Tudo vai bem
Foi em janeiro de 2008 que cheguei a Dubai pela primeira vez. Era uma terra cheia de projetos grandiosos,
proeminentes e memoráveis. Poucas
cidades no mundo podiam igualar o número absoluto de arranha-céus e outras
edificações enormes que estavam sendo construídos no emirado (mais de 80 unidades com
mais de 150 metros de altura estão concluídos ou em construção no momento
em que escrevo).
Shoppings e centros comerciais estavam brotando de todos os lados, sendo que
o maior shopping do mundo, o Dubai Mall, ainda estava em construção. O setor varejista e o setor de serviços
estavam em plena expansão, não apenas em decorrência do aumento significativo
da população nos últimos anos, mas também por causa do impulso fornecido pelo
turismo. Desnecessário dizer que os
hotéis estavam inundados de turistas; as taxas de ocupação sempre estavam acima
dos 80%.[1]
Por fim, os setores imobiliários e de construção estavam tendo um desempenho
simplesmente espetacular. Era comum
ouvir histórias de investidores que lucraram mais de 20% em um único dia,
apenas comprando e vendendo propriedades que ainda não haviam começado a ser
construídas.
Com uma economia crescendo tão rapidamente, o mercado de trabalho não
conseguia suprir a demanda. Expatriados
foram incentivados a voltar para Dubai com a virtual garantia de que teriam
emprego. Afinal, já que todo o mundo
estava no meio de uma enorme crise financeira e com desemprego crescente, não
havia nada mais sensato do que tentar a própria sorte na única cidade do mundo
aparentemente imune.
Os primeiros sinais
Após alguns dias na cidade, já era possível notar os sinais de que alguma
coisa estava fora do lugar.
Alugar um apartamento era algo extremamente fácil - bastava dar ao corretor
de imóveis um cheque equivalente a todo o ano de aluguel. Por mais absurdo que isto pareça, a prática
comum no mercado de alugueis era o pagamento adiantado de 12 meses. Um negociador muito habilidoso poderia
conseguir fazer o acordo com dois cheques, ao invés de apenas um. Mas isso não era tudo. Após visitar a propriedade em potencial, você
tinha de se decidir em poucas horas, pois havia a possibilidade de alguma outra
pessoa ser mais rápida e fazer uma proposta melhor que a sua. Havia simplesmente um número excessivo de
compradores no mercado.
Os expatriados recém-chegados não tinham condições de fazer esse desembolso
adiantado. Por sorte havia os bancos
para fornecer o financiamento necessário para aqueles que estavam ansiosos por
alugar um imóvel para morar. Muitos
expatriados não tinham capacidade de pagar os 12 meses antecipadamente. O crédito tornou isso possível para quase
todo mundo.
Uma vez encontrado um lugar pra se morar, você tinha que arrumar um carro,
caso contrário correria o risco de ficar parado numa fila de uma hora de espera
para conseguir arrumar um táxi na porta do shopping. Havia simplesmente muitos visitantes.
As vendas de automóveis também estavam estrondosas e havia várias
revendedoras. Era simples comprar um
carro; o financiamento fácil e barato estava sempre ali. Mas você tinha de se decidir rápido, pois,
novamente, alguma outra pessoa poderia comprar a última unidade com exatamente
a cor que você queria. Se o preço
parecesse muito alto, bem, azar o seu, pois havia muita gente interessada nele.
Deixando de lado as questões de moradia e transporte, era necessário também
começar a trabalhar. Entretanto, com
tamanho aumento na demanda e uma carga de trabalho cada vez maior, você
precisava contratar mais gente. Após procurar
uma empresa de recrutamento, analisar currículos e entrevistar algumas pessoas,
um candidato poderia ser selecionado. Ou
talvez não, afinal ele poderia já ter sido escolhido por outra empresa. Mas sem problemas. Você poderia contratar a segunda melhor
opção.
O novo empregado começaria a trabalhar segundo os termos acordados. Tudo pareceria estar indo bem até que, após
alguns dias no trabalho, um inesperado pedido de demissão estaria
sobre sua mesa. Uma outra empresa havia
oferecido a ele um salário um pouco mais alto.
Esse processo se repetiria mais algumas vezes, mas, no fim, um novo
empregado sempre acabaria sendo contratado.
