Desde Adam Smith, David Ricardo e
Jean-Baptiste Say, a ciência econômica nunca esteve em tamanha decadência.
Por um lado, evoluímos muito no
que diz respeito às teorias sobre livre comércio, moeda, ciclos econômicos, influência das instituições,
custos de transação, análise da Escolha Pública, e
da análise econômica de outros setores como o Direito, a saúde, a corrupção, as
drogas etc.
Por outro, a ciência econômica
vem entrando em decadência ano após ano -- neste caso, por razões epistemológicas.
Explico-me: heterodoxos[1]
(marxistas, desenvolvimentistas e pós-keynesianos) causam inveja nos mais
absurdos conspiracionistas ao criar explicações mirabolantes das quais surgem
soluções mais mirabolantes ainda para seus problemas. Enquanto isso, os neoclássicos e keynesianos abusam
do empirismo e de seus modelos matemáticos complexos na ânsia de querer "mensurar"
tudo.
A economia parece ter virado um
ramo da estatística e da matemática, em vez de estas servirem apenas como
instrumentais para certas aplicações da teoria econômica. O esquecimento do apriorismo, da Escola
Austríaca, e de Lionel Robbins e sua obra Essay
on the Nature and Significance of Economic Science (1932) representou um retrocesso sem fim em
direção ao cientificismo e ao positivismo mecanicista.
A ciência econômica trata de
fenômenos humanos, de relações entre indivíduos, das escolhas da racionalidade
humana em meio a recursos escassos, das implicações de tudo isso. Em suma: a ciência econômica trata da ação
humana. Infelizmente, no monopólio do debate, todos estão, de alguma forma,
errados.
Vemos intervencionistas (no
Brasil, piorado por uma forte influência marxista) e monetaristas
digladiando-se sobre qual a taxa em que a oferta de moeda pode ser aumentada ou
qual o nível aceitável de déficit fiscal -- enquanto provavelmente nunca
chegarão a uma resposta correta. Isso porque, na esmagadora maioria dos casos,
ambos ortodoxos e heterodoxos têm uma metodologia errada.
Heterodoxos falham por
ancorarem-se nos mesmos erros dos economistas clássicos, ao analisarem a
economia em classes sociais e, muitas vezes -- pasmem! --, baseada no
valor-trabalho.
A ideia de que o valor é objetivo e determinado pela
quantidade de trabalho despendido na manufatura do produto, somada à ideia
de que cada classe social possui uma lógica própria (sendo impossível que um
pobre e um rico pensem da mesma forma) e é magicamente guiada a um mesmo rumo,
inibe qualquer tentativa de avançar na análise das escolhas subjetivas dos
consumidores e em teorias de trocas.
O polilogismo marxista
acreditava que a forma de pensar de uma pessoa é determinada pela classe a que ela
pertence, de modo que cada classe social tem um mecanismo lógico e racional específico
(menos Marx e Engels, que seriam os únicos burgueses do mundo
com a mesma estrutura lógica dos proletários).
Segundo a Escola Historicista
Alemã, cada modo de produção possui um contexto histórico-social único. E somente a partir desse contexto é que podem
ser feitas as análises econômicas adequadas. Portanto, cada modo de produção
teria suas próprias "leis" econômicas, que seriam parcialmente verdadeiras, pois
condições poderiam mudar, sendo impossível criar leis econômicas gerais e
aplicáveis a todos os modos de produção.
No caso capitalista, a teoria
econômica liberal estaria errada porque representa os interesses burgueses para
justificar a exploração do proletariado. Essa tentativa de relativizar as leis
econômicas era imprescindível para a luta socialista, já que, caso fosse
convincente, eliminaria as tentativas de refutar o socialismo em
termos puramente econômicos. Só os verdadeiros proletários, dotados da
lógica verdadeira, poderiam tecer seus
"achismos" totalmente desprovidos de qualquer embasamento.
