Dê
uma olhada em toda a vasta quantidade de políticas governamentais inventadas
com o intuito de corrigir todos os problemas existentes no país. Veja as leis e as regulamentações criadas
especificamente para lidar com cada um destes problemas.
Veja
tudo o que o governo inventa. Para
melhorar a renda, ele estipula um salário mínimo. Para reduzir a desigualdade de renda, ele
cria programas redistributivos e assistencialistas. Para controlar empresas, serviços e preços,
ele cria agências reguladoras. Para
proteger trabalhadores, ele repassa dinheiro a sindicatos e os apóia. Para proteger o emprego e os salários de
pessoas diplomadas, ele inventa licenças ocupacionais. Para proteger a indústria, ele cria tarifas
de importação e intensifica a fiscalização da Receita Federal em aeroportos. Para mitigar os efeitos do
desemprego, ele cria o seguro-desemprego.
Para estimular a economia, ele inventa vários pacotes de estímulo.
Fora
do âmbito econômico, para tentar melhorar a educação, ele cria ministérios e
secretarias específicos para essa área.
Ele cria provas e exames obrigatórios; ele institui padrões
governamentais; ele impõe uma idade compulsória para se estar na escola, mesmo
que contra a vontade dos pais; e ele cria programas de empréstimos estudantis
subsidiados.
Para
melhorar a segurança pública, ele intensifica seu monopólio deste serviço e
ainda desarma os cidadãos inocentes. Para
melhorar a saúde estatal, ele despeja cada vez mais dinheiro neste setor.
Todas
essas regras, regulamentações, leis e programas possuem ao todo milhares de
páginas especificando todos os seus detalhes de funcionamento, cada uma delas
tentando colocar um esparadrapo sobre um problema específico, problema esse que os
burocratas creem poder solucionar simplesmente criando novas regras.
Alguma
delas funciona? Na melhor das hipóteses,
mesmo quando os resultados não são um desastre completo, sempre há um grande
custo envolvido, sempre há uma enorme ineficiência gerada, sempre há
desperdícios, corrupção e, inevitavelmente, violações à liberdade individual.
A
grande ironia de tudo é que toda essa multiplicidade de problemas que as
intervenções governamentais tão desesperadamente tentam corrigir não são de
maneira nenhuma problemas reais: todos eles são sintomas. Salários baixos
são um sintoma. Desigualdade de renda é
um sintoma. Empresas oligopolistas com
serviços ruins e preços altos são um sintoma.
Desemprego é um sintoma.
Desindustrialização é um sintoma.
Estagnação econômica é um sintoma.
Saúde pública ruim é um sintoma.
Segurança ruim é um sintoma.
Educação ruim é um sintoma.
E,
como qualquer médico razoavelmente competente pode explicar, é insensato e
contraproducente tratar apenas um sintoma e ignorar completamente a doença
subjacente.
As doenças
Comecemos
com os baixos salários. Eles são o
sintoma de uma doença. E a doença, no
caso, é a carga tributária elevada e a baixa produtividade da mão-de-obra. Produtividade depende de duas coisas:
capacidade técnica do trabalhador (ou seja, seu preparo e sua educação) e
quantidade de capital utilizada pela empresa.
Dado
que a educação não irá melhorar no curto prazo, a baixa produtividade poderia
ser contornada com um aumento da quantidade de bens de capital utilizada pela
empresa. Só que isso é travado pela carga tributária.
No
Brasil, as empresas têm de lidar não apenas com os encargos sociais e
trabalhistas que incidem sobre a folha de pagamento, como também com toda a
carga tributária que incide sobre a receita e sobre o lucro das empresas, o que
impede aumentos salariais, contratações a salários atraentes e, principalmente,
a acumulação de capital.
Por
exemplo, a alíquota máxima do IRPJ é de 15%. Porém, não bastasse o IRPJ,
há uma sobretaxa de 10% sobre o lucro que ultrapassa determinado valor; há
também a CSLL (Contribuição
Social Sobre o Lucro Líquido), cuja alíquota pode chegar a 32%; o PIS, cuja
alíquota chega a 1,65%; e a COFINS, cuja alíquota chega a 7,6%. PIS e
COFINS incidem sobre a receita bruta. Há também o ICMS, que varia de
estado para estado, mas cuja média é de 20%, e o ISS municipal.
