segunda-feira, 12 out 2020
Foram incontáveis as vezes que ouvi essas duas
frases de efeito sobre a importância da educação escolar:
"A escola não é sobre aprender coisas específicas. É
sobre aprender a como aprender."
"A escola não é sobre como resolver algum problema
específico. É sobre aprender a como pensar."
Os seguidores dessas idéias frequentemente partem do
princípio de que a melhor maneira de as crianças aprenderem a como aprender e a
como pensar é por meio da escola.
Tais pessoas consideram perfeitamente aceitável o
fato de que as coisas que as crianças aprendem na escola não serão diretamente úteis
para elas fora da escola, pois acreditam que essas "meta-habilidades" de
aprender e de pensar são perfeitamente transferíveis para o futuro, quando então,
já na vida adulta, poderão ser utilizadas para conseguir os conhecimentos e as habilidades
demandadas pelo mercado.
Só que este aprendizado imposto é totalmente antitético
àquela outra habilidade realmente transferível e muito mais fundamentalmente
importante: o entusiasmo.
O entusiasmo é a devoção genuína e espontânea a uma
busca. É o impulso voluntário que nos leva a querer se aprofundar em algo,
por pura paixão. O entusiasmo é a mais fundamental das habilidades transferíveis,
pois é o mais poderoso motivador do aprendizado e da criatividade. Em qualquer área.
Por definição, o entusiasmo e a paixão não podem ser
ensinados por meio de lições obrigatórias e compulsórias. O entusiasmo é como
se fosse uma planta que só pode ser silvestre; que não pode ser cultivada por
qualquer outra coisa senão a liberdade.
Acabando
com o entusiasmo das crianças
Toda criança normal já nasce dotada de entusiasmos
naturais. Elas são inerentemente dotadas de curiosidades. Elas são ávidas para
explorar as coisas do mundo. Elas adoram observar e interagir com o mundo ao
seu redor com grande entusiasmo e dedicação.
E, sob a adequada liberdade, esse entusiasmo irá
crescer com o tempo e a experiência. Em algumas ocasiões, o entusiasmo chegará
ao ponto da obsessão. As crianças irão se tornar obcecadas ou por alguma
atividade específica (um esporte, um videogame, uma arte criativa etc.) ou por um assunto (dinossauros, uma linha de brinquedos, carros, aviões etc.).
Para os olhos de um adulto, esta obsessão poderá
parecer inútil ou excessiva. Afinal, como é que um conhecimento profundo sobre
Pokémon irá melhorar o futuro de uma criança? Mas eis aí o grande erro: a parte
crucial não é o fato de a criança estar aprendendo tudo sobre Pokémon, mas sim
o fato de que a criança, ao seguir o seu êxtase (para utilizar uma frase de Joseph Campbell),
está aprendendo a como ficar absorta em algo; a como se aprofundar
completamente em um assunto.
Esta, de novo, é a mais fundamental das habilidades transferíveis.
No futuro, será esta propensão — construída na infância — à imersão voluntária
e entusiasmada que o indivíduo poderá utilizar para dominar qualquer arte, assunto,
trabalho manual, ocupação: desde design gráfico até administração de negócios e
programação de computadores.
Só que os pais, os professores e todos os burocratas
que criam os currículos do sistema escolar frequentemente fazem de tudo para
oprimir e esmagar o desenvolvimento desta paixão. As crianças são tolhidas de
seguir seus próprios interesses e compulsoriamente redirecionadas para fazer
apenas aquilo que os adultos consideram ser mais importante. E mesmo essas
atividades impostas também não são aprofundadas. Com o intuito de deixar a criança
"mais experiente" e "mais madura", as atividades são continuamente
interrompidas e alteradas. Apenas
explorações superficiais são permitidas.
O doutor Peter Gray, professor de psicologia do
Boston College e especialista no assunto, escreveu todo um livro, intitulado Livre
para Aprender, relatando inúmeros exemplos práticos de como o sistema
escolar compulsório mata o entusiasmo e a motivação das crianças. Em seu artigo
"A
escola é uma prisão e está destruindo nossas crianças", ele diz:
Esta incrível vontade de aprender e esta
enorme capacidade de aprendizado não são desligadas quando a criança faz 5 ou 6
anos de idade. Nós é que as desligamos por meio de nosso coercitivo sistema de
educação compulsória. A maior e mais duradoura lição trazida pelo nosso sistema
escolar é que aprender é algo maçante, que deve ser evitado ao máximo possível.