Entre os keynesianos, a análise
da economia em agregados ignora o fato de que cada indivíduo tem um
comportamento próprio. O ato de se
estudar a economia como se ela fosse apenas uma grande massa homogênea e
uniforme é algo que, logo em seu ponto de partida, desconsidera o indivíduo e
seus variados comportamentos.
Baseando-se na máxima de que há uma
correlação entre
desemprego e inflação, Keynes forneceu a seus discípulos um Trabalho de
Sísifo: a eterna busca por um "ponto ótimo" fictício, inexistente. Se o
desemprego ficasse muito alto em decorrência de um crescimento econômico lento,
bastava que os seres iluminados responsáveis pela política macroeconômica
realizassem uma simples medida: aumentar os gastos e a inflação monetária,
aumentando a demanda agregada. Já se o desemprego, por outro lado, ficasse
muito baixo durante a recuperação econômica, levando a um "superaquecimento" da
economia, bastava que o governo elevasse impostos e reduzisse os gastos, e o
resto daria certo.
Michael Kalecki,
economista polonês, acreditava que o governo também deve financiar o pleno
emprego, por meio de subsídios, manipulação da taxa de juros ou redistribuição
de renda. Para tal justificar suas teorias, Kalecki pressupõe uma economia
fechada, estática e sem governo, na quak o capital é constante e os
trabalhadores não poupam. Já Keynes
pressupõe que para a ocorrência de certas causalidades que ele descreve, todas
as outras variáveis devem estar constantes -- o famoso ceteris paribus.
Qual a validade de teorias que
não são realistas? Qual o sentido de aplicarmos teorias econômicas que são
feitas para uma economia que não existe? O problema disso é que suas conclusões
a partir dessas hipóteses -- as quais, para serem corretas, deveriam ter
validade universal -- só são válidas dentro de certos contextos.
A
matemática na economia
Ainda assim, a matemática não é inútil
na economia. (Nenhum economista que não acredita
no uso da matemática nega que se João tem 10 reais e Pedro tem 20, juntos eles
têm 30). O problema está no uso de artifícios clássicos da física na economia,
além da transposição de ferramentas como o cálculo integral, equações
diferenciais, e álgebra linear, as quais, por definição, não podem nem mensurar
e nem muito menos prever o comportamento humano.
Apesar de ter superado a falácia do
valor-trabalho, a Revolução
Marginalista e o valor-utilidade trouxeram consigo outro impasse na
história do pensamento econômico, o qual persiste até hoje. A Revolução
Marginalista não foi apenas uma revolução teórica, mas também uma revolução
metodológica. Do método lógico, usados pelos clássicos, partiu-se para o método
formal (a matemática sem números). Na época dos clássicos, o texto metodológico
mais utilizado era o de John Stuart Mill Essays on Some Unsettled Questions
of Political Economy (1844), no qual Mill, apesar de um entusiasta do
empirismo, defende que a economia necessita de um método próprio, baseado na
lógica a priori. Mill defendia o
apriorismo porque a Economia Política (como era chamada à época) era uma
ciência abstrata e complexa, na qual o uso da experiência como método
probatório não era nem possível e nem adequado.
Enquanto Jevons e Walras tentavam
sistematicamente -- e em falha -- "mensurar" a utilidade de cada bem adicional,
Menger e a Escola Austríaca se limitaram à Teoria da Utilidade Marginal
Decrescente como conhecemos atualmente: cada unidade adicional de um mesmo
bem possui um valor à margem -- isto é, um valor adicional -- menor. (Por
exemplo, à medida que acrescento camisas idênticas ao meu
guarda-roupa, cada camisa extra em geral terá menos importância para mim do que
as mesmas camisas que comprei anteriormente).
Isso afeta diretamente as
implicações que cada um e suas escolas seguiram.
Menger e os austríacos continuaram
pelo método apriorístico, em que as verdades são auto-evidentes,
o que mais tarde Ludwig von Mises chamou de praxeologia, a ciência
da ação humana, sistematizando-a de forma brilhante. Walras, Jevons, e mais
tarde Marshall, partiram para a matemática, para os gráficos e para suas
hipóteses. A partir destes, passou-se a seguir modelos matemáticos, ainda que
não empíricos, sendo The Scope and Method
of Political Economy(1890), de John Neville Keynes, pai de John Maynard
Keynes, o mais influente na época.
