sexta-feira, 14 0aio 2010
Ao
lidarmos com a alegação de que alguma doutrina antiestado (por exemplo, o
anarcocapitalismo) seria perigosa na prática — por causa de seu caráter
radical —, é válido apontar o patente radicalismo presente em todas as
doutrinas que defendam a existência de um estado.
Entretanto,
apenas isso não basta. Sugerir que o
radicalismo per se não é o problema de qualquer doutrina socioeconômica é
uma
postura válida, porém insuficiente. O
que é ainda mais válido é enfatizar que qualquer teoria que defenda a
existência de um estado não é apenas radical; é também radicalmente
incoerente. Essa é uma descrição
bastante adequada para teorias que dizem que:
1.
A única maneira eficaz de se proteger contra a violência, agressão e
coerção de terceiros é ajudando a instituir e a sustentar eternamente um
vasto aparato
que detém o monopólio da violência, da agressão e da coerção institucionalizada.
2.
A única maneira eficaz de se proteger os direitos de propriedade é
ajudando
a instituir e a sustentar eternamente uma entidade coerciva cujos
representantes não apenas não são donos de nenhum dos ativos dessa
entidade,
como também se arrogam a si próprios o direito de
expropriar qualquer proprietário de qualquer propriedade, para
propósitos cuja
utilidade cabe apenas a eles avaliar.
3.
A economia de livre mercado — cujos participantes, com o intuito de
prosperar, têm de ofertar uns aos outros bens e serviços produtivos,
assim como
têm de sofrer todas as responsabilidades financeiras decorrentes de
potenciais
fracassos de suas ações — pode sobreviver apenas quando submetida à
regulação
intensa de um grupo monopolístico formado exclusivamente por pessoas que
nada
produzem, e que podem sempre jogar os custos de seus fracassos sobre os
ombros
dos produtores.
4.
A coerção do estado é necessária para fazer cumprir os contratos. Entretanto, o pretenso "contrato social",
aquele que supostamente estabeleceu o estado, curiosamente não precisa de
nenhum meta-estado para impô-lo, o que significa que ele na verdade é uma
anomalia que se auto-impõe e se faz cumprir.
5.
Os gerentes de qualquer aparato monopolista da compulsão e da agressão
são dotados de motivações exclusivamente altruístas. Entretanto, se estas mesmas pessoas parassem
de utilizar métodos coercivos (atividade política) e se dedicassem a métodos
voluntários (atividade de mercado), seu altruísmo seria imediatamente
suplantado pelo egoísmo vil e ganancioso.
6.
Os estados, instituições responsáveis por mais de 200 milhões de mortes
cruéis apenas no século XX, supostamente servem para nos oferecer proteção
contra "criminosos privados" — os quais, mesmo em sua mais organizada forma de
redes mafiosas internacionais, nunca lograram sequer chegar perto da mais
ínfima fração do número de mortes causadas pelos estados.
7.
O estado de anarquia entre os indivíduos — sendo que cada um deles
pode, em termos gerais, financiar suas atividades apenas com seu próprio bolso
— iria levar a uma intolerável escalada da violência e da carnificina, mas o
estado de anarquia entre os estados — sendo que cada um deles pode impor os custos
de suas atividades (inclusive belicistas) sobre todos os seus súditos — é um
arranjo tolerável e relativamente pacífico.
8.
A ausência de um fiscal externo e monopolista que impinge a execução de
acordos entre indivíduos iria levar a infindáveis conflitos, porém a ausência
desse mesmo fiscal externo e monopolista em relação a vários órgãos do estado
não os impede de cooperar eficazmente e até mesmo benevolentemente.
9.
Conceder a tarefa de zelar pela justiça a uma entidade que é ao mesmo
tempo monopolista e coerciva não irá fazer com que ela continuamente perverta a
justiça a seu favor.
10.
A noção de um sistema de pesos e contrapesos, pelo qual os governantes
controlam os governados e os governados controlam os governantes não viola o
princípio da navalha de
Occam, similar à visão na qual um único grupo de indivíduos autogovernantes
mantém-se perfeitamente em equilíbrio pacífico.
11.
Os governados são sábios o bastante para escolher seus governantes, mas
não para escolher como utilizar seu próprio dinheiro.
12.
Dois viajantes que se trombarem no meio de uma floresta desabitada não
irão imediatamente se atracar e se esganar apenas porque temem serem punidos
pelo estado.
13.
Uma instituição que violentamente impõe seus serviços de proteção sobre
as pessoas, determina unilateralmente seu preço e exclui toda a concorrência
nessa área, não irá tentar criar conflitos para se beneficiar deles, e tampouco
irá deixá-los evoluir ao invés de pacificá-los ou mesmo impedi-los de ocorrer.
14. A
expropriação compulsória da propriedade privada de um indivíduo não deve ser
considerada uma violação de um direito (considerando-se que haja uma "devida
compensação monetária" determinada unilateralmente), porém a recusa de abdicar
de uma parcela da riqueza que o indivíduo criou independentemente ou adquiriu
contratualmente é uma violação direta, justa e clara de vários direitos.
15.
Os direitos políticos precedem os direitos de propriedade, o que
presumivelmente significa que o contrato social supostamente original foi
concluído por uma fogueira em uma caverna e escrito na parede da caverna —
caso contrário, estar-se-ia dizendo que as condições do mundo pré-contrato,
misteriosamente e sem qualquer distribuição de propriedade, permitiram a
criação do capital necessário para (pelo menos) abrigar os indivíduos que
assinaram o contrato e fornecer-lhes tinta e papel.
16.
Ter uma clientela suficientemente grande transforma aquilo que
normalmente seria considerado um roubo em larga escala em algo que é comumente
aceito como sendo parte de um serviço social necessário.
17.
Um grupo relativamente pequeno de pessoas é capaz de possuir mais
conhecimento e tomar decisões mais informadas e embasadas no que tange o
gerenciamento de atividades de qualquer sociedade do que todo o resto da
sociedade em questão.
18.
A noção de igualdade perante a lei abre espaço para privilégios
funcionais.
19. O respeito incondicional pelo princípio da não
agressão é "absolutista", mas o respeito incondicional pelas leis criadas pelo
estado não é.
20.
A prevalência do estatismo indica a vantagem desse sistema sobre os
outros — como se o mesmo não pudesse ter sido dito sobre a astrologia, a
escravidão, a perseguição ou difamação de uma pessoa ou de um grupo de pessoas,
e a discriminação racial legal.
21.
Cada uma das afirmações acima é solidamente justificada, tanto teórica
quanto empiricamente, ao passo que a negação de qualquer uma delas está
fundamentalmente além dos limites da integridade e da moralidade de qualquer
discussão sensata.
Tendo
enumerado esses (ou outros) argumentos, vale a pena confrontar o estatista com
a tarefa de defender a supostamente moderada natureza da doutrina que ele
defende. E mesmo que ele aguente a dor
de confessar e reconhecer o radicalismo do estatismo, deve-se resolutamente
confrontá-lo com outra tarefa igualmente difícil — a de defender a suposta
coerência do estatismo. Se ele admitir
derrota nessa tarefa também, não devemos ficar intelectualmente surpresos, mas
ao menos poderemos nos sentir taticamente satisfeitos.