segunda-feira, 4 fev 2019
Sempre que um governo decepciona ou mesmo estraga a economia, ou sempre que políticos e burocratas fracassam em
cumprir o que prometeram — o que é uma constante —, os defensores do
estado prontamente se apresentam com a mesma explicação de sempre: o problema
será resolvido quando os eleitores votarem nas pessoas certas para gerir o governo.
A lógica é imutável: os políticos vigentes não estão
se esforçando o bastante, e precisam ser mudados. Ou então os atuais políticos "são ruins e mal intencionados", e por isso também
têm de ser trocados.
Embora seja verdade que há uma enormidade de pessoas
incompetentes e mal intencionadas no governo (em qualquer governo), não é
correto colocar toda a culpa exclusivamente nas pessoas envolvidas. Com
frequência, o fracasso estatal é uma realidade irreversível, a qual já está enraizada na própria instituição do governo.
Em outras palavras, políticos e burocratas não são
bem-sucedidos em cumprir suas boas intenções simplesmente porque eles não têm como ser bem-sucedidos. É
impossível. A própria natureza do governo, a maneira como a máquina estatal
funciona, é naturalmente enviesada contra as genuínas boas intenções,
impossibilitando o sucesso.
Eis aqui as dez razões.
I.
Conhecimento
Todas as políticas estatais sofrem da pretensão do conhecimento.
Para conseguirem efetuar uma intervenção
bem-sucedida no mercado, políticos necessariamente terão de saber mais do que é humanamente possível. O conhecimento
que existe no mercado não é algo centralizado, sistêmico, organizado e geral,
mas sim disperso, heterogêneo, específico e individual. Um punhado de políticos
simplesmente não tem como saber mais do que milhões de empreendedores,
investidores e consumidores interagindo diariamente no mercado, efetuando
compras e vendas.
É impossível um punhado de políticos vislumbrarem
uma falha nesta interação e, em seguida, identificarem exatamente o que deve
ser feito e como deve ser feito. Não apenas não há os instrumentos para isso (o
que classifica uma interação como sendo uma "falha de mercado"?), como também, e pior
ainda, não há um sistema de incentivos que possibilite isso (o que o político
pode fazer para levar a uma situação melhor, e que não possa ser
voluntariamente feito por empreendedores, investidores e consumidores?).
Mas piora.
Diferentemente de uma economia de mercado, na qual
há vários participantes submetidos a um contínuo processo de tentativa e erro, a percepção
e a subsequente correção de erros praticados
pelo estado sempre será limitada, pois o governo é um monopólio, e
monopólios não permitem uma fácil identificação de erros. Adicionalmente, para
o político, admitir um erro quase sempre é pior para sua reputação do que
insistir no erro — mesmo que isso vá contra seu próprio julgamento.
II.
Assimetrias de informação
Embora também haja assimetrias de informação
no mercado — por exemplo, entre a seguradora e o segurado, ou entre o vendedor
e o comprador de um carro usado —, a assimetria de informação é mais profunda
no setor público do que na economia privada.
No mercado, vários mecanismos que permitem mitigar
ao máximo as informações assimétricas surgem espontaneamente,
pois tal atividade é lucrativa para empreendedores. O mesmo não ocorre para o
governo.
Ao passo que há, por exemplo, várias seguradoras e
várias revendedoras de carros, há apenas um governo. Os políticos que
representam o estado não têm a pele em jogo, isto é,
eles não pagam pelos erros. Consequentemente, eles não têm por que despender
muitos esforços para investigar e evitar assimetrias de informação. Ao
contrário: políticos são tipicamente ansiosos para fornecer fundos não para
aqueles que mais precisam deles, mas sim para aqueles que são mais relevantes
dentro do jogo do poder político.
III.
Deslocando o setor privado
Intervenções estatais não apenas não eliminam aquilo
que parecem ser deficiências de mercado, como também criam essas próprias deficiências
ao deslocarem o setor privado da área. Fenômeno tecnicamente conhecido como crowding-out, ele
ocorre quando o aumento do envolvimento do governo em um setor da economia
afeta sobremaneira o resto do mercado, tanto no lado da oferta quanto da
demanda.
Se, por exemplo, não houvesse uma dominância estatal
nas áreas de saúde e assistência social, hospitais de entidades religiosas e
instituições de caridade preencheriam a lacuna, como de fato ocorria antes de o
governo usurpar estas atividades. (Eis o melhor e mais
sucinto artigo ilustrando este fenômeno).