Muito provavelmente esse mesmo empregado ficaria frustrado alguns meses
depois porque seu companheiro de trabalho, que chegou depois dele, foi
contratado por um salário 25% maior para fazer o mesmo serviço.
Esse mesmo procedimento - que mais parecia um leilão - podia ser observado
tanto nas áreas administrativas quanto nas áreas de trabalho braçal.
Em tal cenário, muitas empresas passaram por grandes dificuldades para
gerenciar e planejar suas operações.
Como um administrador poderia planejar seus negócios se a demanda
esperada, de acordo com os dados de mercado, iria duplicar nos próximos seis
meses e triplicar em um ano?
Planejamento de longo prazo em Dubai significava, no máximo, 12
meses. Ninguém podia se arriscar
mantendo um plano inalterado em um ambiente tão drasticamente variável.
Quem quer que tenha trabalhado em Dubai durante o período do boom econômico
irá se identificar com os exemplos descritos acima. Essas são apenas algumas poucas de uma
miríade de histórias pessoais que levam à mesma conclusão: algo estava errado.
Era um mercado de extremos. A demanda
era tão alta que praticamente não existia a concorrência bilateral (entre
vendedores e compradores).[2] Era como um leilão: uma concorrência unilateral
entre os compradores.[3]
Sempre que a concorrência bilateral não está presente, as forças de
mercado não conseguem eliminar os concorrentes fracos, tais como as empresas
mal geridas.
Os consumidores praticamente não tinham voz no mercado àquela época, pois
caso um consumidor se recusasse a comprar de um determinado vendedor, centenas
de outros estariam fazendo fila para comprar dele, o que garantia estoques
praticamente zerados. Isso obstruiu aquele
saudável processo de mercado que força as empresas a se tornarem mais
eficientes e a cumprir suas promessas.
Sempre que um processo de negociação - a lei da oferta e demanda - se torna
tão desequilibrado, deve-se ao menos refletir sobre a questão. E a questão que poucos suscitaram era se toda
essa demanda era justificável e sustentável.
A bolha fica maior
O Índice de Preços Imobiliários[4] aumentou 78% entre
o primeiro trimestre de 2007 e o primeiro trimestre de 2008, estimulando ainda
mais potenciais investidores a embarcarem nesse frenesi consumista.
O apetite deles para novos projetos e construções era infinito. Os jornais diariamente estampavam manchetes
sobre eventos de lançamento de novos projetos em que todas as unidades eram
vendidas em poucas horas. Houve tumulto
durante um desses eventos. Todos queriam
garantir que uma propriedade cuja construção ainda não havia sido iniciada pudesse
ser comprada imediatamente.
Um vizinho que havia acabado de comprar uma mansão me relatou que a
corretora de imóveis ligou pra ele três dias depois para dizer que havia um
comprador interessado em comprar a propriedade pagando um preço 20% maior do
que aquele que meu vizinho havia pagado.
Após ter enfrentado muita dificuldade para achar um lugar pra morar, ele
recusou a oferta e simplesmente disse à corretora que "Eu realmente quero morar
nessa casa".
O sentimento de mercado era o de que os preços só iriam subir. A economia de Dubai era sólida e robusta, de
acordo com analistas. O setor de
construção estava se expandindo rapidamente e atraindo diariamente cada vez
mais investidores estrangeiros.
Em setembro de 2008 tudo ainda permanecia inabalável, e até mesmo
celebridades como o tenista Boris Becker e o ator indiano Shah Rukh estavam
anunciando projetos estimados em bilhões de dólares. O Índice de Preços Imobiliários havia
atingido seu pico, com um aumento de 116%[5] desde o
primeiro trimestre de 2007.
Apesar de as taxas de desocupação dos imóveis serem altas e visíveis em
várias áreas, novos projetos residenciais e comerciais surgiam diariamente com
promessas de ainda mais espaços residenciais e comerciais.
Era preciso dirigir por toda a cidade de Dubai para tentar entender como tal
coisa poderia estar acontecendo. Se
havia tantos escritórios e apartamentos vazios, por que as incorporadoras ainda
continuavam construindo sem ao menos esperar que a oferta excessiva diminuísse?
Parece que o principal motivo das compras imobiliárias era o lucro rápido. Adquirir e revender propriedade estava se
tornando um esporte. Obviamente, tal
padrão possui muita semelhança com a derrocada imobiliária dos EUA.