Ainda segundo Gray, o entusiasmo e o impulso natural
pelo aprendizado são continuamente substituídos por um sistema de controle social
que ensina às crianças que seus interesses e observações não mais importam.
Em nome da educação escolar, estamos
cada vez mais roubando das crianças o tempo e a liberdade de que necessitam
para se educarem por conta própria por meio de seus próprios métodos. Criamos
um arranjo educacional no qual as crianças devem suprimir seus instintos
naturais — os quais as estimulam a estar no controle do próprio aprendizado —
para, em vez disso, simplesmente seguirem automaticamente métodos e caminhos
criados para elas por adultos, e os quais não levam a lugar nenhum.
Já o conhecido educador e
defensor do ensino doméstico (homeschooling) John Holt escreveu o
seguinte em seu livro — hoje best-seller — Como as Crianças Aprendem:
Queremos acreditar que estamos enviando
nossas crianças para a escola para que elas aprendam a pensar. Mas o que
realmente estamos fazendo é ensinando-as a pensar de maneira errada. Pior:
estamos ensinando-as a abandonar uma maneira natural e poderosa de pensar e a
adotar um método que não funciona para elas e o qual nós mesmos raramente
usamos.
Ainda pior do que tudo isso: nós
tentamos convencê-las de que, ao menos dentro da escola, ou mesmo em qualquer
situação em que palavras, símbolos ou pensamento abstrato estejam envolvidos,
elas simplesmente não podem pensar. Devem apenas repetir.
No final, quando a criança sai do sistema escolar
compulsório, sua capacidade de entusiasmo — a paixão genuína e espontânea a
uma busca — está completamente atrofiada. Ela não mais pode seguir suas paixões
simplesmente porque ela já se esqueceu de que tal coisa existe. A única coisa
que pode impulsioná-la a realizar algo é a motivação externa dada por figuras
de autoridades. Tudo o que ela aprendeu é que deve fazer apenas aquilo que os
outros consideram bom para ela.
Consequentemente, no trabalho e na vida em geral,
essa pessoa ficará à deriva. Será um adulto que irá apenas a reboque dos outros,
sem rumo certo na vida.
Meu
caso
Lembro-me de ter tido, no início de minha infância,
uma sucessão de manias que à época eu chamava de "febres". Eu descobria um determinado
assunto e então ele dominava minhas atenções e interesses por meses. E então,
com o tempo, eu ficava saciado e me dava por satisfeito, e ia então para o
assunto seguinte. Tive várias fases. Fui obcecado com dinossauros, depois com
animais em geral (colecionava os nomes científicos de todas as espécies que
saíam nas revistas da National Geographic), depois com He-Man, Transformers
etc.
E então minha suscetibilidade a contrair essas
febres foi sendo interrompida e finalmente vencida por essa verdadeira máquina
de moer chamada de "sistema escolar compulsório". Fui dominado pela apatia e
tive uma crise existencial. E isso durou até a universidade.
Porém, quando finalmente me formei, minha capacidade
de paixão e entusiasmo voltou, e veio forte. Reaprender a habilidade da obsessão
e do entusiasmo foi uma das mais importantes etapas do meu processo de "desescolarização".
Vencida a crise existencial, tornei-me obcecado em
estudar teologia e cosmologia. Após perceber que eu não compreendia o mundo à
minha volta, tornei-me obcecado em aprender
sobre a história do mundo, e me tornei autodidata no assunto. Após descobrir
as idéias da liberdade, tornei-me obcecado em
estudar por conta própria os princípios da Escola Austríaca de Pensamento Econômico
e a filosofia política do libertarianismo. Deixar-me ser levado por meu êxtase
ao longo desses caminhos de obsessão finalmente me
levou a uma carreira profissional bem-sucedida e gratificante.
Meu único arrependimento é que esta feliz progressão
tenha sido tão longamente postergada por aquele martírio devorador de entusiasmos
e arrefecedor de espíritos que é o sistema escolar compulsório.
Conclusão
Não ceda à tentação de frustrar as paixões de seus jovens filhos; não restrinja
suas obsessões. Confie nas escolhas deles. Deixe-os cultivar sua capacidade
nata de se devotar com entusiasmo, paixão e júbilo às suas próprias buscas. A paixão
e o entusiasmo são os ativos mais preciosos deles: a habilidade fundamental que
irá gerar todas as outras habilidades. Não roube isso deles. Deixe-os livre para construir suas paixões. Isso lhe deixará
orgulhoso no futuro.
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