É
impossível haver uma grande acumulação de capital desta forma. Lucro que
poderia ser reinvestido na compra de bens de capital modernos, que aumentariam
a produtividade dos trabalhadores -- e, consequentemente, seus salários -- é
confiscado pelo governo e desperdiçado no sustento da burocracia. A atividade
governamental é destruidora de capital e impede o enriquecimento de empresas e
trabalhadores.
Adicionalmente,
dentre os encargos sociais, há o INSS, o FGTS normal, o FGTS/Rescisão, o
PIS/PASEP, o salário-educação e o Sistema S. Dentre os encargos
trabalhistas temos 13º salário, adicional de remuneração, adicional de férias,
ausência remunerada, férias, licenças, repouso remunerado e feriado, rescisão
contratual, vale transporte, indenização por tempo de serviço e outros
benefícios.
Este
site mostra que, dependendo do caso, os encargos sociais e
trabalhistas podem chegar a quase 102% do salário, o que faz com que um salário
de R$ 678 gere um custo final total de R$ 1.369 para o empregador.
Outro
sintoma combatido é a desigualdade de renda.
Só que a doença que gera a desigualdade de renda é estimulada pelo
próprio governo: a inflação monetária e a expansão do crédito.
O
atual sistema monetário é formado por um sistema bancário que pratica reservas
fracionárias e por bancos centrais que protegem e dão sustentação a este
sistema, é quem gera diretamente a desigualdade de renda. O dinheiro é criado monopolisticamente pelo
Banco Central e é em seguida entregue ao sistema bancário. O sistema
bancário, por sua vez, por meio da prática das reservas fracionárias, se
encarrega de multiplicar este dinheiro (eletronicamente) por meio da expansão
do crédito. Falando mais diretamente, o dinheiro criado pelo Banco
Central é multiplicado pelo sistema bancário e entra na economia por meio do
endividamento de pessoas e empresas.
Essa
expansão monetária gerada pela expansão do crédito gera aumento de preços. Quando os preços aumentam em decorrência de
uma expansão da oferta monetária, os preços dos vários bens e serviços não
aumentam com a mesma intensidade, e também não aumentam ao mesmo tempo.
Mises explica os
efeitos:
A quantia adicional de dinheiro que entra na
economia não vai parar diretamente nos bolsos de todos os indivíduos;
e dentre os beneficiados que recebem primeiramente essa nova quantia, nem todos
recebem a mesma quantia e nem todos reagem da mesma forma à mesma quantia que
recebem. Aqueles primeiros beneficiados têm agora um efetivo em caixa
maior do que antes, o que os permite ofertar mais dinheiro no mercado em troca
dos bens e serviços que desejam adquirir.
Essa quantia adicional de dinheiro que eles
ofertam no mercado pressiona os preços e salários para cima. Mas não são
todos os preços e salários que sobem; apenas os desses setores que primeiro
receberam o novo dinheiro em troca de seus bens e serviços. E mesmo esses
preços e salários que subiram, não sobem no mesmo grau. Por exemplo, se o
dinheiro adicional for gasto com obras públicas, apenas os preços de algumas
mercadorias e apenas os salários de alguns tipos de trabalho irão subir, sendo
que os de outras áreas irão permanecer inalterados ou podem até mesmo cair
temporariamente.[...]
Assim, as mudanças nos preços em consequência
da inflação começam apenas com algumas mercadorias e serviços, e depois vão se
difundindo mais vagarosamente de um grupo para outro. Leva-se tempo até
que essa quantia adicional de dinheiro tenha perpassado toda a economia e
exaurido todas as possibilidades de mudanças de preço. Mas, mesmo ao
final do processo, os vários bens e serviços da economia não foram afetados no
mesmo grau. Esse processo de progressiva depreciação monetária alterou a
renda e a riqueza dos diferentes grupos sociais.[...]
