Ao
que tudo indica, o presidente russo Vladimir Putin gostaria de ignorar a Revolução
Bolchevique, que completa 100 anos este mês (ela
ocorreu no dia 25 de outubro de 1917 pelo calendário juliano ou 7 de novembro
pelo calendário gregoriano). Segundo a imprensa, Putin disse aos seus
conselheiros que seria desnecessário
comemorar a ocasião.
Sábia
decisão. Não há nada do que se orgulhar nesta data.
Começou com a Revolução de 1917
Os
horrores do socialismo do século XX — de Lênin,
Stalin,
Hitler,
Mussolini,
Fidel
Castro, Mao
e Pol-Pot
— são frutos de 1917.
Setenta
anos antes, Marx e Engels previram
que a derrubada da burguesia requereria
muita violência e "uma ditadura do proletariado [...] para eliminar os
eventuais resquícios de elementos capitalistas."
Lênin
conduziu esta "eliminação" recorrendo ao terror
indiscriminado, assim como os socialistas russos
haviam feito antes dele e outros continuariam fazendo após sua morte.
O
falecido Rudolph Rummel, o demógrafo perito em contabilizar todos os homicídios
em massa causados por governos, estimou o total de vidas
humanas dizimadas pelo socialismo do século XX em 61
milhões na União Soviética, 78 milhões na China, e aproximadamente 200 milhões ao
redor do mundo. Todas essas vítimas pereceram de inanições
causadas pelo estado, coletivizações
forçadas, revoluções
culturais, expurgos
e purificações, campanhas contra a
renda não-merecida, e outros experimentos
diabólicos envolvendo engenharia social.
Em
termos de monstruosidade, esse terror simplesmente não encontra paralelos na
história humana.
O
golpe dado por Lênin no dia 7 de novembro de 1917, o dia em que o governo
provisório de Kerensky caiu perante as forças bolcheviques, abriu uma nova
etapa na história humana: um regime de escravidão do povo. Marx e Engels haviam
definido o socialismo como "abolição da propriedade privada". Na prática, o
componente mais fundamental da propriedade privada — a propriedade do
indivíduo sobre si próprio — foi o primeiro a ser abolido.
O
planejamento econômico coletivista deu início à coerção, à violência
generalizada e aos homicídios em massa.
Destruição no atacado
Os
maiores alvos dos marxistas sempre foram a
família, a
religião e a sociedade
civil — obstáculos institucionais à imposição do estado
onipotente. Com os bolcheviques no poder, Lênin se dedicou com ímpeto à
destruição destas instituições.
O
assassinato de crianças se tornou uma norma após Lênin ter ordenado a execução do
czar Nicolau II, de sua mulher Alexandra e de seus cinco filhos. Milhões de
famílias foram capturadas, presas e coercivamente realocadas para as remotas e
desabitadas regiões da Sibéria e do Cazaquistão. Durante a jornada ao exílio,
centenas de milhares de crianças morreram enfermas ou de inanição, sendo
enterradas em volumosas
covas coletivas sem qualquer identificação.
Em
1935, Stalin introduziu o Artigo 12 do Código Criminal da URSS, o qual permitia
que crianças a partir de 12
anos de idade pudessem ser condenadas à morte ou
encarceradas como adultas. Esta "lei" foi criada visando especificamente às
crianças órfãs
das vítimas do regime, sob a crença de que, se os pais eram
"reacionários", então seus filhos também seriam. Várias dessas crianças, cujos
pais haviam sido encarcerados ou executados, eram conhecidas como bezprizorni,
isto é, crianças de rua. Elas foram enviadas para celas imundas e
desguarnecidas localizadas em gulags selvagens e violentos, onde foram misturadas
a perigosos criminosos. Nestas celas, as crianças eram brutalizadas e
estupradas tanto pelos guardas quanto pelos criminosos comuns.
A
União Soviética foi o primeiro estado a ter como objetivo ideológico e prático
a eliminação da religião — ou, em outras palavras, o extermínio físico de
pessoas religiosas. Com o decreto de Lênin de 20 de janeiro de 1918, deu-se
início à estatização
das propriedades eclesiásticas: igrejas, catedrais,
capelas, pátios das igrejas e todos os edifícios pertencentes a igrejas foram
espoliados e saqueados, e todos os itens valiosos (ouro, prata, platina,
quadros, ícones, artefatos históricos) foram ou roubados por comunistas ou
vendidos ao Ocidente via burocratas do governo, simpatizantes comunistas, e até
mesmo viajantes simpatizantes do regime, como o magnata americano Armand
Hammer, que conheceu Lênin em 1921.
Ser
religioso na União Soviética quase sempre significava uma sentença de morte. O
objetivo era o monopólio completo e absoluto do estado sobre as idéias e o
espírito das pessoas. E a maneira de fazer isso era por meio da imposição de
uma religião secular, o socialismo. Praticamente todos os clérigos e milhões de
devotos de todas as religiões tradicionais foram ou fuzilados ou enviados para
campos de trabalhos forçados. Seminários foram fechados e publicações
religiosas, proibidas.
O
marxismo-leninismo almejava ser um "socialismo científico", capaz de apresentar
a explicação universal para a natureza, a vida e a sociedade. No entanto,
quaisquer desvios em relação a esta ideologia, especialmente o uso de métodos
da tradicional ciência "burguesa", eram punidos com morte. A
perseguição aos cientistas não alinhados — que deu origem ao lysenkoismo
— acabou se degenerando em um verdadeiro genocídio da classe. E a ciência
russa, que até então havia prosperado aceleradamente, entrou em rápido
declínio.