É exatamente desse ponto que
nasce o maior problema da ciência econômica moderna: o empirismo. Curiosamente,
os economistas neoclássicos, muitas vezes ditos liberais, empacam nos mesmos
problemas de econometristas comunistas da União Soviética. Na URSS, os econometristas utilizavam funções
de produção para estimar curvas de custo, dizendo às empresas estatais para minimizarem
esses custos, como se as funções fossem exatas e correspondessem a supostas características
globais imutáveis.
Em fenômenos complexos, como os
fenômenos econômicos, não há constantes.
Nesse sentido, não se pode, portanto, utilizar o modelo epistemológico
das ciências naturais (ou ciências físicas, como Hayek chamava). O método
empírico, no qual se formulam hipóteses, essas hipóteses são testadas e
repetidas várias vezes com todas as "variáveis" constantes até chegar-se a uma
verdade. Esse modelo não pode ser aplicado na economia pelo simples fato de que,
no ramo da ação humana, não existem relações constantes, como disse Ludwig von
Mises. Ainda que houvesse constantes, não saberíamos identificar uma infinidade
de fatores que influenciam cada ação humana.
E mesmo que conseguíssemos identificar, não conseguiríamos mensurar e a
valorar todos esses fatores.
Corroborando crítica à Teoria Geral de
Keynes, Hayek afirma que se passou a dar valor a essa teoria porque, ao se
testá-la quantitativamente, ela se mostrava relativamente correta. Disse Hayek em seu
discurso ao ganhar o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória a Alfred Nobel,
em 11 de dezembro de 1974:
A correlação entre demanda agregada e nível de emprego, por
exemplo, pode apenas ser aproximada; porém, como é a única sobre a qual
há dados quantitativos, passa a ser aceita como o único vínculo causal que
importa. O que temos aí é uma ótima evidência "científica" para
uma teoria falsa. E ela é aceita porque parece ser mais
"científica" do que uma teoria que, embora apresente uma explicação
válida, é rejeitada apenas porque não há evidências suficientemente quantitativas
para embasá-la.
Por isso, a despeito de estar
fundamentalmente errada, acredita-se que seja correta, pois é, até o momento, a
única que permite uma constatação quantitativa -- o que, segundo Hayek, não a
torna mais verdadeira. Ainda que se
tenha adquirido essa visão "cientificista" ao alegar que a mensuração
quantitativa seja mais correta, evidências de correlações não podem refutar
algo que uma boa teoria mostre haver causalidade lógica.
As
ciências econômicas hoje
O método científico moderno
separou, erroneamente, as ciências em duas: as ciências naturais, verdadeiras e
empíricas; e as ciências humanas, que seriam pseudociências, falsas e baseadas
em "achismos". Ainda que tenham razão nas duras críticas às ciências humanas,
muitas vezes utilizadas como palco para maluquices -- já que, teoricamente,
você não precisa de, e nem tem como, provar empiricamente muitas das
descobertas --, negar que a ciência econômica seja totalmente verdadeira em sua
lógica dedutiva apriorística, para com isso estimular a adesão de economistas à
matemática para tornar seu trabalho prestigiado como "ciência de verdade", é
uma postura totalmente equivocada.
Esse é o "cientificismo" criticado
por Hayek: acreditar que uma teoria é mais correta só porque utiliza o método
empírico não faz sentido, uma vez que o método empírico não é o correto para a
economia.
Na introdução de qualquer
livro-texto de Microeconomia você muito provavelmente encontrará um aviso de
que os modelos apresentados não são quantitativos, que não é possível utilizar números
ordinais, e que tais modelos não podem ser usados para implicar relações
interpessoais de, por exemplo, utilidade. Nos capítulos seguintes, você verá o autor utilizando
uma Curva de
Indiferença para determinar que uma certa quantidade do bem A é equivalente
a uma certa quantidade do bem B, ignorando que consumidores têm uma escala de
preferência subjetiva, intrapessoal e temporal, impossível de ser mensurada.
