É fato que vivemos na Era
das Estatísticas. Em uma época obcecada
por números e que venera dados estatísticos como sendo algo extremamente "científico",
algo capaz de nos fornecer a chave para o segredo de todo o conhecimento, uma
vasta gama de dados de todos os tipos, formatos e tamanhos nos é despejada
diariamente. E estes dados provêm
majoritariamente de agências do governo.
Embora agências privadas
e associações comerciais de fato colham e publiquem algumas estatísticas, elas
se limitam a mensurar apenas aquelas variáveis específicas demandadas por
indústrias específicas. A grande maioria
das estatísticas é coletada e disseminada pelo governo. A principal estatística da economia, o popular
"produto interno bruto" -- que permite que todo e qualquer economista se
transforme em um adivinho das condições empreendedoriais --, é publicada pelo
governo.
Além do mais, muitas
estatísticas são subproduto de outras atividades governamentais: da Receita
Federal advêm dados não apenas dos impostos mas também do patrimônio de pessoas
e empresas que pagam esses impostos; do Ministério do Trabalho e da Previdência
Social advêm estimativas da criação de empregos e do número de desempregados;
da Alfândega advêm dados sobre o comércio exterior; do Banco Central advêm
dados sobre o sistema bancário, e assim por diante. E à medida que novas técnicas estatísticas
vão sendo desenvolvidas, novas ramificações da burocracia estatal vão sendo
criadas para utilizar e aplicar essas estatísticas.
O inchaço das
estatísticas governamentais impõe vários malefícios óbvios para o
libertário. Em primeiro lugar, o governo
tem de recrutar um verdadeiro exército de civis para fazer o trabalho da coleta
de dados e da análise dos números. Isso
significa que uma quantidade enorme de esforços e recursos é retirada do setor
produtivo (o setor privado) e desviada para o setor improdutivo (setor público)
apenas para fazer a coleta e a subsequente produção de estatísticas. Em um genuíno livre mercado, no qual a função
do governo é mínima, a quantidade de mão-de-obra, de capital e de terra
dedicada à coleta de estatísticas iria definhar para apenas uma pequena fração
do total atual. O tanto que o governo
gasta apenas para coletar estatísticas, bem como o total de burocratas que ele
emprega para tal serviço, ainda tem de ser estimado e divulgado.
Os custos ocultos do envio de informações
Em segundo lugar, a
esmagadora maioria dos dados é coletada por meio da coerção estatal. Isso não apenas significa que tais dados são produto
de atividades contraproducentes e indesejáveis, como também significa que o
verdadeiro custo destas estatísticas para a população é muito maior do que a
mera quantidade de impostos utilizada pelo governo para financiar esta
atividade. Tanto as empresas privadas
quanto os cidadãos têm de arcar com os onerosos custos de registrar todas as informações
e arquivar todos os milhares de papeis e recibos que estas estatísticas
exigem. E não apenas isso: estes custos
fixos impõem um fardo relativamente maior sobre as micro e pequenas empresas,
que não estão equipadas para lidar com esta montanha de formalidades
burocráticas -- e nem podem se dar ao luxo de gastar muito dinheiro com
isso.
Uma empresa comum tem de
desviar tempo, dinheiro e capital humano para compilar todas as estatísticas
que o governo e seus múltiplos ministérios e agências exigem. Vários empregados das empresas privadas se
ocupam exclusivamente da coleta e do relato destas estatísticas exigidas pelo
governo. Para pequenas empresas, isso é
especialmente oneroso. Não são incomuns
casos em que as pessoas que lidam com o governo têm de manter vários conjuntos
de livros de registro apenas para atender aos diversos e desiguais
requerimentos das agências e ministérios do governo.
Portanto, estas
aparentemente inocentes estatísticas, que são geradas pela coleta compulsória
de dados das empresas, afetam sensivelmente o mercado, pois aumentam os custos
das pequenas empresas e reduzem sua capacidade de investimento e expansão, algo
que é bem visto pelas grandes empresas, que com isso sofrem menos risco de
concorrência. A burocracia enrijece todo
o sistema econômico e protege os grandes contra eventuais investidas dos
pequenos.
Outras objeções
Mas há outros motivos
importantes, e não tão óbvios, para o libertário encarar as estatísticas
governamentais com desalento e temor. Não apenas a coleta e a produção de
estatísticas vão muito além da clássica função governamental de defender o
indivíduo e a propriedade privada; não apenas recursos econômicos escassos são
desperdiçados e mal alocados; não apenas os pagadores de impostos, as
indústrias, as pequenas empresas e os consumidores são onerados e
sobrecarregados. Há ainda algo pior: as
estatísticas coletadas pelo governo são, em um sentido crucial, essenciais para
todas as atividades intervencionistas e de cunho socialista do governo.