Um fracasso abjeto
Em
dezembro de 1991, após setenta e quatro anos de caos, destruição e miséria, a
Revolução Bolchevique fracassou e finalmente foi oficialmente abolida. O país
mais extenso da terra, repleto de abundantes recursos naturais de todos os
tipos, não mais conseguia nem sequer suprir as necessidades básicas de seus cidadãos.
Sem
propriedade privada sobre os meios de produção, sem uma economia de mercado com
um sistema de preços livres, e sem ter como fazer cálculo de lucros e prejuízos,
o arranjo simplesmente não
tinha como alocar racionalmente recursos escassos.
O
mais lamentável é que tudo isso era perfeitamente evitável. Ainda em 1920, Ludwig
von Mises já havia demonstrado de maneira até hoje irrefutável que o socialismo,
além de utópico, era um esquema ilógico, antieconômico e impraticável em sua
essência. Ele é impossível e destinado ao fracasso porque desprovido da
fundamentação lógica da economia: o socialismo não fornece meio algum para se
fazer qualquer cálculo econômico objetivo — o que, por conseguinte, impede que
os recursos sejam alocados em suas aplicações mais produtivas.
E
a efetiva implantação prática do socialismo mostrou a total validade da análise
de Mises. O socialismo tentou substituir bilhões de decisões individuais feitas
por consumidores soberanos no mercado por um "planejamento econômico
racional" feito por uma comissão de iluminados investida do poder de determinar
tudo o que seria produzido e consumido, bem como quando, como e quem faria a
produção e o consumo. Isso gerou escassez generalizada, fome e frustração em
massa. Quando o governo soviético decidiu determinar 22 milhões de preços,
460.000 salários e mais de 90 milhões de funções para os 110 milhões de
funcionários do governo, o caos e a escassez foram o inevitável
resultado. O estado socialista destruiu a ética inerente ao trabalho,
privou as pessoas da oportunidade e da iniciativa de empreender, e difundiu amplamente
uma mentalidade assistencialista.
O
socialismo produziu monstros como Stalin e Mao Tsé-tung, e cometeu crimes até
então sem precedentes contra a humanidade, em todos os estados
comunistas. A destruição da Rússia e do Camboja, bem como a humilhação sofrida pela
população da China e do Leste Europeu, não foram causadas por "distorções do socialismo",
como os defensores dessa doutrina gostam de argumentar. Elas são, isto sim, a
consequência inevitável da destruição do mercado, que começou com a tentativa
de se substituir as decisões econômicas de indivíduos livres pela
"sabedoria dos planejadores".
O
fracasso do socialismo não depende da cultura, da época ou da localização das
vítimas. Vai da Alemanha à Venezuela; de Cuba ao Camboja; da Coreia à
Nicarágua. O socialismo já é falho em seu núcleo: a propriedade
"coletiva" dos meios de produção. Sendo assim, não há como criar
uma versão funcional e produtiva do socialismo em lugar nenhum do mundo.
Na
prática, os problemas teóricos do socialismo geram convulsões sociais e
protestos, os quais são combatidos com rigor pelas forças policiais do estado,
resultando em uma carnificina maior
que a de todas as guerras oficiais já travadas no mundo. Quando o povo se torna
faminto e infeliz, é impossível o estado sobreviver caso esse povo saiba que há
pessoas em outros lugares do usufruindo uma vida muito melhor. Por isso,
os estados comunistas recorrem à propaganda, à desinformação e à censura para
fazer com que uma já cativa população fique ainda mais confusa e submissa.
Infelizmente,
em 1920, o entusiasmo pelo socialismo era tão forte, principalmente entre os
intelectuais ocidentais, que os alertas de Mises foram totalmente ignorados. E a
humanidade pagou caro por isso.
A ameaça sempre existe
Tendo
por base minha própria vida na União Soviética, período esse que acabou no
mesmo ano em que Vladimir Putin relatou aos seus chefes do KGB o colapso do
Muro de Berlim, posso apenas atestar toda a validade da declaração feita por
Ludwig von Mises de que o socialismo equivale a uma "revolta contra a economia".
E,
no entanto, o socialismo ainda possui milhões de simpatizantes no Ocidente. Muitos
acreditam que o socialismo é bom, e que o comunismo, o fascismo e o nazismo é
que são violentos e anti-democráticos. A mentalidade anticapitalista gerou homicídios
em massa em todos os países socialistas, e segue gerando sofrimento até hoje nos locais em que ainda é
experimentado.
A
União Soviética já acabou, assim como as enormes estatuas de Marx e Lênin que
literalmente emporcalhavam várias cidades do Leste Europeu. Porém, idéias têm
consequências, e nenhum outro corpo de idéias atraiu um número maior de
seguidores devotos do que o marxismo-leninismo.
Se
o poderoso argumento da impossibilidade do cálculo econômico sob o socialismo e
a astronômica carnificina gerada por esse regime ainda não foram capazes de
desanimar a esquerda em suas reiteradas exortações por mais socialismo, então
nada mais o fará.
Há
um aforismo russo que diz: "A única lição da história é que não aprendemos nada
com a história". Para um enorme número de pessoas — que continuam ignorando
que o socialismo é uma ideia falida e mortal, tanto na teoria quanto na prática
— isso nunca foi tão verdadeiro.