Eis os problemas fundamentais com a reforma
educacional do ensino médio proposta pelo governo de Michel Temer:
a) O governo federal quer decidir centralizadamente
um assunto que deveria ser definido em nível estadual ou, melhor ainda,
municipal. Político e burocrata em Brasília não têm condições de reunir e
processar todas as informações dispersas e necessárias para definir
adequadamente a base curricular de acordo com as especificidades e necessidades
regionais.
b) Essa tara centralizadora que deposita todas as
esperanças de solução no governo federal é um de nossos principais vícios. Como
se o governo federal tivesse a capacidade de realizar todas as expectativas de
maneira eficiente, o que é um contra-senso se considerarmos todo o debate
envolvendo os fracassos do governo federal
c) A esmagadora maioria das escolas públicas são municipais
e estaduais. Dado que os estados e municípios estão na bancarrota, e dado que a
reforma exigirá mais investimentos, trata-se de uma conta que não fecha. É certo que o governo federal -- por meio de
nossos impostos -- terá de sair distribuindo dinheiro para garantir essa mudança.
d) Como não vivemos em um federalismo, mas sim em uma
República centralizadora, como é que municípios e estados terão dinheiro para
investir o necessário no ensino se a nossa estrutura tributária drena quase
todos os recursos provenientes de tributos para a União?
e) Eis a pior parte: a exigência de que o aluno
permaneça, agora, ao menos sete horas por dia na escola. Isso é uma grande vitória do estado e das
suas instituições, e uma total derrota da família e do direito que ela tem de
se manter perto do seu filho -- para não dizer de educá-lo -- durante a maior
parte do dia.
f) Escola obrigatória sete horas por dia é sequestro.
É a garantia de que o seu filho ficará um terço da vida dele, até os quase
vinte anos de idade, sendo educado por burocratas e sindicalistas -- e aprendendo
sabe-se lá o quê.
g) Seu filho passar sete horas por dia sob o comando
do politicamente correto é algo que deveria lhe preocupar.
Sim, a possibilidade de o aluno agora ter o direito
de escolher quais matérias ele quer fazer e quais não quer fazer representa um avanço. Isso é digno de aplausos e merece elogios.
Mas de nada adianta essa maior liberdade se, em
troca, nossos filhos serão obrigados
a ficar 7 horas por dia sob o controle de professores engajados, de politiqueiros
e de agitadores sindicais.
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Comentários
de Ícaro de Carvalho:
O sistema educacional que temos hoje ainda é um eco
daquela estrutura burocrática copiada do auge do império inglês. Seus criadores
não estavam preocupados com a educação.
O objetivo daquele amontoado de matérias e das centenas
de conhecimentos técnicos específicos era a criação de um sujeito manso,
obediente e com uma quantidade mínima de habilidades, universais e uniformes. O indivíduo era treinado para que fosse capaz
de exercer funções administrativas em qualquer colônia do império.
Com o tempo, o ensinamento burocrático foi inflado, por
meio de grandes ministérios e secretarias, chegando hoje ao limite do
escandaloso. Ensinamos às crianças
prismas e logaritmos numa ponta do funil e aguardamos, pacientemente, para que
saiam, do outro lado, aos 17 anos, a incrível proporção de 7 analfabetos
funcionais a cada 10.
Acreditar que a solução para a educação é mais dessa
mesma educação é o equivalente a beber água do mar. Seria muito mais honesto se
vários pais admitissem que o que querem são apenas lugares para deixarem os
filhos por mais tempo enquanto trabalham.
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Comentário
de João Luiz Mauad
Lá nos idos de 1970, tive o privilégio de estudar em
uma das melhores, senão a melhor escola privada do Rio, e, pasmem!, nunca tive
aulas de arte, sociologia ou filosofia, nem no ensino fundamental, nem no
médio. Em compensação, todos os meus colegas saíam da escola sabendo ler
perfeitamente e com conhecimentos básicos de matemática e ciências, aptos
inclusive a entender a lógica por trás de qualquer texto, por mais complexo e
elaborado, inclusive dos grandes autores clássicos e dos filósofos mais
difíceis.