Verá também o autor dizendo que
um aumento X no preço fará com que a demanda diminua Y, dependendo de sua
elasticidade Z. O grande problema é que nada disso é estático -- e, portanto,
nada disso pode ser tomado como verdade. Preços, por exemplo, são influenciados
por uma quantidade imensurável de variáveis também imensuráveis.
A estatística, outra ferramenta
neoclássica, falha da mesma forma. A estatística pode nos dizer coisas incríveis
sobre o passado, pode até nos dar certa habilidade preditiva em relação ao
futuro, mas correlações históricas não podem ser usadas como leis universalmente válidas para ditar o
que irá acontecer no futuro -- no
máximo, o que provavelmente pode acontecer.
Milton Friedman responde, em seu
livro Essays
in Positive Economics (1953), que o essencial é que os modelos
matemáticos tenham uma previsibilidade correta, ainda que não sejam
inteiramente verdadeiros em suas hipóteses iniciais. Friedman começa dividindo a economia em
economia positiva e economia normativa, defendendo a primeira. Para ele, a
economia deveria julgar, por exemplo, políticas públicas pelo que elas são e não pelo que elas deveriam ser. Ainda assim, novamente,
seus modelos não conseguem julgar eficientemente e com certeza o que vai acontecer.
A economia positiva difere da
normativa simplesmente na medida em que simples julgamentos de valor sem nenhum
embasamento passam a ser analisados com correlações estatísticas. A economia
normativa diz, diferentemente da economia positiva, o que provavelmente vai acontecer, e não o que vai acontecer. O único método possível para dizer o que vai acontecer é o lógico apriorístico, mas
somente quando delimitado ao seu escopo.
Conclusão
A tomada da ciência econômica
como empírica é prejudicial não apenas para a ciência em si, mas também para
toda a humanidade. O formalismo teórico faz com que se perca a noção da
complexidade da teoria econômica e dos mercados. Sem a complexidade, acaba-se
por acreditar que estes podem ser controlados.
Acreditar que a economia é empirista
resulta em seguidas tentativas de se aplicar as mesmas e fracassadas políticas
governamentais que já foram refutadas pela teoria. Pior ainda: resulta em seguidas tentativas de
se aplicar variadas versões do socialismo, na esperança de que, um dia, alguma
delas dará certo à medida que as variáveis corretas forem controladas.
Os economistas passaram de
defensores da liberdade a auxiliares do despotismo. Nesse meio tempo, quem paga
a conta somos nós, humanos, meros números nas equações neoclássicas, nos
agregados keynesianos e nas ditaduras comunistas.
___________________________________________
Bibliografia
BARBIERI, Fabio. Formalismo Teórico, Complexidade e Ameaças
à Liberdade. 4a Conferência de Escola Austríaca, São Paulo,
2014. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=qkDJEDQhd2I>
FRIEDMAN,
Milton. Essays in Positive Economics. 1a
Ed. Chicago: Universityof Chicago Press, 1953.
HAYEK,
Friedrich August. The
Counter-Revolutionof Science. 1a.Ed. Glencoe: The FreePrees,
1952.
MISES, Ludwig von. Ação Humana. 3.1a Ed. São
Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.
MISES,
Ludwig von. EpistemologicalProblemsofEconomics.
3. Ed. Indianapolis: LibertyFund, 2013.
MISES,
Ludwig von. TheoryandHistory. 2.Ed.
Auburn: Ludwig von MisesInstitute, 2007.
[1] Teoricamente,
a Escola Austríaca deveria ser considerada heterodoxa, pois não participa,
atualmente, do mainstream econômico e
tem suas ideias como "controversas" e/ou "radicais" aos olhos deste. No
entanto, neste artigo, convencionarei heterodoxos como marxistas,
desenvolvimentistas e keynesianos, e ortodoxos como neoclássicos, para melhor
compreensão.