É
até possível que haja alguns políticos e burocratas que tenham conhecimento de
alguns inexoráveis princípios econômicos, mas é fato que a maioria se deixa
guiar apenas por aquela mística sensação gerada pelo poder político. Eles legislam e regulam qualquer atividade ou
fenômeno econômico que chame sua atenção.
A taxa de juros, que é o preço dos empréstimos, é um dos principais
exemplos desta concupiscência pelo poder.
Desde
o surgimento da história documentada, a taxa de juros tem sido o objeto que os
políticos mais desejam controlar. Na
Grécia antiga, os estadista e legislador ateniense Sólon proibiu a cobrança de
juros em alguns mercados. Os judeus
antigos, a Igreja Cristã, e o Islamismo chamavam este fenômeno de usura e
proibiram sua prática entre seus congregados.
Quando a proibição finalmente foi revogada nos países ocidentais, as
taxas de juros passaram a ser rigidamente fixadas ou estreitamente limitadas
pelos governos ou por seus bancos centrais.
Os juros raramente foram deixados a cargo da livre interação das forças
do mercado.
Em
uma economia livre, na qual não houvesse uma agência governamental com a função
de manipular os juros, estes teriam uma função similar àquela desempenhada
pelos preços e pelos salários. Juros,
preços e salários surgem naturalmente das escolhas e dos juízos de valor feitos
pelas pessoas. E suas escolhas e juízos
de valor dão origem ao fenômeno da "oferta e demanda", que é o que guiará os
produtores em suas decisões sobre a amplitude do investimento que devem fazer e
o tipo de atividade econômica a que devem se dedicar. A taxa de juros informa aos empreendedores a
quantidade de recursos escassos disponíveis para serem investidos (ou seja, o
capital), além de como eles devem utilizar este capital limitado ao longo do
tempo -- se ele deve utilizá-lo na produção para bens de consumo presentes ou
se ele deve investi-lo para satisfazer aqueles desejos que os consumidores
manifestarão mais no futuro. A função
básica da taxa de juros, portanto, é guiar as decisões empreendedoriais.
A
taxa de juros de mercado é uma taxa bruta
normalmente formada por três componentes distintos: a taxa pura, a taxa de inflação, e o prêmio de risco em decorrência da
chance de o empréstimo não ser pago.
A
taxa pura advém da simples realidade
de que o homem é um ser mortal, o que o obriga a acrescentar o fator tempo em
todos os fenômenos econômicos por ele vivenciados. Sendo assim, o homem atribui um valor menor
para bens futuros em relação ao presente.
Em outras palavras, tudo o mais constante, o homem prefere ter um bem
hoje a ter este mesmo bem em uma data futura.
Logo, ele valora um bem presente de maneira mais alta do que este mesmo
bem no futuro. Ou, o que dá no mesmo,
para abrir mão de um bem presente em troca de tê-lo de volta apenas no futuro,
ele irá cobrar algo por isso.
Já
o componente inflacionário surge
sempre que Banco Central inflaciona e deprecia a moeda. A taxa de depreciação da moeda -- mais
especificamente, o quanto o emprestador imagina que a moeda será depreciada
durante seu empréstimo -- determina o tamanho deste componente.
Por
fim, o prêmio de risco reflete a
confiabilidade e a solvência do devedor.
O
Banco Central, que legalmente possui a responsabilidade de manter as condições
monetárias e creditícias favoráveis a uma economia robusta, raramente presta
atenção à taxa de juros de mercado. Suas
políticas são guiadas por doutrinas populistas que clamam pelo contínuo
estímulo ao emprego e à renda. O Banco Central
é alheio ao fato de que todas as taxas que não sejam determinadas pelo mercado
fornecem sinais errôneos aos produtores e consumidores. Elas estimulam investimentos errôneos e
insustentáveis, que geram desperdício de capital e subsequente empobrecimento.
Quando
o Banco Central estipula uma taxa de juros menor
do que as taxas de mercado, ele está estimulando o aumento da demanda por
crédito. Empreendedores tomam
empréstimos para investir em projetos de mais longo prazo (quanto menores os
juros, mais rentáveis
passam a ser os projetos de longo prazo).
Ao mesmo tempo, os consumidores também se aproveitam dos juros baixos
para se endividar e aumentar seu nível de consumo. A expansão do crédito aumenta
aceleradamente. Esta maior demanda tanto
por bens de consumo da parte dos consumidores quanto por bens de capital da
parte dos empreendedores gera três efeitos: a taxa de desemprego cai, os
salários aumentam e os preços sobem.
Esta
expansão do crédito, que ocorreu por meio da simples criação de dinheiro do
nada (tanto pelo Banco Central quanto pelo sistema bancário de reservas
fracionárias) e que ocorreu sem que houvesse nenhum aumento na poupança, gera
ganhos monetários ilusórios. Como a
quantidade de dinheiro na economia cresce a taxas altas, as pessoas passam a
ganhar dinheiro com mais facilidades.
