segunda-feira, 19 abr 2010
"Parodiando
aquele célebre intelectual residente no Palácio do Planalto", disparou o
professor Ubiratan Iorio, "nunca antes na história desse país houve um evento
tão libertário quanto este".
O professor se referia ao primeiro seminário de economia austríaca, realizado
pelo IMB em Porto Alegre nos dias 11 e 12, evento esse que contou com vários
patrocinadores, entre eles o Standard
Bank e o Instituto Ling. Porém, quando consideramos que logo após o
seminário deu-se início ao Fórum da Liberdade, que durou do dia 12 ao dia 13,
temos aí três dias libertários completamente inauditos na história do Brasil.
A seguir,
um resumo dos eventos.
I Seminário de Economia Austríaca
Tudo
começou no domingo, dia 11, com a palestra de Joe Salerno sobre
quem foram Mises e Rothbard. Além de
relatar o histórico de ambos, bem como as principais ideias da Escola
Austríaca, Salerno abordou as dificuldades enfrentadas por Mises e Rothbard no
ambiente acadêmico americano, todo ele voltado para as teorias keynesianas
pró-governo.
Um
ambiente que esposava ideias vazias e errôneas como "déficits são bons para a
economia", "inflação monetária é um grande estímulo econômico", "gastos
governamentais são ótimos para se tirar a economia de uma recessão" - ideias
essas que são justamente aquilo que todo governante que ouvir - não estava
preparado para ouvir verdades como "déficits são ruins para a economia, pois
consomem a poupança necessária para financiar investimentos genuínos",
"inflação monetária, além de criar ciclos econômicos, é um mecanismo insidioso
de redistribuição de renda, dos pobres para os ricos" e "gastos governamentais
servem apenas para confiscar recursos do setor privado, prolongando as
recessões". Consequentemente, ambos os
economistas, justamente por não estarem atrás do aplauso fácil, foram
marginalizados por toda a sua vida acadêmica.
A
insistência de ambos em defender a verdade acima de tudo, mesmo tendo contra si
todo o establishment político e todo o aparato acadêmico, é uma grande lição
não só de coragem, mas também de vida para todos nós, com o perdão do clichê.
Rodrigo
Constantino e Antony Mueller foram os
palestrantes seguintes. Constantino
citou dados da economia brasileira, mostrando que a dívida interna bruta
atingiu níveis alarmantes, os quais, entretanto, são pouco divulgados, uma vez
que o governo recorreu ao fraudulento artifício de utilizar o BNDES para
mascarar esse aumento. (O Tesouro se
endivida, empresta esse dinheiro ao BNDES, que por sua vez o repassa - a juros
camaradas - às grandes empresas com boas conexões com o governo. No final do processo, esse trambique é
classificada como "investimento", e a dívida líquida não se altera. A coisa é tão bonita e profissional, que o
BNDES aplicou R$ 100 milhões no frigorífico Independência, três meses antes
desta empresa familiar quebrar. Você,
contribuinte, pagou por tudo).
Dentre
outros dados, Constantino também mostrou a recente expansão da oferta monetária
e o preocupante progresso da concessão de crédito facilitado para a compra de
imóveis, algo que deixou os americanos - já familiarizados com esse processo,
que foi o causador da bolha imobiliária americana - boquiabertos.
Já o
professor Antony apresentou a perspectiva austríaca da atual crise mundial,
discorrendo em detalhes sobre o funcionamento da estrutura do capital de uma
economia - um insight desenvolvido unicamente pela Escola Austríaca, dentre
todas as escolas de pensamento econômico existentes.
Mark Thornton
palestrou em seguida, oferecendo um relato completo sobre toda a mecânica dos
ciclos econômicos, fenômeno esse que, junto com a estrutura do capital de uma
economia, apenas a Escola Austríaca explica com acuidade. Os mais iniciados consideraram essa a melhor
palestra de todo o seminário.
Na sessão
de perguntas, surgiu aquela inevitável: "Ora, já que os austríacos são tão bons
em prever e explicar ciclos econômicos, por que não estão ricos?" Uma resposta que poderia ser dada a essa
pergunta é que os principais austríacos do mercado financeiro de fato estão
ricos. Jim
Rogers, lenda viva, é o exemplo
mais notável. Peter
Schiff e Marc
Faber são outros que ganharam
dinheiro dessa forma. Porém, uma
resposta bem mais completa a essa pergunta pode ser encontrada neste artigo: "Já que você é tão
esperto, por que não está rico?"
