segunda-feira, 13 abr 2020
Nota do editor
O artigo a seguir foi originalmente publicado em agosto de 2017. Dado que o assunto nunca morre, e considerando que agora, em meio à pandemia de Covid-19, ele voltou à baila com mais força do que nunca (já são quatro projetos no Senado), vale a pena revisitar os problemas trazidos por essa prática.
Os problemas discutidos no artigo abaixo levam em conta uma situação econômica normal. Desnecessário enfatizar que todos os problemas listados seriam ainda piores em um cenário de depressão econômica repleto de incertezas.
_______________________________________
Não são poucos os que acreditam que obrigar os mais
ricos a pagar mais impostos seja uma política "socialmente justa" e
"boa para o país".
Com efeito, não seria exagero afirmar que, no geral,
as pessoas ficariam contentes se terceiros pagassem suas contas. E governos
costumam ser ótimos em insuflar este sentimento assistencialista.
O problema é que há vários problemas inevitáveis gerados
por um aumento de impostos sobre os mais ricos. Deixando as questões morais de lado — nunca é ético e justo aumentar o confisco sobre os mais bem sucedidos —, eis as quatro principais consequências econômicas desta medida.
1. Aumentar impostos sobre os ricos
afeta os mais pobres
O aspecto mais importante a ser observado é que
é impossível isolar os custos de qualquer imposto. No
caso dos impostos indiretos — os quais absolutamente todas as pessoas pagam —
isso é explícito. Mas o que poucos entendem é que isso também é válido
para os impostos diretos, principalmente sobre a renda.
A maioria das pessoas pensa que cada indivíduo paga,
sozinho, seus impostos diretos. Mas essa crença é demonstravelmente
falsa.
Se, por exemplo, a alíquota do imposto de renda que
incide sobre as rendas mais altas fosse elevada em 30% (valor próximo ao
aumento que chegou a ser aventado pelo governo, que queria elevar a alíquota máxima
de 27,5% para 35%, o que corresponderia um aumento de 27%), os trabalhadores de
renda mais alta reagiriam a isso negociando um aumento salarial.
Por se tratarem de pessoas que ganham bem, então,
por definição, elas são produtivas (não ganhariam bem no setor privado se
fossem improdutivas). Logo, por se tratar de pessoas produtivas, elas têm poder
de barganha junto a seus empregadores, e irão pleitear esse aumento salarial
para contrabalançar o aumento de confisco de sua renda pelo governo.
Se essas pessoas conseguirem um aumento salarial de,
por exemplo, 15%, isso significa que praticamente metade do aumento de 30% da
carga tributária foi repassada aos seus empregadores.
Essa maior alíquota do imposto de renda reduziu os
salários líquidos; o consequente aumento nos salários elevou os
salários brutos. Neste ponto, a exata divisão do fardo
tributário entre empregados e empregadores vai depender do relativo poder de
barganha entre eles no mercado de trabalho. O que interessa é que os
empregados de maior renda irão repassar uma parte, se não a maior parte, de
qualquer aumento em seu imposto de renda para seus empregadores.
Consequentemente, estes empregadores irão contratar
menos empregados — ou tentarão contratar oferecendo salários bem menores, algo
difícil —, e irão tentar repassar esse aumento nos custos trabalhistas para os
consumidores, na forma de preços maiores. Esse aumento, no entanto, vai
depender do relativo poder de barganha entre o vendedor e seus clientes, bem
como do nível de concorrência no mercado.
Os empresários irão repassar estes maiores custos
aos consumidores até o ponto em que possam elevar preços sem sofrer uma
relativamente grande perda no volume de vendas. Desta forma, os
consumidores que ainda continuarem comprando a estes preços maiores estarão
pagando parte do aumento na carga tributária que supostamente deveria afetar
apenas os "mais ricos".
Consequentemente, a classe média e os pobres acabarão
pagando parte daquele aumento do imposto de renda que visava a atacar apenas os
ricos, por causa dos maiores preços dos bens e serviços.
Qualquer aumento no imposto de renda da camada mais
rica da população — seja o 1% mais rico ou os 5% mais ricos — irá acabar por
elevar os custos sobre toda a população.
É possível contra-argumentar dizendo que o repasse
para os preços desse aumento no imposto de renda seria muito pequeno. Talvez
apenas uma pequena porcentagem da elevação do imposto de renda, o qual foi
repassado aos empregadores, seria repassada aos consumidores na forma de preços
maiores. Só que, se isso ocorrer, o efeito de longo prazo será ainda
pior.