Em outubro de 2008, o Cityscape Dubai, a sétima edição do já famoso evento
sobre investimentos e construções imobiliárias, abriu suas portas ao
público.
A Meraas Development, uma empresa até então nova e estabelecida em Dubai,
revelou seu grande projeto para (a área residencial de) Jumeirah, uma cidade de
95 bilhões de dólares dentro de outra cidade.
Os visitantes podiam ver o status do Canal Árabe, uma
cidade de 120 quilômetros quadrados e 50 bilhões de dólares a ser construída em
15 anos, com capacidade para 2,5 milhões de pessoas.
E, finalmente, a Nakheel, a incorporadora responsável pelo projeto das Palm Islands (ilhas em
formato de palmas), em um anúncio oficial logo na abertura do Cityscape Dubai,
anunciou à imprensa que iria construir uma "torre com mais de um quilômetro de
altura", a qual não teria rivais em lugar algum do mundo, ofuscando a torre Burj Dubai[6].
Com tantos megaprojetos planejados, Dubai almejava ser o lar de aproximadamente
5 milhões de pessoas já em 2020. A
população estava em 1,6 milhão no início de 2008.
Simbolicamente, o boom econômico de Dubai atingiu seu ápice em 30 de
novembro de 2008, no lançamento do hotel Atlantis, um marco
localizado na ponta da Palmeira Jumeirah, que foi a primeira palmeira do
projeto. A celebração de 20 milhões de
dólares, uma genuína extravagância, atraiu altas celebridades da música, do
cinema e dos esportes, e 3 milhões de dólares foram gastos apenas com fogos de
artifício, um recorde histórico.
Furando a Bolha
É sempre difícil identificar qual precisamente foi o evento que causou a
reação em cadeia que levou os participantes do mercado a ter de lidar com a
realidade.
Olhando em retrospecto, pode-se argumentar que o anúncio da Nakheel de que
ela havia tomado a decisão de demitir 500 empregados a fim de lidar com "planos
empresariais de curto prazo e se adaptar ao atual ambiente global" foi um dos
eventos que precipitou tudo. Isso
ocorreu alguns dias após a inauguração do hotel Atlantis.
No dia seguinte, a construção da Trump Tower - um projeto luxuoso na
Palmeira Jumeirah - foi suspensa, suscitando ainda mais preocupações de que a
festa de fato havia chegado ao fim.
Esses eventos geraram enormes especulações entre todos os agentes envolvidos
no boom da construção civil.
Repentinamente, o pânico passou a dominar o mercado. Todos estavam tentando descobrir como
poderiam ser afetados e quais medidas deveriam tomar.
Outros projetos foram colocados em espera, suspensos ou adiados. Isso gerou novas demissões.
O dinheiro, que vinha fluindo livremente no setor, repentinamente
secou. As incorporadoras bloquearam
pagamentos, o que gerou um impacto paralisante em toda a cadeia de
suprimentos.
Várias empresas foram requisitadas a operar em uma espécie de modo de
emergência, mal conseguindo cobrir despesas fixas como folha de pagamento.
O Índice de Preços Imobiliários pintava um quadro ainda mais sombrio. Ao final de 2008 ele havia declinado 8% em
relação ao trimestre anterior. No
primeiro trimestre do ano seguinte ele despencou mais 41%, caindo mais 9% até
julho. Devido ao impacto da construção do
Burj Dubai, o índice de preços subiu 7% durante o terceiro trimestre de 2009. Se o Burj Dubai for retirado do índice, um declínio
adicional de 10% pode ser observado.
Durante 2009, o sentimento em toda a comunidade empresarial era de
isolamento. Sem informação adequada do
governo e das grandes incorporadoras, ninguém era capaz de adivinhar para onde
a economia estava indo e ajustar suas operações de acordo.
O que pegou muitos investidores internacionais de surpresa já era há muito
esperado pelo mercado local. A Dubai
World, o conglomerado do qual a Nakheel faz parte, finalmente veio a público e
declarou que precisava suspender o pagamento de suas dívidas até 30 de maio de
2010.