O próximo
palestrante foi Patri Friedman, filho
de David Friedman e neto de Milton Friedman.
Patri, que não é austríaco, começou sua exposição mostrando que a
democracia é um sistema que, justamente por permitir privilégios aos mais
poderosos - isto é, para aqueles que têm conexões com regime e que podem votar
-, não permitirá num prazo humanamente suportável que os defensores da
liberdade cheguem ao poder. Sendo assim,
ele apresentou seu projeto de seasteading, a
construção de plataformas marítimas nas quais as pessoas viveriam longe de
qualquer intromissão governamental.
Embora
bastante esquisita a princípio, sua proposta nem de longe tem a intenção de
mudar o mundo ou de recriar a humanidade (intenção típica dos vilões dos filmes
de James Bond): sua ideia é apenas criar pequenos focos de resistência,
possibilitando ao indivíduo viver uma vida livre, sem ter de entregar à força
os frutos de seu trabalho para aquela "gangue de ladrões em larga escala"
(Murray Rothbard) chamada governo.
O
palestrante seguinte foi o heroico Cleber Nunes, um pai de dois filhos (Davi
e Jonatas, hoje com 16 e 17 anos) que desafiou o estado e resolveu educar
seus filhos por conta própria, retirando-os do sistema de ensino estatal -
mesmo as escolas particulares são obrigadas a seguir os currículos do
Ministério da Educação - e educando-os em casa, método conhecido como Homeschooling.
Em
decorrência dessa afronta ao estado - que repentinamente viu-se sem o monopólio
da doutrinação -, os burocratas passaram a aterrorizar a família de Cleber de
todas as maneiras, chegando inclusive a invadir sua casa, aos berros,
ameaçando-o de prisão. A ordem era que
ele reconhecesse que seus filhos na verdade pertencem a estado, e que qualquer
tentativa de negar a essa horda de parasitas a propriedade sobre os filhos
alheios configura crime hediondo.
Atualmente,
Cleber está sendo condenado pelo "crime" de abandono intelectual - embora
"abandono intelectual", a nosso ver, seja exatamente obrigar seus filhos a irem
à escola para ouvir o que o estado tem a lhes dizer. Os magistrados (funcionários do estado,
obviamente) lhe aplicaram uma multa de 6 mil reais, a qual, caso não seja paga,
levará Cleber direto para a cadeia. Isso
é o que chamam de "estado democrático e de direito".
O momento
mais emocionante da palestra foi quando Cleber, voz firme e incisiva, declarou:
"Não vou pagar um centavo!". Helio
Beltrão, presidente do IMB e fã confesso de Cleber, cumprimentou-o emocionado
após o discurso.
O fato de
que um homem possa ir para a cadeia simplesmente porque percebeu que o sistema
estatal de ensino é uma tragédia, e, consequentemente, decidiu que é a família,
e não o estado, quem sabe o que é melhor para a educação de seus dois filhos,
mostra bem o descalabro em que vivemos. E o pior é vivermos em uma sociedade que
aceita passivamente este tipo de totalitarismo, sem esboçar qualquer reação em
contrário.
O
palestrante seguinte foi David Friedman, o
anarcocapitalista não austríaco filho de Milton Friedman. David, em uma abordagem que em praticamente
nada se difere daquela defendida por Murray Rothbard ou por Robert Murphy em
sua Teoria do Caos, falou
sobre a superioridade, em termos de eficiência, de um sistema privado de
leis.
A mídia
(leia a entrevista que ele
concedeu ao Zero Hora) obviamente o chamou de extremista. Para nós do IMB, entretanto, extremismo é
exatamente esse estatismo em que vivemos, no qual um homem pode ir para a cadeia
simplesmente por querer educar seus filhos em casa. Como bem colocou o empresário e
vice-presidente do IMB, Cristiano Chiocca, as pessoas tomam como
"normal" o estado monopolizar a moeda, regular a forma de vender
banana e pão, e decidir quantas horas você pode trabalhar. E quem falar contra esse arranjo é
imediatamente classificado como extremista.
No dia
seguinte, os ciclos de palestras foram reiniciados com exposições de Fábio Barbieri e Ubiratan Iorio.