Aqueles que estão vendendo mercadorias ou
serviços cujos preços são os primeiros a subir poderão, em decorrência desse
fenômeno, utilizar seus maiores proventos para adquirir o que quiserem a preços
que ainda não se alteraram. Esses são os indivíduos que tiveram um ganho
de riqueza. Por outro lado, aqueles que são os últimos a receber esse
novo dinheiro estarão vendendo mercadorias ou serviços a preços ainda
inalterados. Esses indivíduos ainda não obtiveram nenhum ganho de
renda. Contudo, esses mesmos indivíduos agora têm de comprar as outras
mercadorias e serviços a preços mais altos. Esses são os indivíduos que
perderam riqueza.
Ou seja: os primeiros a receber o novo
dinheiro obtiveram ganhos específicos; eles são os exploradores. Os
últimos a receber o novo dinheiro são os perdedores, os explorados, de cujos
bolsos saem os ganhos extras obtidos pelos exploradores. Enquanto durar o
processo de inflação, estará havendo uma alteração contínua na renda e na
riqueza dos indivíduos. Um grupo social ganha à custa de outros.
Quando todas as alterações de preços em decorrência da inflação estiverem
consumadas, pode-se dizer que ocorreu uma transferência de riqueza entre os
grupos sociais. Há agora no sistema econômico uma nova dispersão de
riqueza e renda.
Outro
sintoma combatido é o das empresas oligopolistas com serviços ruins e preços
altos. Só que a doença que gera esse
sintoma é o próprio governo por meio de suas regulamentações que restringem a
livre concorrência.
Em
teoria, agências reguladoras existem para proteger o consumidor. Na
prática, elas protegem as empresas dos consumidores. Por um lado, as
agências reguladoras estipulam preços e especificam os serviços que as empresas
reguladas devem ofertar. Por outro, elas protegem as empresas reguladas
ao restringir a entrada de novas empresas neste mercado.
No
final, agências reguladoras nada mais são do que um aparato burocrático que tem
a missão de cartelizar os setores regulados -- formados pelas empresas
favoritas do governo --, determinando quem pode e quem não pode entrar no
mercado, e especificando quais serviços as empresas escolhidas podem ou não
ofertar, impedindo desta maneira que haja qualquer "perigo" de livre
concorrência.
Quem cria cartéis, oligopólios e monopólios é e sempre foi o estado, seja por meio de regulamentações que
impõem barreiras à entrada da concorrência no mercado (via agências
reguladoras), seja por meio de subsídios a empresas favoritas,
seja por meio do protecionismo via obstrução de importações, seja por meio de altos tributos que impedem que novas empresas
surjam e cresçam. Apenas olhe ao seu
redor. Todos os cartéis, oligopólios e monopólios da atualidade se dão em
setores altamente regulados pelo governo (setor bancário, aéreo, telefônico,
elétrico, televisivo, postos de gasolina etc.).
No
que mais, uma empresa regulada pode encontrar várias maneiras de fazer as
regulações funcionarem em proveito próprio e contra os interesses dos
consumidores. Por exemplo, não é incomum
que grandes empresas façam lobby para criar regulamentações
complicadas e onerosas sobre seu próprio setor. Por que elas fazem
isso? Para dificultar uma potencial concorrência de empresas novas,
pequenas e com pouco capital.
Empresas
grandes e já estabelecidas têm mais capacidade e mais recursos para atender
regulações minuciosas e onerosas. Empresas pequenas, que querem entrar
naquele mercado mas que ainda não possuem muitos recursos financeiros, não têm
essa capacidade. Empresas grandes podem contratar lobistas (ou podem
simplesmente subornar políticos) para elaborar padrões de regulação que elas já
atendem ou que podem facilmente atender, mas que são impossíveis de serem
atendidos por empresas pequenas e recém-criadas.
E
podemos continuar a lista ad æternum.
Desemprego
é um sintoma causado por uma combinação de duas doenças: ciclos econômicos (que
por sua vez são gerados pela expansão do crédito) e
encargos sociais e trabalhistas, que fazem com que o custo do empregado fique
maior que a sua produtividade.
Desindustrialização
é um sintoma causado por outra combinação de duas doenças: inflação e carga
tributária (detalhes completos neste artigo).