Como Mises declarou há quase um século, "todo boom inevitavelmente um dia chega
ao fim".[7]
Causas
A narrativa e os eventos acima descrevem vividamente todos os efeitos, mas
não claramente as causas, por trás do boom vivenciado pelo emirado.
Com uma moeda atrelada ao dólar, o banco central dos Emirados Árabes Unidos
perseguiu as mesmas políticas monetárias que seu congênere americano, o Federal
Reserve.
As taxas de juros nos Emirados Árabes Unidos foram mantidas artificialmente
baixas por muito tempo, seguindo cada movimento do Fed. Padrões imprudentes de empréstimos obviamente
ajudaram a dar um enorme impulso à perniciosa expansão creditícia.
Além dos agressivos empréstimos feitos por instituições internacionais para
empresas de Dubai, o Banco Central dos Emirados Árabes e os bancos operando no
país também tiveram um papel crucial em fomentar a bolha da construção civil.
O balancete do banco central[8] disparou em 2007,
atingindo um descomunal aumento de 177% da base monetária em relação ao ano
anterior.
Embora a autoridade monetária tenha reduzido as injeções monetárias em 2008,
reduzindo seus ativos (contração da base monetária) em 32% ao final daquele ano
(ainda o dobro do valor em dezembro de 2006), o estrago já estava feito.
A oferta monetária medida pelo M3 já havia apresentado um crescimento anual
de 29,4% no período de 2006 a 2008.
Fazendo-se uma análise mais minuciosa dos principais indicadores dos
Emirados Árabes Unidos, podemos verificar a extensão dos investimentos errôneos
estimulados pelos bancos que lá operam.
O balancete agregado dos bancos operando no país cresceu 31,4%
anualmente também no mesmo período de 2006 a 2008.
Após a maciça injeção monetária que o banco central dos EAU fez na economia
em 2007, podemos inferir que o grande estrago seguinte foi orquestrado pelos
bancos em 2008.
Os empréstimos concedidos ao setor da construção civil cresceram 41,7%
anualmente de 2006 a 2008. Apenas em
2008, tais empréstimos aumentaram assombrosos 80,7% em relação ao ano
anterior. Com todo esse financiamento,
novos projetos iam sendo constantemente iniciados. Todavia, com toda essa oferta, de onde estava
vindo toda a demanda?
Nesse aspecto, foram os bancos também que se encarregaram de garantir que
haveria demanda suficiente. Para isso,
eles incorreram em sua prática usual: o aumento do crédito.
Em 2006, os financiamentos hipotecários para os habitantes aumentaram 80,1%. Durante 2007, o aumento foi de 82,1%. Finalmente, 2008 terminou com 18,9 bilhões de
dólares de empréstimos adicionais, um crescimento de 122,8% em um ano.
É difícil argumentar que tal demanda era real. A população dos Emirados Árabes Unidos era de
4,76 milhões no final de 2008, um aumento aproximado de 277 mil em relação ao
ano anterior.
Se levarmos em consideração que uma parte desproporcionalmente grande da
população é formada por trabalhadores braçais (principalmente do subcontinente
indiano), dos quais a grande maioria reside nos próprios canteiros de obra,
pode-se concluir que as hipotecas estavam concentradas em muito poucas mãos, o
que sugere que a demanda de fato se devia aos investimentos e não à procura por
moradias.
Se não tivesse havido uma expansão do crédito, as pessoas não teriam como
fazer essas compras em escala maciça. E
sem esses potenciais compradores, as incorporadoras não teriam lançado tantos
projetos. Da mesma forma, se o crédito
não estivesse prontamente disponível para as incorporadoras, elas não teriam
podido financiar tantos projetos. Assim,
fica a pergunta: o crédito aos consumidores gerou mais crédito para as
incorporadoras, ou ocorreu o contrário?
Ao invés de tentar solucionar esse enigma, é suficiente concluir que a
expansão do crédito exerceu uma força drástica na promoção de projetos
inviáveis.
A produção e a poupança não conseguiram acompanhar o ritmo da expansão do
crédito, porque a produção toma tempo e demanda mão-de-obra. A criação de dinheiro adicional (que é criado
do nada) não aumenta a quantidade de bens e serviços na economia. O fato de mais crédito ser estendido para as
construtoras não significa que haverá mais aço, cimento etc. - certamente não
aos preços que tornam os projetos lucrativos.
