Localizada no nordeste da
Espanha, a Catalunha é uma província cujo histórico é complexo: historicamente,
ela sempre foi seu próprio principado; porém, e ao mesmo tempo, ela tem sido
alternadamente conquistada e reivindicada tanto pela França quanto pela
Espanha.
Apesar de todos os esforços para
erradicá-lo, a província ainda mantém um idioma próprio. E também possui uma
identidade nacional própria. Assim como também possui representantes políticos
próprios. De acordo com a mais recente constituição espanhola, a Catalunha
possui um certo nível de autonomia em relação ao governo espanhol.
E agora ela quer se separar da
Espanha.
Aliás, o termo "agora" talvez
seja um tanto enganoso. A Catalunha tem se mostrado contrária ao domínio
espanhol já faz um bom tempo, sendo que o movimento de independência política
começou formalmente em 1922. O movimento rapidamente ganhou tração e conseguiu
fazer com que a região se tornasse politicamente autônoma em relação ao governo
espanhol. Mas isso foi antes de estourar a Guerra Civil espanhola, em 1936.
Após a guerra civil, o ditador e general Francisco Franco prontamente aboliu a
autonomia, em 1939.
Já o atual movimento de
independência da Catalunha começou em 2006, com a Catalunha readquirindo uma
nova autonomia dentro da Espanha. Desde então, várias e notórias figuras
públicas catalãs passaram a fazer campanha ostensiva por um estado independente,
e vários referendos simbólicos já foram feitos sobre o tópico, todos eles
resultando em um resoluto 'sim' em favor da secessão.
Por causa deste forte apoio, a
província da Catalunha marcou um referendo, agora formal e decisivo, para
decidir sua independência em relação à Espanha. O referendo será dia 1º de outubro (próximo
domingo).
Mas o governo espanhol não está
gostando nada disso.
A
Espanha responde
O governo espanhol declarou que o referendo é ilegal.
Na quarta-feira passada, dia 20 de setembro, soldados da Guarda Civil espanhola
deram batidas em vários órgãos do governo catalão e prenderam
14 ativistas, políticos e funcionários pró-independência, vários
deles do alto escalão. Também na quarta-feira, o
ministro do interior da Espanha anunciou que a Guarda Civil e a polícia
nacional estarão em massa na Catalunha para impedir a realização do referendo,
o que aumentou enormemente as tensões.
Em uma entrevista à Bloomberg, o
ministro das relações exteriores da Espanha, Alfonso Dastis, declarou: "Essas
pessoas [separatistas] estão, na prática, tomando atitudes nazistas, pois estão
colocando cartazes com os rostos de todos os prefeitos que não estão querendo
participar desta farsa." E prosseguiu dizendo que "Um referendo não é a mesma coisa
que democracia. O general Franco organizou dois referendos."
Perceba que a tática é sempre a
mesma, em qualquer país: quem não concorda com você é um nazista. No entanto, o
senhor Dastis está errado: um referendo é exatamente a mesma coisa que
democracia. Não faz sentido defender eleições majoritárias, mas se opor a
referendos. Quem defende um tem necessariamente de defender o outro.
E, por mais que eu seja um cético
em relação à democracia e à escolha de um governo pela maioria, é fato é que os
cidadãos da Catalunha estão tendendo decidir, de maneira estritamente pacífica
e não-violenta, se quere ser um estado independente. Já o governo espanhol está
violentamente interferindo nesta tomada de decisão. Isso sim é anti-democrático,
e não o referendo em si.
Escalada
de tensões
É perfeitamente possível entender
por que a Espanha quer manter a Catalunha. Trata-se de uma região extremamente
industrializada, a qual, apesar de seu tamanho relativamente pequeno, possui o maior PIB dentre todas as províncias espanholas. Logo,
é compreensível que o governo espanhol não queira abrir mão deste cofre,
especialmente quando se considera quanto a economia espanhola ainda continua
combalida.
No entanto, criminalizar o
direito de auto-determinação não é uma maneira de manter a Catalunha.
Mesmo porque um referendo sobre a
independência da Catalunha nem sequer é uma garantia de que haverá secessão em
relação à Espanha. Pesquisas feitas dois meses atrás mostraram que 49,4% dos catalães eram contra a
independência. Dito isso, quanto mais tirânico e opressivo o governo espanhol
se comportar em relação aos catalães, maior a probabilidade de eles quererem a
independência. As ações do governo espanhol já geraram violentos protestos em
Barcelona, a capital da Catalunha. Carles Puigdemont, o presidente da generalidade da Catalunha,
rotulou os ataques de 'violação aos direitos humanos'.
