A contínua revolta contra "os ricos" e os seguidos
clamores para se confiscar uma substantiva fatia de sua riqueza baseiam-se no
velho princípio marxista de que há uma pequena minoria de abastados vivendo à
custa da exploração da esmagadora maioria da população.
Tal raciocínio seria verdadeiro caso a revolta se
direcionasse especificamente para
aqueles indivíduos cuja riqueza foi adquirida por meios que atentam justamente
contra o capitalismo, como subsídios governamentais, protecionismo e outras
formas de governo que obstruem a livre concorrência.
No entanto, a gritaria tem sido generalizada e o
alvo comum tem sido "os ricos" de forma geral.
A óbvia solução sugerida é que o governo simplesmente
confisque a riqueza dessa minoria abastada e a redistribua para os mais pobres
-- o fato de que os burocratas que fazem a redistribuição é que irão ficar com
a maior parte do dinheiro confiscado será aqui ignorada, pelo bem do debate.
Por esse raciocínio, o confisco da riqueza e dos ativos dos ricos,
e sua subsequente redistribuição para os mais pobres, não apenas seria benéfica
para os pobres, como ainda seria um arranjo mais belo e moral do que continuar permitindo
que os ricos sigam utilizando sua riqueza apenas em benefício próprio, uma vez
que os ricos nada mais são do que indignos e gananciosos capitalistas
exploradores.
Tal raciocínio -- cada vez mais compartilhado por
intelectuais, por acadêmicos, por artistas e até mesmo por alguns setores da mídia
-- é típico daquelas pessoas que enxergam o mundo através de uma lente
intelectual totalmente inapropriada para a vida sob o capitalismo e sua
economia de mercado. Tais pessoas vêem o
mundo como se este ainda fosse igual àquele de há alguns séculos, quando era
povoado por famílias autossuficientes que viviam da agricultura de
subsistência, cada uma produzindo para consumo próprio, sem nenhuma ligação com
um mercado de compra e venda de bens e serviços.
Naquele mundo, quando alguém via uma plantação, ou
um celeiro, ou um arado, ou animais de carga, e perguntava a quem tais meios de
produção serviam, a resposta é "ao agricultor e sua família, e a ninguém
mais". Naquele mundo, à exceção de
algum ocasional gesto de caridade dos proprietários, aqueles que não possuíam
meios de produção não podiam se beneficiar dos meios de produção existentes, a
menos que eles próprios de alguma maneira também se tornassem proprietários de
meios de produção. Eles não podiam se
beneficiar dos meios de produção de terceiros, a menos que os herdassem ou os
confiscassem.
Justamente por manterem esta visão de mundo, os
intelectuais e ativistas de hoje imaginam os capitalistas como homens obesos,
cujos pratos estão repletos de comida enquanto as massas de assalariados têm de
viver à beira da fome. De acordo com
essa mentalidade, a redistribuição de riqueza seria simplesmente uma questão de
retirar a comida do prato transbordante dos capitalistas e redistribuí-la para
os trabalhadores esfomeados.
Mais ainda: para os intelectuais e ativistas de hoje,
os ativos dos ricos estão ou na forma de dinheiro "parado nos bancos"
ou na forma de ativos imobilizados que geram benefícios exclusivamente para os
próprios ricos.
Segundo essa visão de mundo, os meios de produção
que estão em posse dos capitalistas ricos -- fábricas, instalações industriais,
bens de capital, caminhões, tratores e maquinários em geral -- possuem
essencialmente a mesma característica dos meios de produção das famílias
agrárias autossuficientes: beneficiariam apenas os seus proprietários.
Porém, a realidade do mundo moderno é exatamente
oposta: em primeiro ligar, a riqueza dos capitalistas na forma de dinheiro
configura uma ínfima fatia; em segundo lugar, e mais importante, a riqueza dos capitalistas não apenas está predominantemente na forma
de meios de produção,
como também esses meios de produção estão empregados na produção de bens e
serviços que são vendidos no mercado.
Em total antagonismo às condições das famílias
agrárias autossuficientes -- cujas posses de fato beneficiavam exclusivamente
apenas elas próprias --, os beneficiários dos meios de produção dos
capitalistas são todos os membros do público consumidor em geral, que compram
os produtos dos capitalistas.
Por exemplo, sem ser dono de uma única ação de alguma
grande montadora (GM, Daimler, Ford, BMW, Scania, VW, Toyota, Volvo) ou de
alguma petrolífera (Exxon Mobil, BP, Shell, Chevron), qualquer pessoa em uma
economia capitalista que compre os produtos destas empresas se beneficia de
seus meios de produção: o comprador de um automóvel da Ford se beneficia da
fábrica da Ford que produziu aquele automóvel; o comprador da gasolina da Shell
se beneficia de seus poços petrolíferos, oleodutos e caminhões-tanque.