Tão logo cada empresa começa a disputar os mesmos recursos, começa a
haver um aumento nos preços, tornando alguns projetos inviáveis.
Os recursos são escassos. Imprimir
mais dinheiro jamais poderá alterar esse fato.
Com taxas de juros nominais extremamente baixas e taxas de juros reais
negativas (a inflação foi estimada em mais de 10% para 2007 e 2008), o
comportamento racional era pegar empréstimos e investir onde quer que fosse
possível. Um mercado imobiliário em
forte expansão parecia ser a escolha óbvia na maioria das vezes.
Sob essas condições, qualquer um se torna um brilhante homem de
negócios. Erros empreendedoriais parecem
raros enquanto o crédito é abundante.
A psicologia claramente possui um papel determinante em estimular uma bolha,
mas somente a inflação monetária permite que a mesma seja formada. É difícil não sucumbir à tentação de lucrar
quantias astronômicas em um curto período de tempo. A resistência é ainda mais difícil se os
meios para se envolver na bolha estão facilmente disponíveis no banco mais
próximo.
No caso do setor imobiliário, as pessoas foram incapazes de compreender que
a demanda por imóveis só é sustentável se a razão fundamental para a compra de
uma propriedade for a intenção de residir nela de fato.
O ex-presidente do banco central americano Alan Greenspan diria que a
"exuberância irracional"[9] tem o poder de fazer disparar
os preços dos ativos. Ele certamente
poderia alegar exuberância, mas não há nada de irracional em investir em
projetos de alto retorno ao invés de ficar vendo sua poupança perder poder de
compra por causa da inflação.
Além do estrago causado pelo Banco Central dos EAU e pelos bancos que operam
localmente, os empreendimentos estatais e particulares do Sheik conseguiram
empréstimos vultosos e baratos de instituições financeiras estrangeiras,
estimulando ainda mais os investimentos errôneos. O pedido da Dubai World de suspender o
pagamento de suas dívidas apenas fez com que as dificuldades latentes se
tornassem explícitas.
A falsa expansão econômica de Dubai, sua prosperidade fictícia, se baseava
na ilusão gerada pelo crédito barato.
Tudo se baseou na ilusão de que a expansão do crédito gera riqueza - que
dinheiro é riqueza. Um seguidor da
Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos podia ver claramente que o boom do
emirado teria de chegar ao fim.
Desenvolvimentos posteriores
Na onda da opulência de Dubai, os emirados vizinhos também queriam
diversificar suas economias embarcando em projetos imobiliários extravagantes,
muitos dos quais eram ideias extremamente questionáveis desde o princípio.
Em Ajman, vários projetos
foram cancelados após as incorporadoras terem ficado sem dinheiro, dando
prejuízos a muitos investidores que já haviam pagado por projetos que poderão
nunca ser construídos.
Tendo Dubai como líder, o frenesi das construções nos EAU atraiu
naturalmente uma carreata de investidores estrangeiros procurando
diversificação. Em um mundo ainda preso
em uma enorme crise, e no qual as oportunidades de investimento eram escassas,
Dubai parecia extremamente atraente.
Embora a expansão do crédito tenha realmente exercido um papel fundamental,
os recursos que de fato foram poupados também foram arrastados para o mercado
dos EAU, estimulando ainda mais os investimentos errôneos.
Uma porção significante dessa poupança infelizmente será perdida, dado que
muitas decisões de investimento foram tomadas na crença de que o cenário
econômico dominante durante o período do boom continuaria indeterminadamente.
O que ainda resta a ser visto é o grau do estrago total feito à
economia. Ainda é muito cedo pra prever
a profundidade da necessária recessão que Dubai terá de enfrentar - o ajuste
necessário para o grande número de investimentos errôneos. As empresas estatais de Dubai, bem como as
incorporadoras privadas locais e estrangeiras, embarcaram em muitos projetos
que só poderiam ser economicamente viáveis se as condições expansivas de 2008
persistissem indefinidamente.[10]
Ha duas maneiras de se financiar um projeto: por meio do próprio capital do
empreendedor (sua poupança pessoal) ou por meio de empréstimos. Se a incorporadora utiliza seu próprio
capital, e o projeto se revela um fracasso, ela poderá ou consumir seu próprio
capital e completar o projeto apesar dos prejuízos que terá de incorrer, ou
cancelar toda a construção e encarar o prejuízo atual, embora isso lhe permita
evitar um prejuízo ainda maior após a conclusão do empreendimento.