Até mesmo membros do governo italiano --
outro país em que vicejam movimentos separatistas
-- condenaram as ações do governo espanhol.
Toda a situação pode rapidamente
sair do controle do governo espanhol. Aguardemos.
Deveria
a Catalunha ser independente?
Somente os catalães, e ninguém
mais, podem responder a esta questão. Alguns catalães se consideram espanhóis.
Outros, não. Vários espanhóis consideram que a Catalunha é parte da Espanha.
Outros, não.
Mas o que já está realmente claro
é que há milhões de catalães (há 7,5 milhões de habitantes na Catalunha) que se
consideram politicamente dominados e usurpados de sua soberania, e ressentem
isso. Sendo assim, por que eles deveriam continuar vivendo sob um governo
espanhol, sendo que sua história, sua cultura e seu idioma não são espanhóis?
Essa é uma pergunta justa e
direta, para a qual as democracias ocidentais não têm uma resposta fácil. Se a
intelectualidade ocidental venera tanto a democracia, ao ponto de dizer que as
eleições democráticas são sacrossantas, então os resultados também teriam de
ser sacrossantos, independentemente de quais sejam. Será que os democratas
realmente defendem a democracia? A realidade é que não. Para eles, a democracia só é boa
quando concordam com seus resultados.
Ludwig von Mises já havia resumido
sucintamente o problema em seu livro Liberalismo
— Segundo a tradição clássica:
A circunstância de se ver obrigado
a pertencer a um estado, contra a própria vontade, por meio de uma votação, não
é menos penosa do que a circunstância de se ver obrigado a pertencer a esse
estado em razão de uma conquista militar.
Certamente, há vários indivíduos que se sentem como os catalães em
vários países do mundo. Eles não consideram que o governo central seja legítimo
(independentemente de como este governo foi formado) e represente seus
verdadeiros interesses. Mais: eles sentem que "seu" governo não só não os
representa, como também lhes é abertamente hostil. Por que obrigar tais pessoas
a continuar sob este jugo?
A secessão deveria ser
permitida para aquelas pessoas de quem discordamos?
Mas há também outras questões extremamente pertinentes sobre o que uma
Catalunha independente realmente significaria, não só para a economicamente
combalida Espanha, mas também para a vizinha França e o resto da União
Europeia.
Há quem argumente que a Catalunha é a Espanha, e que suas
antigas reivindicações de independência nada mais são do que um movimento
nacionalista repleto de propagandas falsas com o intuito de criar um movimento
político. Segundo essa crítica, os separatistas seriam espertalhões à procura
de mais poder político, e estariam fazendo isso se aproveitando de um
sentimento minoritário.
Ainda que seja verdade, isso não aborda a questão fundamental, que é a
da auto-determinação. Logo, a principal questão continua sem resposta: deveriam
os catalães ser proibidos de tomar suas próprias decisões, ainda que estas
decisões sejam "ruins" e contrárias ao que nós (ou a Espanha ou a União
Europeia) pensamos?
Sim, é fato que algumas pessoas ficariam em pior situação em caso de
uma Catalunha independente. Porém, de mesma maneira, alguns espanhóis também
ficarão objetivamente em melhor situação como resultado de não mais estarem
politicamente presos à Catalunha. No mínimo, não mais teriam de lidar com políticos
catalães enviados a Madri para impor ao resto da Espanha regulações, tributos, subsídios
e tarifas protecionistas que supostamente são do interesse exclusivo da Catalunha.
Trata-se de uma questão factual complexa, e ambos os lados têm
argumentos. Mas o fato crucial é este: se uma Catalunha independente estará em
melhor ou pior situação é algo altamente subjetivo, não cabendo a nenhum de nós
decidir.
A auto-determinação sempre
deve ser o supremo objetivo político
O que nos leva ao ponto principal: a auto-determinação. É isto, e apenas isso, o que deve conduzir toda e qualquer medida política.
Para os libertários, a auto-determinação é o supremo objetivo da política.
Em termos puramente políticos, auto-determinação é liberdade.
