É
extremamente raro -- se não inédito -- ver um político da situação reconhecer
que o governo errou. Normalmente,
tal acusação é feita, quando é feita, por políticos da oposição.
Sem
dúvida, o simples fato de um político -- independentemente de ser situação ou
oposição -- reconhecer que o governo falhou já é um avanço. Só que isso nem sequer deveria ser
necessário.
O
conhecido aforismo em latim "errare humanum est" já deixa manifesto que o erro
é inerente ao -- e inseparável do -- ser humano. Sendo assim, a menos que um político esteja
implicitamente sugerindo que os governantes estão acima dos comuns mortais (não
duvide disso), um reconhecimento de erro acaba sendo redundante. É claro que os políticos se equivocam: o
sobrenatural seria se eles não errassem.
No
entanto, vale enfatizar que o aspecto mais relevante do "erro político" não é
que ele exista, mas sim as consequências que ele acarreta.
Quando
um indivíduo qualquer se equivoca, os custos e os prejuízos vinculados ao seu
erro são arcados por ele próprio. A
responsabilidade individual consiste justamente em aceitar as consequências de
nossas ações, em não culpar os outros por nossas falhas, e em não descarregar
nem culpas nem ônus sobre terceiros inocentes.
Na
teoria econômica, com efeito, criou-se o termo "externalidades negativas" para
descrever custos que não são arcados pelo indivíduo que as produziu, mas sim
por terceiros.
Os
políticos, por sua vez, são inteiramente capazes de transferir o custo de seus
erros para todo o conjunto da população.
Afinal, quem são os grandes prejudicados pelos fiascos das políticas
implantadas pelo governo?
Por
exemplo, a política de crédito
subsidiado concedido pelos bancos estatais para grandes empresas é
inerentemente inflacionária. Quem arcou
com o aumento de preços?
A
política de crédito
subsidiado para a compra de imóveis é inerentemente inflacionária. Quem arca com o aumento dos preços dos
imóveis e acaba tendo de viver de aluguel ou sendo forçado a morar em
barracões?
A
política de aumento dos
gastos públicos e a política da concessão de crédito por meio do BNDES geraram um explosivo
déficit orçamentário e
um grande aumento na dívida pública.
Tal política, além de também ser inflacionária, deteriorou as contas do
governo, elevando a dívida bruta, o que retirou do país o grau de investimento (investment grade) e ajudou a acelerar a depreciação do
real, o que por sua vez turbinou ainda mais a inflação de preços. Quem arcou com tudo isso?
A
política de aumento
generalizado das tarifas de importação -- para proteger o grande baronato
industrial e os grupos de interesse que mais gastam dinheiro para fazer lobby
perante o governo -- ajudou a encarecer sobremaneira os preços de vários bens
de consumo. Quem arcou com tudo isso?
A
política de obrigar geradoras e transmissoras de energia elétrica a baixar suas
tarifas na marra inviabilizou vários investimentos destas, e consequentemente
obrigaram as distribuidoras a recorrer ao mercado de curto prazo, cujos preços
são muito maiores. Como consequência, as
distribuidoras ficaram desabastecidas e endividadas, e tiveram de ser
socorridas pelo Tesouro (dinheiro nosso).
O montante repassado já chegou a R$ 39 bilhões e as tarifas ao consumidor estão mais altas do que estavam antes
do anúncio da redução de tarifas. Quem
arcou com tudo isso?
A
política de criar agências
reguladoras serviu para cartelizar o mercado interno, protegendo
grandes empresários contra a concorrência externa e, com isso, impedindo que
houvesse preços baixos e produtos de qualidade no mercado. Quem arcou com tudo isso?
A política de encargos sociais e trabalhistas encareceu artificialmente a
mão-de-obra e, com isso, impediu que os salários fossem maiores. Quem arcou com tudo isso?
Tendo arrogado para si próprios um poder quase absoluto para decidir sobre
nossas vidas e economias, os políticos, ao cometerem erros, detêm o benefício
de converter a sociedade em responsável solidária por seus erros. Aquilo que no livre mercado seria considerável
inaceitável e motivo de acionamento judicial -- as ações de um indivíduo
repercutirem adversamente sobre um outro que não é obrigado a arcar com elas
--, torna-se a regra quando o envolvido é o estado: os erros dos políticos se
transformam estruturalmente em um fardo compartilhado por todo o conjunto da
sociedade.
Porém,
provavelmente ainda há aqueles que acreditam que essa caracterização predatória
da política é injusta, pois, sendo os políticos "nossos representantes", eles
acabam pagando por seus erros nas urnas. Só que essa argumentação não é
satisfatória.
Em
primeiro lugar porque, a menos que ocorra uma perfeita transubstanciação
democrática, os governantes só representam, a rigor, aqueles que votaram neles,
e não aqueles que não votaram neles.
Consequentemente, ninguém deveria ser obrigado a pagar pelos erros
daqueles governantes que não receberam seu voto. Tanto a presidente quanto um governador de estado têm poder sobre seus
não-eleitores simplesmente porque a lei assim obriga, e não porque esse é o
desejo de seus não-eleitores. A representação
não-consentida não é motivo para que aquele involuntariamente representado
pague pelos erros de seu político não-desejado.
Adicionalmente,
não existe nenhuma garantia de que os erros serão castigados (um político pode
arruinar um país, corromper-se em benefício próprio, punir seus não-eleitores
minoritários, e ainda assim ser reeleito).
No máximo, afirma-se que seus erros acarretarão na não-renovação de seu cargo público.
Essa,
aliás, é a demonstração mais clara de como os políticos são capazes de
externalizar seus erros com impunidade: afinal, a responsabilidade de um
governante que destrói as finanças públicas e o poder de compra da moeda deve
se limitar à sua não-reeleição? O
estrago gerado é totalmente desproporcional a essa eventual "punição".
Portanto,
eis o fato: os governantes erram porque são seres humanos; porém, e à diferença
de todo o resto dos seres humanos, eles não assumem a responsabilidade pelos
erros gerados por suas próprias decisões.
Ao contrário: eles conseguem transferir as consequências de seus erros
para outras pessoas que não deveriam ser obrigadas a arcar com este ônus.
Isso,
e nada mais do que isso, é a síntese da política estatal: uma maciça
socialização dos prejuízos imposta sobre o conjunto de cidadãos inocentes por
um grupo de pessoas irresponsáveis que se arrogam a autoridade de governar a
todos.