Entretanto, quando uma empresa pega empréstimos para financiar projetos que
se mostram inviáveis, uma terceira parte foi envolvida nessa bagunça.
Várias incorporadoras estão presas em uma situação na qual projetos
correntes entraram no vermelho e os clientes que os compraram para propósitos
de investimento estão dando calote por medo de não conseguirem lucrar com a
revenda ou por pura incapacidade de honrar seus pagamentos. Tudo isso fica ainda pior se essa
incorporadora estiver alavancada, como a Nakheel.
Fazendo-se uma análise pela perspectiva de um comprador, abandonar o barco é
simplesmente a atitude mais sensata a se tomar.
Entretanto, se você comprou um apartamento para morar, pouco importa que
o valor esperado da propriedade diminua.
Afinal, você quer apenas morar nela.
Contudo, a história é bem diferente se você tiver comprado um apartamento
como um investimento - obviamente na esperança de que fosse vender por um preço
mais alto -, mas for pego de surpresa por um colapso repentino no valor
esperado de venda. Deveria você cumprir
o compromisso e encarar um prejuízo indeterminado, ou seria melhor sofrer o
baque agora e cancelar o contrato imediatamente? No caso das incorporadoras, a questão
torna-se ainda mais problemática caso o comprador resida no exterior e decida
romper o contrato. Qual a probabilidade
da jurisdição dos EAU ser aplicada internacionalmente?
O reconhecimento da Dubai World sobre sua difícil situação financeira é o
primeiro passo na cura dos problemas causados pelo boom. Assim que os projetos finalmente começarem a
ser cancelados - como alguns inevitavelmente terão de ser - começará uma reação
em cadeia que levará algumas empreiteiras, subempreiteiras e outras partes
relacionadas ao setor à beira da falência.
Por mais doloroso que isso possa soar, muitas empresas precisam quebrar para
que a economia possa se reajustar e deixar intactas apenas as empresas reais e
lucrativas [leia mais sobre a importância
das falências aqui].
A taxa de vacância de escritórios administrativos localizados em regiões
nobres está estimada em aproximadamente 40%.
Estimativas de outras fontes chegam a uma taxa de ocupação total de 74%
para os espaços residenciais e comerciais.
Devido à falta de estatísticas acuradas no mercado, é um trabalho
complexo chegar a um número preciso. As
construções planejadas e as em andamento irão aumentar ainda mais a oferta de
imóveis em 2010. Mesmo que esses
projetos em andamento acabem sendo suspensos, a atual oferta excessiva - em
conjunto com a atividade econômica em declínio - irá exercer uma substancial
pressão baixista nos preços dos imóveis, e não há nada que o governo ou
qualquer outra entidade possam fazer para repelir a lei da oferta e da demanda.[11]
Mesmo assim, a duração e a profundidade da recessão também dependem das
políticas monetárias que o banco central dos EAU irá adotar. Se ele tentar estimular e salvar empresas
incapazes de prosperar, esse processo de reajuste irá apenas se estender ou até
mesmo ser completamente neutralizado.
Outra peça do quebra-cabeça é a exposição dos bancos aos empréstimos ruins.
Quando alguém pega empréstimos e não cumpre seu compromisso dentro de seu
próprio país, ele pode ter problemas.
Entretanto, em Dubai, os expatriados podem simplesmente sair de cena e
jamais quitar suas dívidas: os bancos nos EAU têm poucas maneiras de tentar
recuperar esses empréstimos ruins. Os
carros abandonados no aeroporto de Dubai ilustram esse ponto. Com efeito, as leis locais acabam estimulando
a fuga do país, já que o indivíduo pode ir preso se ele não honrar os cheques
que emitiu.
Além da questão da dívida, a recessão e o reajustamento dos negócios podem
resultar em redimensionamentos, o que significa enxugamento da folha de
pagamento. Como 90% da força de trabalho
vem do exterior, são grandes as chances de que um empregado demitido seja um
estrangeiro. De acordo com as leis dos
EAU, se um trabalhador estrangeiro perde seu emprego, ele tem de encontrar um
novo trabalho - ou terá de deixar o país dentro de 30 dias.