Elas genuinamente creem que estão vivendo um momento de prosperidade
perene. Elas genuinamente creem que
estão mais ricas do que realmente são.
Durante este período de expansão do crédito, os preços das ações e dos
imóveis disparam, o que atrai vários especuladores para este mercado em busca
de ganhos fáceis. As construções e as
reformas de imóveis viram febre. Quem
está no setor aufere ganhos invejáveis.
No entanto, todos os indivíduos, empreendedores e investidores,
executivos e trabalhadores, estão apenas consumindo seu capital.
Em
um dado momento, em decorrência de toda essa expansão creditícia e monetária,
preços e salários começam a apresentar uma aceleração mais forte. Ato contínuo, o Banco Central eleva os juros
para conter esta escalada de preços. Os
bancos restringem seus empréstimos. A
quantidade de dinheiro na economia passa então a crescer a taxas menores. Com empresas e indivíduos endividados, preços
em alta, e uma menor quantidade de dinheiro entrando na economia, gastos e
investimentos são reduzidos. Empreendimentos vultosos descobrem que não têm
aquela demanda que inicialmente havia sido imaginada. Vários são liquidados. Alguns
imóveis ficam inacabados. Recursos
escassos -- como matérias-primas e materiais de construção -- foram
desperdiçados. Houve uma destruição de
capital. A economia está mais pobre.
Neste
momento, o Banco Central pode tentar reativar a economia reduzindo novamente a
taxa básica de juros, na esperança de reestimular a atividade econômica. No entanto, dependendo da intensidade com que
se deu a expansão econômica anterior, esta medida será inócua.
A
redução da taxa básica de juros durante uma recessão tende a ter seu efeito
expansionista frustrado pela incerteza econômica. A incerteza desencoraja novos
endividamentos. O temor quanto à duração
da recessão pode até mesmo induzir os devedores a reduzir suas dívidas, o que
reduzirá o volume de gastos na economia, levando a menores receita para as
empresas, dificultando ainda mais sua situação.
Adicionalmente,
em um ambiente de adversidade e incerteza, os credores tendem a elevar os juros cobrados com o intuito de compensar o maior risco agora vigente
neste cenário. Enquanto o Banco Central
se esforça para reduzir a taxa básica de juros, o mercado pode se opor adotando
medidas contrárias, mitigando seus efeitos.
No
que mais, uma redução da taxa básica de juros afeta muito pouco os juros
cobrados pelos bancos para a concessão de empréstimos. A taxa básica de juros controlada pelo Banco
Central é uma taxa de curto prazo e os empréstimos bancários tendem a ser de
longo prazo. As expectativas do mercado
quanto à inflação futura -- as quais podem aumentar em decorrência da postura
mais agressiva do Banco Central -- constituem um importante componente da
formação dos juros cobrados pelos bancos em seus empréstimos. Em épocas inflacionárias, essas expectativas
tendem a frustrar as políticas do Banco Central.
Portanto,
por mais que o Banco Central tente reativar a economia reduzindo a taxa básica
de juros, o mercado pode reagir de maneira oposta, contrariando a intenção dos
burocratas. Com empresas e indivíduos
endividados e gastando menos, e com um grande volume de capital tendo sido
imobilizado em empreendimentos infrutíferos, os prejuízos forçam as empresas a
finalmente se reajustarem às novas condições do mercado. É impossível evitar o reajuste.
Uma
expansão creditícia inevitavelmente leva a uma recessão. E uma recessão nada mais é do que o período
em que o mercado se reajusta, liquidando os investimentos errôneos que foram
feitos na época da expansão econômica artificial. Enquanto alguns investimentos são liquidados,
outros apenas têm seu valor reduzido.
Mas, no final, houve empobrecimento, uma vez que recursos escassos foram
desperdiçados em investimentos insustentáveis, para os quais não havia demanda. (Investidores sagazes podem reconhecer os
reajustes que estão ocorrendo durante o período da expansão e enriquecer quando
chegar a recessão, mas, no geral, a farra do consumo e os investimentos errados
reduzirão a riqueza da sociedade).
Uma
recessão, em vez de ser evitada, deve ser abraçada, pois é ela quem corrigirá
os excessos do boom anterior. O mercado
só se reajustará quando os juros puderem ir livremente para seu real valor de
mercado, e preços e salários puderem cair para seus valores reais (e não os
artificiais estimulados pela expansão do crédito).
Não
existem milagres na economia. Não é
possível enriquecer toda uma sociedade pela simples manipulação dos juros e
pela simples criação de dinheiro. A
realidade, cedo ou tarde, sempre irá se impor.
E, quando isso ocorrer, políticos e funcionários do Banco Central serão
relembrados de que manipular os juros não gera crescimento econômico.
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Veja nossos artigos sobre a economia brasileira,
sobre a recessão
europeia e sobre a crise financeira americana.