Ambos,
acadêmicos brasileiros e austríacos, ofereceram as palestras mais completas em
termos teóricos - os temas foram cálculo econômico no socialismo e processo de
mercado. As bases da palestra de
Ubiratan podem ser encontradas aqui.
O
palestrante seguinte foi Thomas Woods, o qual
um dos membros do IMB considera ser o melhor palestrante da galáxia. Woods falou sobre a (desconhecida) depressão
americana de 1920-1921, a qual, após ter sido gerada por uma expansão do
crédito ocorrida nos anos anteriores, não apenas foi solucionada de modo
bastante rápido, como também o foi de uma maneira que desafia o "consenso"
keynesiano: o governo cortou gastos, cortou impostos, equilibrou o orçamento
(não incorreu em déficits) e reduziu seu endividamento - exatamente o oposto de
tudo aquilo que a intelligentsia
preconiza. (Leia detalhes sobre essa
depressão aqui). O fato de tal depressão (na qual o desemprego
pulou de 4 para 12%, e o PNB despencou 17%) ter durado apenas um ano - e sem
intervenções governamentais para corrigi-la - é algo sobre o qual nenhum
keynesiano gosta de falar.
O último
palestrante do evento foi, obviamente, Lew Rockwell, o
fundador do Mises Institute e o homem responsável por manter viva a divulgação
das ideias misesianas e suas derivações.
Não é exagero algum dizer que, não fosse ele, praticamente ninguém hoje
conheceria a Escola Austríaca. Lew foi o
homem que, sem qualquer ajuda financeira, largou praticamente tudo o que tinha
em 1982 para fundar o Mises Institute.
Seus ativos: uma conta bancária em seu nome e uma máquina de
escrever. O fato de hoje a Escola
Austríaca ser mundialmente conhecida - para todos aqueles que se interessam
pela liberdade - se deve unicamente ao seu esforço.
Em sua
palestra, Lew fez um comparativo entre Murray Rothbard e Alan Greenspan. Enquanto o primeiro dedicou toda a sua vida à
busca da verdade intelectual, o ultimo abjurou todos os seus ideais apenas para
agradar a classe política, uma maneira fácil de ascender na vida. Na sessão de perguntas, Lew não se furtou a
responder perguntas polêmicas, como a falência das democracias modernas e a
questão do Oriente Médio, com uma naturalidade e honestidade intelectual
impressionantes.
Com cerca
de duzentas pessoas na plateia, esse primeiro seminário de economia austríaca
realizado pelo IMB foi um sucesso maior do que o esperado por nós, os
organizadores. Muito elogiadas foram as
posturas dos palestrantes, que circulavam com simpatia, desenvoltura e sem
qualquer estrelismo no meio do público, formado em sua maioria por jovens
estudantes cansados das mentirosas teorias keynesiano-marxistas que predominam
nacionalmente em nossas universidades.
Autógrafos e fotos eram concedidos a todo o momento, bem como conversas
informais sobre todos os tipos de assunto.
Para o
ano que vem, pretendemos voos mais altos.
O sonho do presidente Beltrão é conseguir trazer ninguém menos que Ron
Paul (muito bem cotado em
recentes pesquisas eleitorais para futuro presidente dos EUA) para uma palestra
apoteótica tanto no II Seminário quanto no Fórum da Liberdade, para uma plateia
de mais de 5.000 espectadores.
Fórum da Liberdade
Tão logo
foi encerrado o I Seminário de Economia Austríaca, deu-se início à XXIII edição
do Fórum da Liberdade, cujo tema foi o livro As Seis
Lições, de Ludwig von Mises.
A
primeira palestra do evento - a palestra especial de abertura, proferida por Carlos Ghosn, presidente dos grupos
Renault e Nissan - foi absolutamente horrenda.
Ghosn subiu
ao púlpito e disse abertamente que os governos mundiais intervieram
financeiramente na crise a pedido das montadoras, pois sem essa injeção monetária
"a indústria deixaria de existir e milhões de empregos seriam perdidos". Tal afirmação estimulou um comentário jocoso
de Lew Rockwell, presente ao evento junto com Salerno, Woods e Thornton: "Quer
dizer então que as pessoas deixariam de consumir carros pra sempre?"