Não adianta você mandar alguém que não consegue
entender nem um romance de banca de jornal ler textos de Hegel, Nietzsche, Hume
ou Aristóteles. É total perda de tempo. Aliás, o tempo (assim como a atenção)
dos estudantes é um "insumo" escasso e, portanto, deveríamos tentar
aproveitá-lo para ensinar muito bem o básico, a fim de que adquiram o
ferramental mínimo para voos mais altos, inclusive nas áreas de filosofia e
sociologia, economia, direito etc.
É claro que reformar algo tão complexo não é tarefa
fácil, nem jamais será um trabalho perfeito, mas pelo que pude entender, a
proposta do governo de abolir algumas disciplinas obrigatórias está no caminho
certo e espero que não voltem atrás.
Finalmente, porém não menos importante, enquanto não
conseguirmos tirar a ideologia das salas de aula, não iremos muito longe…
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Comentários
de Bruno Garschagen:
Estudei parte da minha vida em escola pública
municipal. A maioria dos alunos estava lá para comer merenda -- e não poderia
ser diferente, considerando que não tinham o que comer em casa.
Lembro que um colega de turma desmaiou de fome no
início de uma aula de educação física que era realizada numa quadra
poliesportiva que parecia uma cidade da Síria recém-bombardeada. Aula de
educação física? O professor jogava uma bola de futebol velha para cima e
sempre tinha um colega a gritar a palavra de ordem: "bola presa é
pau". E começava a carnificina.
Tirando alguns heróis que davam expediente como
professores, donos de uma capacidade extraordinária de ensinar a matéria e de
nos empolgar, o nível geral era, na falta de uma palavra melhor, sofrível.
Terra devastada, como no famoso poema de T. S. Eliot.
Por isso, qualquer reforma de ensino na atual
situação do Brasil estará fadada ao fracasso se não se concentrar em pontos
fundamentais como:
- Escolas com infraestrutura e limpas;
- Diretor(a) que saiba administrar a escola;
- Professores que dominem o conteúdo e saibam
transmiti-los de forma a seduzir os alunos para o conhecimento;
No mais, como pode dar certo uma escola
semidestruída, toda pichada, com vazamentos por toda parte, com professores mal
qualificados, com jovens mal educados e violentos atrapalhando aqueles que
querem estudar e agredindo professores, e com os pais dos alunos mal educados e
violentos que vão à escola agredir e ameaçar diretores e professores?
Acreditar que "basta vontade política" é um
autoengano. Não falta só vontade política. Falta dinheiro, falta formação
gerencial e faltam ideias adequadas e uma compreensão completamente distinta
sobre o papel do estado e da responsabilidade dos indivíduos, a começar pela
família.
O problema fundamental da reforma, portanto, não foi
apenas ter sido implementada por medida provisória e sem um debate prévio como
se tem dito por aí -- debate este que serviria para ratificar propostas ruins e
sempre com a perniciosa ideia da "universalização" do "currículo
nacional comum" e de todas as variações da pedagogia do oprimido que
orientam o ensino formal no Brasil.
Sobre o conteúdo, não é preciso inventar a roda:
voltemos aos clássicos, e atualizemos a maneira de apresentá-los aos alunos de
hoje.
Tudo o que fuja disso é tergiversação ou discussão
irrelevante sobre uniforme para menino que não se sente menino e menina que não
se sente menina -- seguindo um programa ideológico convertido em lei. Neste
caso, a minha proposta é simples: uniforme eunuco para omitir o gênero.
De resto, parem de chamar ensino de educação. Quem
educa é a família. A função da escola é ensinar. Vejam o vídeo abaixo do
professor José Monir Nasser. Ponto.
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Leia também:
Não se deixe educar pelo estado
A educação estatal - e como ela seria em um livre mercado