Adicionalmente, também se beneficiam destes meios de
produção todas aquelas pessoas que compram produtos de pessoas que utilizam
produtos da Ford ou da Shell. Por exemplo, os clientes dos supermercados cujos
produtos foram entregues em caminhões feitos pela Ford ou abastecidos com
diesel produzido nas refinarias da Shell se beneficiam da existência da fábrica
de caminhões da Ford e das refinarias da Shell.
Mesmo aqueles que compram produtos dos concorrentes
da Ford e da Shell, ou que compram produtos de pessoas que utilizam os produtos
dos concorrentes da Ford e da Shell, se beneficiam da existência dos meios de
produção da Ford e da Shell: afinal, os meios de produção da Ford e da Shell aumentam
a oferta de bens, o que pressiona seus concorrentes reduzirem os preços (ou a não
aumentá-los, ou a aumentar menos do que poderiam caso não houvesse essa concorrência)
de seus bens.
Igualmente, os meios de produção da Apple, da
Microsoft, da Google, da Uber, da Caterpillar, da Alpargatas, das siderúrgicas,
das companhias aéreas, dos pecuaristas, do agronegócio, das fabricantes de
alimentos, das empacotadoras de alimentos, das cervejarias, de todas as fábricas
e indústrias, de todos os atacadistas e varejistas, de todos os comerciantes e
provedores de serviços beneficiam diretamente todos aqueles que adquirem seus bens e serviços
e os bens e serviços dos concorrentes.
Em outras palavras, todos nós, 100% de nós, nos
beneficiamos da riqueza dos odiados capitalistas. Nós nos beneficiamos sem que nós mesmos
tenhamos de ser capitalistas. Os críticos
do capitalismo são literalmente mantidos vivos em decorrência da riqueza dos
capitalistas que eles odeiam. Como
demonstrado, os campos de petróleo e os oleodutos das odiadas corporações
petrolíferas fornecem o combustível que movimentam os tratores e os caminhões
que são essenciais para a produção e a distribuição de comida que os críticos
comem.
Aqueles que têm ódio dos capitalistas e querem
confiscar sua riqueza simplesmente odeiam os alicerces de sua própria
existência.
Os benefícios que os meios de produção dos
capitalistas trazem aos meros mortais que não são proprietários dos meios de
produção se estendem não apenas aos compradores dos produtos fabricados por
esses meios de produção, mas também aos vendedores da mão-de-obra que é
empregada para trabalhar com esses meios de produção. Não houvesse os meios de produção dos
capitalistas, não haveria empregos assalariados em massa.
A riqueza dos capitalistas, em outras palavras, é a
fonte tanto da oferta de produtos que os não-proprietários dos meios de
produção compram, como também da demanda pela mão-de-obra que os
não-proprietários dos meios de produção vendem.
Donde se conclui que, quanto maior o número e quanto
maior a riqueza dos capitalistas, maior será tanto a oferta de produtos quanto
a demanda por mão-de-obra.
Consequentemente, menores serão os preços e maiores serão os salários --
logo, maior será o padrão de vida de todos.
Nada pode ser mais benéfico para o interesse próprio
do cidadão comum do que viver em uma sociedade repleta de capitalistas
multibilionários e suas grandes empresas, todos ocupados utilizando sua vasta
riqueza para produzir bens e serviços que este cidadão irá comprar e para
disputar a mão-de-obra que ele irá vender.
Não obstante tudo isso, o críticos do capitalismo
desejam um mundo no qual os capitalistas bilionários e suas grandes empresas
foram completamente banidos e substituídos por pequenos e pobres produtores,
que não seriam significativamente mais ricos do que eles próprios, os críticos --
o que significa que todos seriam pobres.
Eles creem que, em um mundo com tais produtores --
produtores que não possuem o capital necessário para produzir quase nada, muito
menos para conduzir a produção em massa dos produtos tecnologicamente avançados
do capitalismo moderno --, eles irão de alguma forma estar economicamente em
melhor situação do que estão hoje.
Obviamente, tais críticos e manifestantes não
poderiam estar mais iludidos.
Além de não perceberem que a riqueza dessa ínfima
minoria é o pilar do padrão de vida da esmagadora maioria, o que tais pessoas
também não percebem é que a "ganância" daqueles que se esforçam para
fazer parte da ínfima minoria -- ou que se esforçam para ampliar sua posição
dentro dela -- é o que faz com que o padrão de vida da esmagadora maioria seja
progressivamente aumentado.