Em um mundo ideal, a auto-determinação se estenderia até a menor das
minorias, que é o indivíduo, o qual deve usufruir uma completa soberania política
sobre sua vida. Afinal, se
você não gosta do governo sob o qual vive, deve ter o direito de se separar e
criar um outro.
Porém, em um mundo imperfeito, os libertários deveriam sempre defender
governos menores e mais descentralizados como sendo uma medida pragmática rumo
a uma maior liberdade. Nosso objetivo deve ser o de fazer regredir poderes
políticos sempre que possível, retirando-os da esfera federal e centralizadora
e devolvendo-os a estados e, melhor ainda, municípios autônomos. O objetivo
sempre deve ser a descentralização, fazendo com que estados grandes e centralizadores
sejam menos poderosos. Barcelona sempre será menos perigosa que Madri. A legislatura
de um estado americano sempre será menos temível que o Congresso em Washington.
Alguns libertários
costumam argumentar, de maneira nada prática, que a secessão é uma coisa
negativa porque "cria um novo estado". Mas este é um ponto de vista
bastante simplista, dadas as realidades geográficas do planeta Terra. A menos
que alguém esteja formando um novo estado situado completamente em águas
internacionais, ou na Antártida, ou no espaço sideral, a criação de qualquer
estado novo terá necessariamente de ocorrer à custa de algum estado
existente.
Assim, a
criação de um novo estado -- por exemplo, na Catalunha -- seria feita
à custa do atual estado conhecido como "Espanha". Por causa da
secessão, o governo espanhol seria privado de receitas dos impostos dos catalães
e das vantagens militares do território.
Consequentemente,
o estado que perde território torna-se necessariamente enfraquecido. (Vale
lembrar, por exemplo, como a dissolução da URSS em dezenas de novos países
enfraqueceu aquele estado. Mesmo a divisão da Tchecoslováquia em República
Tcheca e Eslováquia também foi um golpe ao poder centralizado.)
Portanto,
a secessão, em vez de ser vista como apenas "um ato que cria um novo
estado", deve ser vista como um ato que enfraquece um estado existente.
Adicionalmente,
além de enfraquecer estados, a vantagem, pela perspectiva do indivíduo, é que
ele agora tem à sua disposição dois estados para escolher, onde antes havia
somente um. Agora, o indivíduo tem mais opções: ele pode, mais facilmente,
escolher um lugar para viver que seja mais adequado ao seu estilo de vida
pessoal, ideologia, religião, grupo étnico e assim por diante. Um mundo
composto de centenas, milhares ou mesmo dezenas de milhares de estados (ou de
regimes de diversos tipos) ofereceria muito mais escolhas para os residentes
que desejassem mudar sua situação de vida.
Mais: governos
pequenos possuem vários concorrentes geograficamente próximos. Se um governo
passar a tributar e a regulamentar mais do que seus concorrentes, a população
emigrará, e o país sofrerá uma fuga de capital e mão-de-obra. O governo ficará
sem recursos e será forçado a revogar suas políticas confiscatórias. Quanto
menor o país, maior a pressão para que ele adote um genuíno livre comércio e
maior será a oposição a medidas protecionistas.
Tudo isso é extremamente saudável para a liberdade. Separatismos nos deixam
mais próximos do objetivo supremo, que é a auto-determinação em nível individual.
É sempre positivo para liberdade reduzir o número de indivíduos sobre os quais
um determinado governo pode exercer sua autoridade.
A secessão fornece um ambiente que genuinamente
tolera a diversidade, pois cria um arranjo em que pessoas de cultura, religião
e comportamento distintos não estão todas sob a mesma canga estatal e não mais
são obrigadas a conviver sob as mesmas regras.
A secessão fornece um arranjo que permite que pessoas com visões e
interesses completamente divergentes vivam pacificamente como vizinhos, em vez
de serem obrigadas a sofrer sob um mesmo governo central que as joga umas
contra as outras.
Toda e qualquer secessão deixa o indivíduo mais próximo do ideal da auto-determinação.
Conclusão
Para que a defesa do princípio da auto-determinação
tenha sentido, é necessário permitir que outras pessoas tomem decisões com a
quais não concordemos. A concorrência política é algo que só pode trazer benefícios
ao indivíduo.
Por isso, deixem a Catalunha se separar, caso assim
ela decida.