Ghosn,
entretanto, deu continuidade, impávido, ao seu show de horrores: "Durante as crises, os governos têm de intervir. Mas só
durante as crises. Depois, eles devem se
retirar." Joe Salerno, nesse momento,
soltou uma estrepitosa gargalhada, atraindo os olhares (e os sorrisos
complacentes) de várias pessoas. Com
efeito, durante toda a palestra de Ghosn os austríacos se remexiam inquietos em
sua cadeira. Salerno, abanando
seguidamente a cabeça em tons de reprovação, parecia à beira da epilepsia. Se estivesse próximo ao púlpito, sem dúvidas
avançaria até o microfone e faria sua exposição teórica sobre a crise. Thornton perguntou qual a diferença do
discurso de Ghosn para um discurso de um sindicalista qualquer. Woods disse que são exatamente empresários
como Ghosn - que querem sempre recorrer ao governo para pedir ajuda,
socializando seus prejuízos - que fazem com que as pessoas tenham uma ideia
totalmente errada de capitalismo.
Juan Fernando Carpio,
equatoriano presidente do Instituto para
la Libertad, fez a distinção mais feliz de todas: uma coisa é você ser
pró-empresa; outra, bastante diferente, é você ser pró-mercado. Ghosn é claramente pró-empresa (a dele) e
radicalmente antimercado. Ele não deve,
em hipótese alguma, ser tomado como um símbolo do capitalismo.
Terminada
a hedionda exposição de Ghosn, foi a vez de Leonardo Fração, presidente do IEE, subir ao púlpito. Não perguntamos para ele, mas tudo indica que
o rapaz andou lendo nossos artigos. Seu
discurso, bastante inflamado - talvez em decorrência do que ouviu de Ghosn -
foi brilhante e surpreendentemente destemido, sem qualquer concessão ao
politicamente correto. Sem qualquer
cerimônia, ele disparou: "o direito de propriedade está acima dos direitos
humanos!", o que, obviamente, gerou uma onda de chiliques socialistas pela
internet, histeria essa advinda de pessoas que não possuem o mínimo
conhecimento filosófico necessário para perceber que, para haver um direito
humano, é necessário, antes de tudo, haver um direito de propriedade. Sem direito de propriedade não é possível
haver absolutamente nenhum direito humano - afinal, você precisa, por
definição, ter o direito de propriedade sobre seu próprio corpo para que então
possa ter qualquer direito sobre qualquer outra coisa (Veja Murray Rothbard comentando o assunto: Os "direitos
humanos" como direitos de propriedade)
Ao
arrematar seu discurso, Fração manteve a sobriedade: "Senhoras e senhores, não
existe sistema mais justo que o capitalismo!"
E foi aplaudido efusivamente.
Logo
em seguida, foi a vez do presidente do IMB, Helio Beltrão, receber o prêmio Libertas, conferido a
empreendedores que se destacam no trabalho pela liberdade. Seu discurso, uma ode ao indivíduo e à
liberdade, gerou exclamações efusivas dos austríacos do Mises Institute e pode
ser lido aqui.
(Detalhe: o discurso foi feito na frente de várias autoridades políticas, com
destaque para o prefeito de Porto Alegre e para o vice-governador do estado).
Em
seguida, houve um debate entre Pedro
Moreira Salles, Eliodoro Matte e
Armínio Fraga. O único destaque, se é que se pode falar
assim, foi quando Fraga disse que não era liberal e que achava que qualquer
ideia relativa a estado mínimo (quiçá estado nulo) era coisa de
destrambelhado. Deve ser por isso que
durante sua gestão à frente do Banco Central - de março de 1999 a dezembro de
2002 - o senhor Fraga expandiu a base monetária em nada menos que 86%, dando
substancial contribuição para o IGP-M de incríveis 25% em 2002. A ojeriza de Fraga ao estado mínimo foi
perfeitamente demonstrada no ritmo frenético das impressoras do BACEN sob sua
gestão. (A título de comparação, durante
o mesmo período da gestão Henrique Meirelles, a base monetária expandiu
"apenas" 70% ). "Fraga is horrible",
comentou Lew Rockwell.
No
dia seguinte, o Fórum foi reiniciado com um debate entre Rodrigo Constantino, Juan
Fernando Carpio e João
Quartim de Moraes, professor de Filosofia da UNICAMP. Quartim, um socialista que não sabia nem o
que era liberalismo (é um daqueles que considera o PSDB o cúmulo do tal
"neoliberalismo"), foi atropelado sem quaisquer cerimônias por Constantino e
Carpio, um libertário que lamentou a situação do Equador, seu país de
origem. Entretanto, deve-se congratular
Quartim por sua coragem de ir a um seminário cuja plateia lhe é francamente
desfavorável.