Se os empregadores tiverem de arcar com uma elevação
marginal dos custos trabalhistas sem uma correspondente elevação marginal de
sua receita, suas margens de lucro diminuirão. Redução nos lucros
significa menos investimentos. E menos investimentos inibem um maior
crescimento econômico. Um menor crescimento econômico significa menores
aumentos nos salários e na renda de toda a população.
Os efeitos dos impostos sobre o crescimento
econômico, portanto, são bem mais indiretos do que se imagina.
Primeira conclusão: ao menos alguma porcentagem dos
impostos que foram aumentados sobre os ricos serão repassados a todos os
consumidores — e isso prejudicará majoritariamente os mais pobres. Qualquer
aumento de impostos sobre um grupo acabará sendo compartilhado por todos. E não
há nada que as autoridades estatais possam fazer quanto a isso. Os
indivíduos de mais alta renda irão arcar com apenas uma fatia do aumento
ocorrido em suas alíquotas. E essa importante constatação quase nunca é
reconhecida. E é dessa maneira que um imposto sobre um se transforma em um
imposto sobre todos.
Não há como isolar um aumento de imposto.
2.
Não existe dinheiro ocioso; toda tributação diminui investimentos
Os mais ricos podem fazer três coisas com o dinheiro
que ganham: consumir, investir ou doar para alguma caridade.
Se ele doar, estará ajudando os necessitados. Se ele
gastar em consumo, estará garantindo emprego e renda naqueles setores que o
servem. Se ele investir, estará estimulando o crescimento econômico e gerando
empregos.
A verdade é que, ao contrário do muitos ainda
imaginam, o dinheiro dos ricos não fica parado dentro de uma gaveta.
Em nosso atual sistema monetário e financeiro, todo
o dinheiro está inevitavelmente em algum depósito bancário. Não importa se
o rico comprou ações, debêntures, títulos, CDBs, LCIs, LCAs ou LCs, aplicou em fundos
de investimento ou em fundos de ações: no final, este dinheiro caiu em alguma
conta bancária, e será emprestado pelos bancos para financiar
investimentos.
Com efeito, ao comprar títulos privados, ele está
diretamente financiando algum investimento.
Portanto, se a preocupação é dar um direcionamento
útil ao dinheiro dos ricos, não há por que se preocupar.
Se o governo tributar esse dinheiro, fará apenas que
o dinheiro que antes era ou doado, ou direcionado para determinados setores
(garantindo emprego e renda), ou investido em coisas produtivas seja
direcionado para o mero consumismo do governo, ficando sob os caprichos de seus
burocratas e bancando toda a máquina estatal. Isso seria uma simples e direta destruição
de capital.
Logo, impostos que recaem sobre a renda dos mais
ricos são um grande obstáculo aos investimentos produtivos, à formação de
capital e ao simples bem-estar de terceiros. É deste dinheiro que vem a
poupança necessária para os investimentos produtivos.
Aumentar impostos sobre este dinheiro será ainda
mais prejudicial para os mais pobres no longo prazo, pois se trata de uma
medida extremamente destrutiva para os investimentos e a formação de capital,
impedindo o consequente aumento da oferta de bens e serviços na economia, que é
justamente o que beneficia os mais pobres.
Por último, mas não menos importante, algumas
perguntas retóricas: o seu patrão é mais rico ou mais pobre que você? Se o
governo aumentar o confisco do dinheiro dele, seu emprego ficará mais garantido
ou menos garantido? Suas chances de aumentos salariais serão maiores ou
menores?
3. Ricos não são inertes; eles tendem a
proteger seu patrimônio
Um terceiro problema com um aumento de impostos
sobre as rendas mais altas é que algumas pessoas irão simplesmente deixar de
pagar esses impostos.
Gerard
Depardieu abandonou a França para não ser obrigado a pagar a nova
alíquota de 75% instituída pelo então governo socialista. E, dois anos
após anunciar
a nova alíquota, o governo francês se viu obrigado
a revogá-la, pois o aumento da arrecadação foi ínfimo (a alíquota afetava
apenas mil pessoas e proporcionou somente 250 milhões de euros a mais de
arrecadação).
O que ocorreu com Gerard Depardieu não foi o
primeiro e nem será o último caso de um auto-imposto exílio tributário. Nas
décadas de 1960 e 1970, o parlamento britânico elevou os impostos incidentes sobre
os britânicos mais ricos. A alíquota máxima sobre o imposto de renda foi
elevada para 83%. O governo britânico também elevou os impostos sobre
ganhos de capital em 15%.
