará girando normalmente, sem escassez, sem alta de preços e com mínimo aumento no desemprego.
Todo o necessário, portanto, é o governo apenas imprimir dinheiro e distribuir, pois, aparentemente, a simples criação de moeda tem o poder mágico de fazer surgir bens do nada.
Distribuir dígitos eletrônicos e papeizinhos pintados fará milagrosamente surgirem bens de capital e bens de consumo para todos.
Imprima dinheiro, e computadores, caminhões, imóveis e comida surgirão como que por encanto. A escassez estará findada. Trabalho e produção serão equações já resolvidas. A transubstanciação do nada em produtos físicos será efetuada.
Com efeito, todo o necessário para fazer uma economia bombar é ter um Banco Central criando dinheiro. Todo o segredo para transformar as pedras em pães é criar dígitos eletrônicos e papeis pintados. Faça isso, e bens e serviços surgirão em abundância.
Acreditar que a simples criação de dígitos eletrônicos e papeis-pintados mitiga todos os problemas gerados pela proibição de se trabalhar, empreender e produzir é o ápice da crença fundamentalista nos milagres do mercado.
Conclusão
Quem, portanto, são os verdadeiros fundamentalistas
que acreditam que o mercado é imune a falha? Quem é que acredita que
intervenções estatais, não importa quão grandes e abrangentes, não têm o poder
de afetar a eficiência do processo de mercado?
Pois é. Paradoxalmente, são os estatistas e intervencionistas
de esquerda os verdadeiros fundamentalistas e apologistas do mercado.