Portanto, uma recessão em Dubai pode também causar um decréscimo na
população, algo que poderia gerar também amplos efeitos no setor varejista,
embora em um grau menor. É muito
improvável que esse cenário ocorra nos países desenvolvidos que também
enfrentam recessão, como os Estados Unidos ou a Espanha.
Abu Dhabi e os investidores
internacionais
Há muitas lições a serem aprendidas com o caso de Dubai. Cada investidor já deveria saber a essa
altura que ele deve fazer muito bem seu dever de casa e investir somente onde
ele está plenamente ciente dos fundamentos do investimento. Muitos deles apenas confiaram que o governo
de Dubai iria garantir as dívidas - e que se essa garantia falhasse, então o
governo dos EAU em Abu Dhabi iria intervir prontamente. Agora que o primeiro caso fracassou e a
extensão da ajuda fornecida pelo segundo ainda é desconhecida, os investidores
ficaram à deriva, tentando bolar algum plano de saída. Isso servirá como um ótimo alerta para o fato
de que lucros e riscos sempre andam de mãos dadas.
Ao contrário de Dubai, Abu Dhabi obtém mais da metade do seu PIB com as
receitas do petróleo. A capital possui
sólidos ativos geradores de renda, bem como um impressionante fundo soberano. Os meios com os quais resgatar Dubai
certamente estão ali. Entretanto, Abu
Dhabi está corretamente relutante em dar um cheque em branco e assumir toda a
dívida de Dubai. Os recentes $10 bilhões
extras concedidos por Abu Dhabi para ajudar a honrar os títulos da Nakheel que
estavam por vencer pode ter acalmado alguns investidores. No entanto, os maus investimentos subjacentes
ainda estão lá. Ao invés de estar
devendo aos estrangeiros, Dubai agora tem uma dívida extra para com Abu Dhabi
(embora as condições desse empréstimo emergencial ainda estejam incertas).
Para 2008, o último ano de expansão econômica em Dubai, estima-se que o PIB
do emirado tenha atingido $80 bilhões, ao passo que o de Abu Dhabi foi de $142
bilhões, de acordo com as estatísticas do governo. Afirma-se que a dívida do governo de Dubai
esteja muito acima dos $80 bilhões. Embora
a razão dívida/PIB de fato mereça atenção, o mais importante de tudo é a
capacidade de se pagar o serviço dessa dívida.
Os ativos de Dubai declinaram consideravelmente em valor, e sua atual
capacidade operacional de gerar renda suficiente para pagar sua dívida está
severamente debilitada. Assim como
qualquer outra decisão de investimento, os EAU estão pensando cuidadosamente na
viabilidade de salvar Dubai.
Empréstimos temerários feitos por bancos internacionais para Dubai foram um
grande estímulo para a derrocada do emirado.
Quando tudo estava indo bem, poucas questões foram levantadas. Agora, depois que a economia descarrilou,
muitas estão sem respostas.
Os EAU jamais vivenciaram uma crise como essa. É o primeiro declínio econômico severo desde
que a federação foi formada no início dos anos 1970. As leis de falência ainda são pouco
desenvolvidas, em parte porque elas nunca foram requisitadas. A importância de se ter instituições sólidas
agora está clara e o sistema judicial dos EAU será testado em toda a sua
capacidade.
Empresas privadas operando em Dubai poderão ter de recorrer a ações judiciais
contra as incorporadoras, as quais, na maioria dos casos, podem ser empresas
estatais ou empresas ligadas ao estado.
O sucesso de Dubai em atrair capital estrangeiro também dependerá de
como os tribunais de Dubai agirão e de como a comunidade internacional verá
essa ação.
Conclusão
As similaridades entre a bolha imobiliária de Dubai e aquelas em outros
países como os EUA e Espanha
são enormes.
Somente a poupança pode permitir um crescimento econômico sustentável. Por meio da inflação
monetária, o crédito flui excessivamente e distorce a estrutura de produção,
alocando recursos para projetos que jamais deveriam existir e abrindo caminho
para a subsequente recessão - isto é, a correção de todos os investimentos
errôneos. Empreendedores podem e irão
cometer erros mesmo na ausência de inflação.
Porém, é somente por meio da indevida expansão monetária que a distorção
irá ocorrer em escala maciça por toda a economia.