Saúde estatal, educação estatal e segurança estatal ruins
são meros sintomas de uma doença grave: a impossibilidade de o próprio governo
prover esses serviços de
maneira eficiente.
No
cômputo final, a combinação de todos esses sintomas faz com que a economia
cresça muito abaixo de seu potencial. E
são esses sintomas que o governo, nas profundezas de sua ignorância, tenta
solucionar por meio da criação de políticas específicas para cada um
delas. Em vez de atacar diretamente as
doenças que causam os sintomas, ele prefere apenas tentar remediar os sintomas.
E se o governo não gerasse as doenças?
Se
todas essas doenças fossem aniquiladas, haveria mais empreendedorismo, mais
produção, mais poupança e, consequentemente, mais crescimento econômico. Com um crescimento econômico robusto haveria
mais demanda por mão-de-obra e, logo, maiores salários. Nesse cenário de intensa demanda por
mão-de-obra, trabalhadores teriam mais poder de barganha, o que tornaria as
leis trabalhistas e os encargos sociais e trabalhistas desnecessários.
Com
menos desemprego e maiores salários, a demanda por bens e serviços seria
crescente. Ato contínuo, empregadores
teriam de fazer o maior uso possível da mão-de-obra disponível para satisfazer
essa crescente demanda. Sendo assim,
eles não poderiam se dar ao luxo de selecionar empregados apenas com base em diplomas. Consequentemente, a demanda
por cursos universitários seria menor, o que resultaria em preços menores e em
qualidade maior (já que agora os universitários seriam bem mais seletos e
exigentes).
Ao
mesmo tempo, trabalhadores poderiam dispor de mais horas de lazer por causa de
seus maiores salários, e isso lhes permitiria aprimorar sua própria educação,
seja cursando universidade ou estudando autonomamente. Os pais se tornariam mais cultos, o que resultaria
em crianças mais educadas e preparadas -- e isso sem falar na maior capacidade dos
pais de pagar uma escola de melhor qualidade para seus filhos.
Com
mais educação, menor carga de trabalho e mais dinheiro, haveria mais saúde. Alimentos de melhor qualidade poderiam ser
comprados e consumidos, haveria mais tempo disponível para atividades físicas, e
mais precauções poderiam ser tomadas contra doenças. A redução na demanda por médicos resultaria em
queda nos preços, e o fato de que mais pessoas teriam tempo e dinheiro para
estudar medicina faria com que a concorrência nessa área fosse mais intensa,
gerando melhores serviços.
Parece
um tanto utópico, mas um crescimento econômico genuíno (e não artificial),
contínuo e robusto realmente é um fenômeno que melhora o padrão de vida de
todos. Só que, em vez de permitir esse
crescimento, o governo cria doenças e em seguida tenta remediar os sintomas,
mantendo a doença inatacada.
Conclusão
O
que o governo deve fazer? Primeiro, sair
da frente. Segundo, abolir suas leis e
regulamentações. Terceiro, mais
nada. É realmente simples. Se o governo permitir que indivíduos sejam
livres pare empreender e lucrar, eles contratarão o máximo de mão-de-obra
possível. Se o governo parar de erigir
barreiras que impedem indivíduos de ganhar dinheiro, eles irão ganhar
dinheiro. Se o governo deixar as pessoas
em paz, elas cooperarão, empreenderão e criarão grandes coisas.
O
arranjo econômico em que vivemos, com todas as intervenções governamentais que
ele sofre, é como um paciente neurótico que está completamente grogue em
decorrência de todos os antidepressivos, sedativos e antipsicóticos que lhe
foram ministrados. O paciente está tão
derrubado, que a verdadeira causa de seus problemas deixou de ser uma
preocupação para os médicos. Tudo o que
interesse é mitigar os sintomas com paliativos.
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Participaram deste artigo:
Leandro
Roque, editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.
Logan
Albright, escritor e economista.
Andreas
Marquart, diretor-executivo do Instituto
Ludwig von Mises da Alemanha, é consultor financeiro independente há mais
de 15 anos e defensor da Escola Austríaca de economia.