Qual foi o resultado?
Ringo Starr e Roger Moore se mudaram para Mônaco.
David Bowie se mudou para a Suíça. Os Rolling Stones começaram a perambular
pelo mundo em busca de paraísos fiscais. Phil Collins, Michael Caine, Pink
Floyd, Led Zeppelin, Freddy Mercury, Sting, Frederick Forsyth e Sean Connery
deixaram o Reino Unido, pelo menos temporariamente, como exilados
fiscais.
Somente o principado de Mônaco abriga milhares de
exilados fiscais britânicos. Nos EUA, vários
americanos começaram a renunciar à cidadania americana para evitar impostos.
Trata-se de uma constatação empírica o fato de que
as pessoas com os maiores potenciais de ganhos — ou seja, as mais produtivas e
que geram mais
valor — são também as mais propensas a se mudarem.
Como bem explicou Thomas
Sowell:
No mundo real, só é possível
confiscar a riqueza que já existe em um dado momento. Não é possível confiscar
a riqueza futura; e é menos provável que essa riqueza futura seja produzida
quando as pessoas se derem conta de que ela também será confiscada.
Na indústria, no comércio e nos
serviços, as pessoas também não são objetos inertes. Os industriais, por
exemplo, e ao contrário dos agricultores, não estão amarrados ao solo de
nenhum país. Os financistas são ainda menos amarrados à sua terra,
especialmente hoje, quando vastas somas de dinheiro podem ser enviadas
eletronicamente, a um simples toque no computador, a qualquer parte do mundo.
Aqueles que sabem que serão o alvo
preferencial dos futuros confiscos podem imaginar o que está por vir e, consequentemente,
agir de acordo — normalmente, enviando seu dinheiro para o exterior ou
simplesmente saindo do país.
E conclui:
Entre os ativos mais valiosos de
qualquer país estão o conhecimento, as habilidades práticas e a experiência
produtiva — aquilo que os economistas chamam de "capital humano".
Quando pessoas bem-sucedidas e com um
grande capital humano deixam o país [...] haverá um estrago duradouro
na economia desse país.
As políticas confiscatórias
de Fidel Castro fizeram com que vários cubanos bem-sucedidos fugissem
para a Flórida, vários deles deixando grande parte da sua riqueza física
para trás. Mesmo refugiados e completamente destituídos, eles cresceram e
voltaram a prosperar na Flórida, tornando-se uma das comunidades mais ricas
daquele estado. Já a riqueza que eles deixaram para trás
em Cuba não impediu que as pessoas de lá se tornassem indigentes no
governo de Fidel. A riqueza duradoura que os refugiados levaram consigo
era o seu capital humano. A riqueza material que ficou para trás foi
consumida e não foi replicada.
Qualquer tentativa do governo de jogar o fardo
tributário exclusivamente sobre os mais ricos fará apenas com que cada vez mais
ricos deixem o país. E fará com que os mais pobres, que trabalhavam para
estes ricos, fiquem desempregados. Os Rolling Stones podem se mudar para onde
quiserem; já os técnicos de som e as pessoas que trabalhavam nos estúdios da
banda permanecem no país original, e agora sem trabalho.
Na mais branda das hipóteses, tais pessoas
simplesmente passarão a mandar mais dinheiro para o exterior.
Em nenhum país ocidental os ricos arcam
exclusivamente com os impostos; quem realmente fica com o grande fardo é a
classe média. Não há, em nenhuma sociedade, um número grande o bastante de
ricos que possam custear sozinhos os gigantescos gastos efetuados pelos estados
assistencialistas ocidentais. É ingenuidade crer que as pessoas mais ricas
irão simplesmente quedar inertes e aceitar pagar alíquotas mais altas.
4. Os gastos do governo aumentam de
acordo com a receita
O quarto problema com o aumento de impostos é que
isso simplesmente gera uma reedição da Lei de Parkinson: o
professor Cyril Northcote Parkinson afirmou que, em uma burocracia estatal,
"os gastos sobem de encontro à receita."
Sempre que o governo eleva impostos, ele eleva seus
gastos correntes. Os gastos do governo sempre sobem junto com o aumento
das receitas. Isso é uma empiria observada ao redor do mundo. Veja o
gráfico para o Brasil, em valores nominais mensais.