Já em meados de 2009, qualquer um que estivesse voando para Dubai pela
Emirates Airlines também poderia ser iludido a pensar que o crédito não era
problema, como bem dizia um dos vídeos exibidos a bordo antes da aterrissagem:
"Esqueça a contração do crédito ... compre."
Infelizmente, Dubai levou suas próprias palavras muito a sério.
____________________________________________________
Notas
[1] "Dubai Retail Snapshot - Second Quarter 2008."
Colliers International, UAE, p. 1.
[2] Eugen von Böhm-Bawerk, The
Positive Theory of Capital (New York, Cosimo Inc., 2006), pp. 203-13.
[3] Ibid., pp. 200-2.
[4] "House Price Index - First Quarter 2008."
Colliers International, UAE, p. 1.
[5] "House Price Index - Third Quarter 2009."
Colliers International, UAE, p.3.
[6] Para um estudo econômico muito interessante sobre
arranha-céus, ver o artigo de Mark Thornton "Skyscrapers
and Business Cycles." The Quarterly Journal of Austrian Economics.
Vol. 8, no. 1 (Spring 2005).
[7] Ludwig von Mises, Causes
of the Economic Crisis, (Alabama, Mises Institute, 2006), pp. 148.
[8] UAE Central Bank Annual Reports.
[9] Observações de Alan Greenspan no jantar annual do The
American Enterprise Institute for Public Policy Research, Washington, D.C., 5
de dezembro de 1996.
[10] "Em suma, os
empreendedores foram iludidos pela inflação creditícia bancária a investir
excessivamente em bens de capital de ordens mais altas, os quais só poderiam se
manter prosperamente se houvesse preferências temporais menores e poupança e
investimentos maiores; tão logo essa inflação permeou o público, a velha
proporção entre consumo e investimento foi restabelecida, e os investimentos
nos negócios de ordens maiores se revelaram um desperdício. Os empreendedores foram levados a esse erro
devido a uma expansão artificial do crédito, e sua conseqüente adulteração da
taxa de juros de livre mercado. O
"boom", então, é na verdade um período de investimentos ruins e
imprevidentes. É o período em que os
erros são cometidos devido à distorção causada pelo crédito bancário no livre
mercado. A "crise" chega quando os consumidores decidem restabelecer
suas proporções desejadas. A "depressão", na realidade, é o processo
pelo qual a economia se ajusta aos desperdícios e erros do boom, e restabelece
o serviço eficiente dos desejos do consumidor. O processo de ajustamento
consiste em uma rápida liquidação dos investimentos desnecessários.
Alguns desses investimentos serão completamente abandonados (como no caso das
cidades fantasmas do oeste americano, que foram construídas durante o boom de
1816-1818, e abandonadas durante o Pânico de 1819); outros serão deslocados
para outros fins." Murray Rothbard, America's
Great Depression, (Alabama, Mises Institute, 2005), pp. 11-12
[11] "A oferta e a
demanda são o resultado da conduta de compradores e vendedores. Se a oferta
aumenta, mantidas inalteradas as demais circunstâncias, os preços devem
diminuir. Pelo preço anterior, antes de
ter aumentado a oferta, todos os que estivessem dispostos a pagá-lo poderiam
comprar a quantidade que quisessem. Quando a oferta aumenta, é preciso que os
antigos compradores adquiram quantidades maiores ou que novos compradores se
interessem em comprar. Isto só pode ser obtido a um preço menor." Ludwig von Mises, Ação Humana,
(Alabama, Ludwig von Mises Institute, 1998), p. 330.
E
"árvores não crescem até o céu, bolsas de valores não sobem para sempre e
preços altos retraem a demanda. Com os
preços estando altos, um milhão de caras irão se acotovelar para tentar achar
um modo de lucrar todo esse dinheiro, criando mais oferta e, consequentemente,
derrubando os preços. Ninguém jamais
repeliu a lei da oferta e da demanda, e ninguém jamais irá - nem republicanos,
nem democratas, nem comunistas, nem capitalistas. Trata-se de uma lei da natureza, um mecanismo
que muitos governos parecem não entender ou acreditar ser capaz de fazer as
coisas certas". Jim Rogers, Investment Biker, (Chichester, John
Wiley & Sons, 2008), p. 26.