Graduar-se
em direito, no Brasil, é o mesmo que dizer estar a formar-se, em um período de cinco
anos, em um curso cujo título bem mais apropriadamente poderia ser "formação em Estado de Bem-Estar Social".
Se,
sob a ótica da Escola Austríaca, entendemos as consequências das ações do estado
e das frustradas ideologias políticas sobre os caminhos incorruptíveis da
economia, não há como, para o bacharelando em direito que se julga sério em
seus estudos, simplesmente ignorar uma realidade fática e diária tão forte tal
qual esta: a de que a ciência econômica precede o direito público.
Em
todos os ramos do direito brasileiro sabe-se que há um entrelaçamento cada vez
maior dos direitos público e privado. E esse cruzamento costumeiro chegou a tal
ponto que o corpo docente jurídico simplesmente declara a seus discentes, logo
de início, que a definição atual dos conceitos de direitos público e privado é
apenas uma questão de mera curiosidade, dado que já não é possível discernir
exatamente — mesmo em determinado ramo do direito que é, para fins
classificatórios, tradicionalmente privado — onde termina o direito privado e
começa o direito público.
No
direito civil — que regula as disposições gerais dos contratos civis e dos
direitos reais — fala-se de direito civil constitucional, que está em busca da
concretização do estado de bem-estar social.
Essa
publicização no curso de direito brasileiro funda-se e firma-se, com mais
ênfase, nas promessas sociais da Constituição Federal de 1988, as quais
receberam status de cláusula pétrea, o que significa que é impossível sofrerem
reformas no que tange até mesmo à mera tendência de tentar diminuí-las ou
enfraquecê-las indiretamente na contextualização da Constituição.
Historicamente,
tem-se, com a Constituição de 1988, o marco inicial da imposição de supostos
direitos sociais baseados em ideias e práticas políticas profundamente
retrógradas. Esse atraso ideológico é percebido, sensivelmente, até antes do
advento do Plano Real, quando, para sustentar o tamanho da máquina pública à
época, o governo hiperinflacionava a quantidade de dinheiro a fim de que
pudesse pagar as próprias contas. Era um
governo economicamente quebrado e que, paradoxalmente, se comprometia a
fornecer aos seus cidadãos serviços sociais paradisíacos, conforme o que prega
a letra da Lei Maior.
Essa
contradição entre ideologia política e ciência econômica foi explicitada, de
maneira mais concreta, nos primeiros quatro anos do governo do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, quando este, timidamente, por intermédio do
Congresso Nacional, começou a privatizar determinados serviços públicos, no
sentido de conceder o exercício da atividade pública — que até então era
prestado exclusivamente pela administração do estado — a empresas jurídicas de
direito privado, tudo por meio de emendas constitucionais, dado que, em sua
origem, a Constituição Federal não permitia.
Desnecessário
dizer que, embora tímida a reforma estatal, esse pouco foi fundamental para o
desenvolvimento de importantes setores econômicos do país, sendo talvez o que
mais nos chama a atenção o de telecomunicações — que hoje lamentavelmente se
encontra regulamentado
pela ANATEL, uma agência que tem o intuito de manter protegido o cartel das
empresas desse ramo, gerando tarifas salgadas, qualidade de serviço duvidosa e
quase nenhuma opção de melhor consumo aos pagadores de impostos, que são os
coagidos a sustentar essas mesmas agências reguladoras que tolhem sua liberdade
de escolha.
Em
que pese terem havido essas mudanças nos direitos constitucional e
administrativo brasileiro na segunda metade de década dos anos noventa, não é costume
questionar o estudante, em tom crítico, sobre os motivos das mesmas.
Ao
contrário: formam-se, consciente ou inconscientemente, defensores incansáveis
da burocracia, pois a estrutura mestra da Constituição Federal de 1988 continua
com o aspecto de uma administração pública cujas competências das atividades
econômicas estão monopolisticamente centradas nas mãos dos entes políticos
(União, Distrito Federal, estados-membro e municípios), impedindo que a livre
iniciativa aflore, sem amarras, em setores como o de transporte público, o
de saneamento, o de
distribuição de água, o de geração e distribuição de energia elétrica, o setor petrolífero etc.