O deslocamento do setor privado por meio de
políticas estatais é algo que ocorre continuamente porque os políticos sabem
que irão conseguir votos ao oferecerem serviços públicos adicionais — mesmo
com a inevitável consequência de que a administração pública não irá melhorar,
mas sim deteriorar o setor.
IV.
Diferença entre diagnóstico e efeito das medidas
Há um enorme intervalo de tempo entre o diagnóstico
do problema e os efeitos da intervenção estatal.
O processo governamental está preocupado com o
poder, e sua antena captura apenas aqueles sinais que são relevantes para o
jogo do poder. Somente quando um assunto estiver suficientemente politizado ele
terá a atenção do governo. Ato contínuo, soluções serão estudadas. Após o
assunto receber atenção e ser diagnosticado, outra demora ocorrerá até que as
autoridades encontrem um consenso em relação a como abordar o problema
político. E então haverá nova demora até que os meios políticos adequados
encontrem o necessário apoio da opinião pública.
Após as medidas serem finalmente implantadas, um
novo intervalo de tempo ocorrerá até que elas apresentem seus efeitos (os quais,
como discutido nos itens e I e II, não irão funcionar como previsto).
O intervalo de tempo entre a articulação de um
problema e o efeito das medidas adotadas é tão longo, que a natureza do
problema original e seu contexto já serão fundamentalmente diferentes.
Dois exemplos recentes de políticas intervencionistas
desastradas.
a) Governo decide que deve facilitar a aquisição de caminhões.
Ato contínuo, direciona
maciços subsídios para o setor, facilitando a aquisição de caminhões por
caminhoneiros. Número de caminhões em circulação aumenta e, consequentemente, preço
do frete cai. Tempos depois, o preço do diesel dispara. Caminhoneiros ficam insatisfeitos e protestam.
O governo então decreta
subsídios e preços mínimos de frete para ajudar caminhoneiros. Os subsídios
pioram as contas do governo (o que em nada ajuda o câmbio) e a tabela do frete faz
com que caminhoneiros enfrentem
novas dificuldades.
b) Governo resolve fazer populismo fácil e diz que
as contas de luz estão altas (sendo que não estão), decretando
intervenção no setor, com controle de preços, subsídios e revisão de
contratos. Como consequência, investimentos desabam, distribuidoras
ficam insolventes, oferta escasseia, preço sobe e o Tesouro
tem de arcar com tudo. Após um tempo, a medida se torna insustentável para
as contas públicas e os preços
são reajustados para níveis mais realistas, disparando
até 80% de uma só vez.
Não é surpresa nenhuma que os resultados das
intervenções estatais, o que inclui a política monetária,
não apenas passem longe dos objetivos originais, como ainda geram o resultado
oposto do intencionado.
V.
A criação de privilégios
A intervenção estatal cria o fenômeno do rent seeking —
ou "busca pela renda" —, que nada mais é do que a atividade de
conquistar privilégios e benefícios não pelo mercado, mas pela influência
política. Neste arranjo, produtores concorrem entre si para ganhar favores de
políticos, e não para oferecer a clientes produtos e serviços melhores ou mais
baratos. O grosso do lucro advém de privilégios garantidos junto ao governo e
não da oferta de bens e serviços aos consumidores.
Crédito subsidiado,
patrocínios estatais, tarifas de importação que criam reservas de mercado, agências reguladoras que
cartelizam o mercado e dificultam a entrada de novos concorrentes, regulamentações
profissionais que aumentam a barreira de entrada de novos
concorrentes, pensões, e contratos superfaturados — tudo isso são exemplos de privilégios
que criam o rent seeking.
Em uma democracia, há uma constante pressão para se
acrescentar novos privilégios aos já existentes com o intuito de ganhar apoio
eleitoral e votos. Essa criação de novos privilégios, obviamente, expande o
número de pessoas que irão se organizar para se beneficiar destes privilégios.
Ao longo do tempo, a
distinção entre corrupção e conduta decente e legal vai desaparecendo.
Quanto mais o governo cede no campo dos privilégios
e incentiva o rent seeking, mais o
país se torna vítima do corporativismo, do clientelismo, da corrupção e da má
alocação de recursos.
VI.
As trocas de favores
A teoria da Escolha Pública rotulou este fenômeno de
logrolling ("rolamento
de troncos"). No Brasil, ele ficou popularizado como tomá-lá-dá-cá.
Tal fenômeno nada mais é do que as trocas de favores
entre facções políticas com o intuito de que os projetos defendidos por uma facção
sejam aprovados em troca do apoio desta facção aos projetos da outra facção.
Esta conduta, obviamente, gera uma contínua expansão
da atividade estatal.