O
painel seguinte foi bastante curioso. Um
debate, supostamente sobre inflação, entre Thomas
Woods, Stephen Kanitz e Ricardo López Murphy. Murphy, um bem humorado economista argentino
formado na Universidade de Chicago, foi ministro da fazenda da Argentina em
2001 por exatos oito dias, sendo demitido pelo então presidente Fernando de la
Rua por causa de suas propostas de austeridade fiscal. Tom Woods fez um gracejo: "Ele foi ministro
da fazenda apenas oito dias a mais do que eu." Sua palestra foi interessante,
porém sem qualquer novidade.
Woods,
com a segurança e o domínio de sempre, falou sobre como a inflação é uma
política que, embora insidiosamente transfira renda dos mais pobres para os
mais ricos e seja incapaz de trazer qualquer benefício econômico, continua
sendo recomendada por economistas keynesianos e chicaguistas como uma panacéia
capaz de fazer com que surjam milagrosamente os bens de capital necessários
para o crescimento econômico.
Porém,
o ápice do painel ocorreu na exposição do administrador Stephen Kanitz. Revelando-se um sujeito incrivelmente
egocêntrico e com indefectíveis laivos de arrogância (do tipo que fica mexendo
em seu i-Phone durante as palestras de seus debatedores), Kanitz teve uma
participação, no mínimo, confusa.
Tão
logo subiu ao púlpito, disse que a ideia de que é a mão invisível do mercado
quem leva a comida à nossa mesa é pura balela.
"Mão invisível uma ova, senhoras e senhores! Quem leva a comida às suas mesas são as mãos bastantes
visíveis dos administradores". Por que
ele acha que os administradores não fazem parte do mercado, mas operam à margem
dele, é algo que nos escapa. Pareceu-nos
apenas birra de administrador que se acha injustiçado por não aparecer
devidamente explicitado quando se fala de mercado.
Ademais,
Kanitz, após expor erroneamente o significado da "mão invisível" de Adam Smith,
passou a criticar os defensores do livre mercado tomando por base justamente
esse conceito errôneo que ele próprio criou.
Ou seja, ele estava atacando um conceito falso que ele próprio havia
criado. Woods gentilmente o corrigiu na
sessão de perguntas após as exposições.
Porém,
isso foi apenas a introdução da palestra de Kanitz. Seu tópico principal se apoiava numa ideia
insensata: segundo Kanitz, a bolha imobiliária ocorreu porque o governo
americano havia criado um incentivo tributário, concedendo deduções no imposto
de renda para pessoas que comprassem imóveis.
Segundo ele, após passar duas semanas pesquisando na internet sobre o
assunto, ele não havia encontrado uma única menção a essa isenção fiscal na
grande mídia. Ninguém a apontava como
causadora da bolha imobiliária. Ato
contínuo, o próprio fez questão de apregoar que se tratava de uma teoria da
qual apenas ele sabia. Nenhuma menção
foi feita às políticas de expansão monetária do banco central americano. Nada se falou sobre os juros artificialmente
baixos.
Tristemente,
essa sua teoria durou apenas duas semanas.
Tom Woods não precisou de mais do que duas frases curtas para mandá-la
para o limbo: "Senhor Kanitz, esse incentivo fiscal existe há 40 anos. Por que ele não provocou crises anteriores?" Kanitz não respondeu. Quando assumiu o microfone, preferiu voltar a
comentar Adam Smith e seu exemplo da fábrica de alfinetes.
O
destaque seguinte foi um painel entre Eduardo
Marty, Arthur Badin e David Friedman. O tema era intervencionismo. Este talvez tenha sido o melhor debate do
fórum. Friedman fez picadinho do
burocrata Artur Badin, presidente do CADE, que sustenta a paradoxal ideia de
que apenas o estado pode preservar a concorrência e impedir que haja grandes
concentrações que "geram ineficiências econômicas".