Um
exemplo clássico de como a presença do governo na atividade econômica pode ser
letal a toda uma sociedade é o que se passa com parte da sociedade paulista e a
SABESP. A Constituição Federal prescreve que a promoção de programas de
saneamento básico é de competência comum dos entes políticos (União, Distrito
Federal, estados-membro e municípios), e que os serviços e instalações de
energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água podem ser
explorados diretamente pela União ou mediante autorização, concessão ou
permissão.
A
SABESP é uma estatal, porquanto se trata de uma sociedade de economia mista, em
que parte do seu capital é constituída pela administração pública. Noutros
termos: seus serviços são prestados pela própria administração pública
indireta.
Ora,
se se deixam ovelhas nutridas aos cuidados dos lobos famintos, insaciáveis e
inconsequentes, naturalmente que não se pode esperar, no decurso do tempo, nada
além de uma verdadeira sangria por todo o pasto, o que, justamente, é o que se
passa com a escassez de água em
São Paulo.
A
meteorologia não cede aos caprichos humanos. Desde toda a história sabe-se que
há fases de incidência de maior estiagem. Sob uma empresa de controle
totalmente privado, e sem a intervenção estatal, naturalmente que o manancial da
Cantareira não teria chegado a menos de dez por cento de sua capacidade — na
pior das hipóteses, não pelo menos em um tão curto período. Isto porque, como se sabe, ocorreria um
aumento do preço do serviço de consumo de água, conforme a oferta desse bem
fosse diminuindo.
Com
o tempo, essa comunicação harmônica entre o mercado e a sociedade civil
desestimularia o desperdício de água, de modo que ocorreria um
racionamento consciente muito mais eficiente. Adicionalmente, surgiriam
ideias e oportunidades novas de empreender nesse setor.
Mas
o governo do Estado de São Paulo jamais permitiria tal ato, ainda mais em
épocas de véspera de reeleição. No
Brasil, o que se faz não é política econômica, mas política partidária —
sempre!
Mesmo
com esse exemplo cristalino e com os escândalos de cifras bilionárias da
estatal Petrobras, os quais só se avolumam já no findar de 2014, fala-se, na
esquerda, de mais estatização, de mais regulamentação, de mais tributação para
financiar o orçamento trilionário da União, e de mais uma — como disse a
excelentíssima presidente da República Dilma Rousseff em sua campanha de
reeleição — "nova lei de combate à corrupção".
Proclamar
pela desestatização e pelo acesso da livre iniciativa aos serviços públicos é
querer ser fulminado de ódio no Brasil — mas isso não é de surpreender;
afinal, em um país em que o rei emprega mais do que o setor empresarial, sem
disso cobrar resultados efetivos, à custa do dinheiro dos pagadores de
impostos, melhor mesmo é ser o amigo do rei e garantir a famosa "boquinha".
É
possível, portanto, constatarmos que os membros da máquina pública brasileira
são e estão fortemente armados, juridicamente, de uma alta dose de
fundamentação para defender a manutenção de serviços públicos — o que não
passa, em verdade, de uma atividade econômica. Trata-se daquele velho direito
administrativo ideológico, enraizado e sobejado na vigente Constituição
Federal, contraditório por natureza na prática vivida dia após dia, uma vez que
ele despreza a ciência econômica e os fenômenos da natureza humana, que vão
muito além de questões teleológicas e causais, e que estão acima de qualquer
pretensão ideológica.
Uma
sociedade fundamentada na cultura do diploma e na da burocratização terminará seus
dias lúgubres a comercializar apenas dois únicos itens que ela soube expandir e
valorizar a rodo: certificados e papel-moeda. Só que ambos estarão desprovidos
de qualquer utilidade. Descobrir-se-á, então, em uma elucidação tardia, que com
dinheiro não se nutre nem se constroem moradias, e que com diplomas não se
fazem empresas, nem máquinas e nem tecnologia.