O gráfico a seguir mostra, na linha azul, a evolução das receitas tributárias líquidas do governo (deduzida das restituições e incentivos fiscais) e, na linha vermelha, a evolução das despesas. Detalhe: as despesas não incluem o pagamento do serviço da dívida (juros e amortizações).
Atenção: como se trata de uma média móvel de 12 meses, o valor na coluna da esquerda se refere a valores mensais. Na prática, um valor de R$ 100 bilhões significa que, em um período de 12 meses, este foi o valor médio arrecadado (ou despendido) pelo governo a cada mês. Para se ter uma ideia do valor anual, basta multiplicar o valor por 12 (meses).
(O gráfico foi
descontinuado em agosto de 2019 pelo Banco Central).

Fonte:
Banco Central
O gasto público sempre cresce concomitantemente à
receita, como mostra o gráfico acima. Não há nenhum motivo para crer que
"desta vez será diferente", e que um aumento dos impostos sobre os
ricos será efetivo e definitivo.
(Com efeito, perceba que, até 2014, havia um superávit primário. Ou seja, quando se desconsidera os gastos com o serviço da dívida, o governo arrecadava mais do que gastava. A partir do final de 2014, a realidade se inverte, e o governo passa a ter um até então inédito déficit primário, isto é, o governo passa a gastar mais do que arrecada, mesmo sem considerar os gastos com a dívida. Isso deixa claro que o problema está no descontrole dos gastos, e não em uma insuficiência de arrecadação).
Ademais, todo aumento de impostos sempre se traduz
majoritariamente em mais benesses para políticos, burocratas e todo o inchado
setor público, sem nenhum benefício líquido para o povo, que agora estará com
menos dinheiro no bolso. Um aumento de impostos consolida a
hipertrofia da burocracia estatal, aumentando ainda mais seu peso sobre o setor
produtivo e, consequentemente, afetando ainda mais o crescimento econômico e a criação
de riqueza.
E, como mostra a história, não há absolutamente
nenhum motivo para crer que um aumento de impostos sobre os ricos será
direcionado exclusivamente para o fim anunciado, qualquer que seja ele.
Conclusão
Vale repetir: não há, em nenhuma sociedade, um
número grande o bastante de ricos que possam custear sozinhos os gigantescos
gastos efetuados pelos estados ocidentais.
É ingenuidade crer que as pessoas mais ricas irão
simplesmente quedar inertes e aceitar pagar alíquotas mais altas.
No mais, é impossível estruturar a carga tributária
(ou os gastos do governo) de maneira neutra e isolada. A imposição de
novos impostos altera preços e salários de maneiras impossíveis de serem
previstas e difíceis de serem mensuradas mesmo após o fato já consumado. Tentativas
de "fazer os ricos pagarem mais" irão apenas aumentar o fardo
tributário mutuamente compartilhado por todos, por meio de uma maior tributação
indireta e oculta.
De resto, tentativas de resolver os problemas
fiscais do governo por meio de aumento de imposto são fúteis. A carga
tributária no Brasil não é baixa; os gastos é que são altos demais. A
única solução realista para o problema fiscal é obrigar o governo a cortar na própria
carne, abolindo ministérios, secretarias, autarquias, agências reguladoras,
deputados e senadores, e reduzindo subsídios e repasses a grupos de interesse.
Para começar, ele deveria cancelar todos os aumentos
programados para o funcionalismo público (a casta mais privilegiada do país) e
congelar os salários de funcionários do alto escalão da República.
O governo federal vem historicamente desperdiçando
dinheiro em corrupção, em programas ineficientes que só servem para beneficiar determinados
grupos de interesse, e na boa
vida de seus membros. Por que alguma classe social — qualquer classe
— deveria pagar mais impostos apenas para que os funcionários do estado e seus
amigos continuem embolsando esse dinheiro?
O desperdício de dinheiro público jamais deveria ser
tolerado por uma sociedade minimamente civilizada. No Brasil, o
desperdício já chegou a níveis calamitosos. Propostas para elevar
impostos sobre indivíduos ricos equivalem, na mais educada das hipóteses,
"a rearranjar as espreguiçadeiras do Titanic".
__________________________________________
Leia
também:
Os efeitos nefastos de um
ajuste fiscal baseado no aumento de impostos
Os "Panama Papers", os
refúgios fiscais e os hipócritas que defendem impostos mas não arcam com eles
A propriedade privada dos
ricos beneficia a todos e é responsável direta pelo nosso bem-estar