O cidadão comum, enquanto
consumidor, não possui nenhuma necessidade de utilizar estatísticas em sua
rotina. Por meio da publicidade, das
informações fornecidas por amigos, e de sua própria experiência, ele é capaz de
descobrir o que está acontecendo nos mercados à sua volta. O mesmo é válido para uma empresa. O empreendedor tem de saber mensurar e
satisfazer as condições do mercado em que ele atua, determinar os preços que
ele tem de pagar por aquilo que ele compra e de cobrar por aquilo que ele
vende, incorrer em contabilidade de custos para estimar seus gastos e por aí
vai. Porém, nenhuma destas atividades
depende realmente daquela mixórdia de dados estatísticos sobre a economia
ingerida e regurgitada pelo governo. O
empreendedor, assim como o consumidor, conhece e aprende os detalhes de seu
mercado por meio de suas experiências diárias.
Um substituto para os dados do mercado
Já os burocratas, assim
como todos os pretensos reformadores estatistas, vivem em uma realidade
completamente distinta. Eles
decididamente vivem fora do mercado.
Consequentemente, para se inteirar da situação que estão tentando
planejar e reformar, eles têm de obter um conhecimento que não é pessoal, que
não advém da experiência diária. E o
único formato que tal conhecimento pode adquirir é o formato estatístico.
As estatísticas são os
olhos e os ouvidos do burocrata, do político, do reformador socialista. É somente por meio da estatística que eles
podem saber, ou ao menos ter uma vaga ideia, do que está acontecendo na
economia.
É somente por meio da
estatística que eles podem descobrir quantos idosos apresentam raquitismo,
quantos jovens têm cáries, quantos pobres precisam de mais repasses do governo,
e quantos empresários precisam de mais subsídios estatais. Desta forma, é somente por meio da
estatística que estes intervencionistas descobrem quem "necessita" do quê ao
longo de toda a economia, e quanto de dinheiro federal deve ser canalizado em
qual direção.
O plano-mestre
Certamente, somente pelas
estatísticas pode o governo federal fazer qualquer tentativa, por mais
espasmódica que seja, de planejar, regular, controlar e reformar várias
indústrias -- ou, em última instância, de impor o planejamento central e a
socialização de todo o sistema econômico.
Por exemplo, se o governo não recebesse nenhuma estatística sobre o
funcionamento das companhias aéreas, como ele iria sequer pensar em regular as
tarifas e as finanças das empresas? Se o
governo não recebesse dados sobre a situação das indústrias, como ele iria
especificar tarifas protecionistas? Sem
a estatística, como o governo iria regular rigidamente o mercado de
telefonia? Principalmente: sem as
estatísticas, como o governo iria manipular as taxas de juros? Como o governo iria impor controles de preços
se ele não soubesse sequer quais bens estão sendo vendidos no mercado e a que
preços?
As estatísticas,
repetindo, são os olhos e os ouvidos dos intervencionistas: do intelectual
reformista, do político, do burocrata do governo. Arranque estes olhos e ouvidos, destrua estas
diretrizes de conhecimento, e toda a ameaça de qualquer tipo de intervenção
estatal será quase que completamente eliminada.
Obviamente, é verdade que
mesmo privado de todo o conhecimento estatístico da situação do país, o governo
ainda assim poderia tentar intervir, tributar, subsidiar, regular e
controlar. Ele poderia tentar subsidiar
os pobres e os idosos mesmo sem ter a mais mínima ideia de quantos deles
existem e de onde eles estão; ele poderia tentar regular uma indústria sem nem
mesmo saber quantas empresas existem e quais são suas características básicas;
ele poderia tentar controlar os ciclos econômicos sem nem mesmo saber se os
preços e a atividade empreendedorial estão em ascensão ou em queda.
Ele poderia tentar, mas não iria muito longe. O caos seria óbvio, patente e evidente demais
até mesmo para os padrões burocráticos, e mais ainda para os cidadãos.
E isso pode ser comprovado
pelo fato de que um dos principais argumentos em prol da intervenção estatal é
que o governo "corrige" o mercado, e torna o mercado e toda a economia mais "racional". Obviamente, se o governo fosse privado de
tudo o que se passa na seara econômica, simplesmente não poderia haver nem
mesmo uma pretensa racionalidade na intervenção estatal.
Seguramente, a ausência
de estatísticas recolhidas pelo estado iria, de maneira absoluta e imediata,
destruir toda e qualquer tentativa de planejamento de cunho de socialista. É difícil imaginar, por exemplo, o que os
planejadores centrais do Kremlin poderiam fazer para planejar e controlar a
vida dos cidadãos soviéticos se eles fossem privados de todas as informações,
de todos os dados estatísticos, sobre estes cidadãos. O governo não saberia nem para quem dar
ordens, muito menos como tentar planejar uma intrincada economia.
Portanto, dentre todas as
várias medidas que já foram propostas ao longo dos anos para tentar restringir
e limitar o governo, ou para revogar suas desastrosas intervenções, a simples e
nada espalhafatosa abolição das estatísticas do governo provavelmente seria a
mais completa e eficaz delas. A
estatística, tão vital para o estatismo -- seu homônimo --, também é o
calcanhar da Aquiles do estado.