Por meio desta troca de favores, um grupo de deputados
apóia legislações criadas por outro grupo de deputados em troca de terem o apoio
político deste outro grupo para seus próprios projetos. Este comportamento gera
o fenômeno da "inflação legislativa", a avalanche de leis inúteis,
contraditores e deletérias, as quais só fazem emperrar a produtividade e a criação
de riqueza do país.
VII.
O Bem Comum
O tão venerado "bem comum" não é um conceito bem
definido. Termos similares, como "bens públicos", os
quais são definidos como bens não-rivais e não-excludentes, erram o alvo porque
não é o bem que é 'comum' ou 'público', mas sim seu fornecimento, o qual é considerado
mais eficiente quando feito pelo esforço coletivo em vez de pelo individual.
Entretanto, este raciocínio vale para todos os bens. Não faz sentido lógico dizer que o mercado
é melhor para fornecer alimentos, mas pior para fornecer iluminação de ruas. O próprio
mercado é um sistema que fornece bens privados por meio de esforços
cooperativos. A economia de mercado é uma fornecedora coletiva bens, pois ela combina competição com cooperação.
Qualquer um dos chamados "bens públicos", que são fornecidos pelo governo, também
podem ser fornecidos pelo setor privado, e de maneira mais barata e
mais eficiente.
Ao contrário do estado, a cooperação em uma economia
de mercado inclui também a concorrência. Sendo assim, havendo concorrência e cooperação,
não só a eficiência econômica mas também os incentivos para se inovar são muito
maiores.
VIII.
A captura regulatória
O termo captura regulatória denota uma falha
governamental que ocorre quando a agência reguladora, em vez de perseguir seu
objetivo original de promover o "interesse público", se torna vítima dos grupos
de interesse formados exatamente por aqueles setores que a agência deveria
regular.
A captura do corpo regulatório por grupos de
interesse significa que a agência, em vez de fiscalizar e regular, passa a ser
usada para defender e promover os interesses especiais dos setores que eram o
alvo da regulação. Para este propósito, os grupos de interesse irão fazer lobby
para a aprovação de regulações extras que irão, de um lado, afetar o surgimento
de concorrentes e, de outro, garantir fiscalizações mais lenientes sobre si próprios.
Veja aqui e aqui dois artigos
ilustrativos sobre isso.
IX.
Não há visão de longo prazo
O máximo horizonte temporal político é a próxima eleição.
Em seu esforço para garantir que os benefícios das
medidas políticas sejam rapidamente sentidos por sua base eleitoral, o político
irá favorecer projetos populistas de curto prazo em detrimento de projetos
sensatos de longo prazo. Os benefícios dos projetos sensatos de longo prazo
(como reforma da previdência e flexibilização das leis trabalhistas) não só
demoram a aparecer, como também seus custos imediatos são mais palpáveis. Já os
projetos de curto prazo (aumento de gastos e aumento da dívida pública) podem trazer
aparentes benefícios imediatos, mas seus custos futuros serão enormes.
No longo prazo, quando os efeitos nocivos se
manifestarem, o político não mais estará lá.
Dado que as medidas que visam ao curto prazo rompem o elo entre o
beneficiário (geração atual) e aquele que arca com os custos (a geração futura),
a preferência temporal por medidas populistas que aparentemente são benéficas no
curto prazo (mas trágicas no longo prazo) se torna irresistível.
X.
A ignorância racional
É racional que o indivíduo eleitor, em uma
democracia de massa, queira se manter alheio em relação aos assuntos políticos,
pois o valor do voto individual é tão pequeno, que praticamente não faz diferença
no resultado final. O eleitor racional irá votar naqueles candidatos que prometam os
maiores benefícios em troca dos menores esforços.
Dado o pequeno peso de um voto individual em uma
democracia de massas, o eleitor racional não irá dedicar muito tempo e esforço para
investigar se as promessas são realistas ou se estão em colisão com seus outros
desejos. Ele apenas irá para aquele que soar mais belo. Consequentemente, as
campanhas políticas não têm o objetivo de ser informativas e educativas, mas
sim de desinformarem, serem confusas e causarem discórdia. O que vale, no fim,
é conseguir votos.
Não é a solidez do programa o que conta, mas sim o
entusiasmo que um candidato pode criar junto a seus apoiadores (bem como o
quanto ele pode caluniar seus oponentes). Como consequência, as campanhas eleitorais sempre
incitam o ódio, a polarização e o desejo de vingança.
E isso é o oposto do que faz uma economia de mercado
— que se baseia na produção, na cooperação e na satisfação de demandas —
prosperar e enriquecer.