Friedman
demonstrou-lhe, tanto na teoria quanto na prática, que o estado faz justamente
o oposto: é ele quem cria e permite a existência de carteis. E, consequentemente, leis antitrustes são
desnecessárias, pois um livre mercado impossibilitaria a formação de
carteis. Friedman citou a experiência
norte-americana com a regulamentação das companhias ferroviárias. Foram as próprias empresas ferroviárias que
pressionaram pela criação de uma agência reguladora para o setor, a qual tinha
a função de regulamentar ferrovias
para impedir a concorrência e eliminar taxas discriminatórias. Badin, um tanto inseguro, mudou de assunto e
diz que seria impossível o mercado impedir que donos de postos de gasolina
fizessem cartel. Friedman retrucou
dizendo que nada impediria que fornecedores de outras cidades viessem suprir o
mercado, ao passo que, no arranjo atual, são justamente as regulamentações
governamentais que impossibilitam tal liberdade, inclusive as restrições
estatais impostas ao mercado de energia alternativa.
Badin não retrucou.
Para
arrematar, Friedman mostrou que o estado é o principal agente cartelizador da
economia, pois é ele quem aprova tarifas que tornam produtos mais caros e é ele
que impede a entrada de novos concorrentes - algo que aumenta a renda dos
produtores para níveis acima daqueles que seriam obtidos no livre mercado. Tudo em detrimento do consumidor, justamente
quem o CADE afirma proteger.
O
debate foi uma verdadeira carnificina.
O
ultimo destaque fica para a palestra de Fernando
Henrique Cardoso, que, dentre outras coisas, disse que suas privatizações,
principalmente a da telefonia, foram feitas de modo a defender a competição -
uma franca mentira, como foi demonstrado nesse artigo. Vender um determinado setor para uma empresa
e garantir-lhe exclusividade de operação, criando para tal uma agência
reguladora, é exatamente o oposto de um livre mercado. Mais ainda: é impossível que tal arranjo
fomente a conclusão.
Conclusão
No
cômputo geral, o saldo final não apenas foi extremamente positivo, como também
foi sobejamente animador. Foram
realmente três dias inéditos. Nunca
antes um evento sobre Mises atraiu tantas pessoas no Brasil. Mais de 4 mil. Mesmo o I Seminário de Economia Austríaca,
que foi um evento mais "reservado", atraiu a atenção de jovens do Brasil
inteiro. Havia gente de todos os cantos
do país, desde um estudante de economia que veio do Pará até um garoto que
ainda está no ensino médio, mora em Leme, no interior de São Paulo, e já
conhece bastante sobre a Escola Austríaca (veja seu blog).
Embora
seja um clichê tenebroso, é impossível não utilizá-lo: é justamente essa moçada
quem vai decidir os rumos futuros do país no qual viverão seus filhos e
netos. Torçamos para que ela saiba tomar
decisões sensatas.
Algumas fotos

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O professor Antony Mueller explica a estrutura do capital
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Lew Rockwell responde tudo
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Rodrigo Constantino expôs números sobre a economia brasileira
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Mark Thornton explicou cristalinamente os ciclos econômicos
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Fábio Barbieri explica a impossibilidade do cálculo econômico no socialismo
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O professor Ubiratan Iorio explicou o processo de mercado
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Thomas Woods comenta a esquecida depressão de 1920-21
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Um dos integrantes do IMB confessa para Woods que o considera "o cara"
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De fato, não há palestrante melhor que Tom Woods
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Cleber Nunes luta contra o estado para que ele próprio possa educar seus filhos
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David Friedman é quase um clone de Murray Rothbard
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Helio Beltrão e Lew Rockwell
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Plateia séria
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Plateia animada
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Coffee Break
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Maria Beltrão ofuscou as estrelas do seminário
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Economia só é prazerosa se for austríaca
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Esse integrante do IMB que o diga
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Lew Rockwell distribuiu vários autógrafos em seu livro Speaking of Liberty...
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...enquanto Tom Woods experimentava a camiseta com o brasão do IMB...
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...e Mark Thornton papeava com os estudantes
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Lew Rockwell conversa com dois tradutores
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Enquanto Tom Woods se estranha com a língua portuguesa, Patri Friedman segue projetando plataformas marítimas
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André Cardoso está apenas no 1º ano do ensino médio e já dá lições em keynesianos
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Thornton e Rockwell
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Salerno e Rockwell são inquiridos sobre Bryan Caplan
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Outro coffee break
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E mais outro
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Em vários idiomas
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Carlos Ghosn quer que o governo tome o seu dinheiro para dar para as empresas dele
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Mas, no que depender de Leonardo Fração, Ghosn não terá essa moleza
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Aguardamos todos novamente em 2011
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