O
atual sistema monetário é baseado em um monopólio estatal de uma moeda
puramente fiduciária. O dinheiro é
criado monopolisticamente pelo Banco Central e é em seguida entregue ao sistema
bancário. O sistema bancário, por sua
vez, por meio da prática das reservas fracionárias, se encarrega de multiplicar
este dinheiro (eletronicamente) por meio da expansão do crédito. Falando mais diretamente, o dinheiro criado
pelo Banco Central é multiplicado pelo sistema bancário e entra na economia por
meio do endividamento de pessoas e empresas.
Ao
analisarmos os negativos efeitos sociais e políticos deste arranjo, a seguinte
pergunta tem de ser feita: onde estão as manifestações dos defensores e
apologistas da justiça social contra este arranjo fiduciário que destrói o
poder de compra dos poupadores e aumenta as desigualdades? Por que
não ouvimos clamores de políticos e sociólogos — que juram ter em mente o
bem-estar geral da população — contra o crédito fácil?
Presumivelmente,
a resposta é que todos eles possuem apenas um conhecimento rudimentar sobre a
função do dinheiro em uma economia baseada na divisão do trabalho; e, por esse
motivo, as consequências de um sistema monetário baseado em uma moeda
fiduciária são por eles amplamente desconsideradas.
O
atual sistema monetário, formado por um sistema bancário que pratica reservas
fracionárias e por bancos centrais que protegem e dão sustentação a este
sistema, está em franco contraste a um regime monetário de uma economia genuinamente
de mercado, na qual os participantes do mercado poderiam decidir por conta
própria, sem a pressão e a coerção do estado, qual dinheiro eles gostariam de
utilizar, e na qual não seria possível a ninguém criar dinheiro a seu
bel-prazer.
Essa
expansão da oferta monetária feita pelos bancos centrais e pelo sistema
bancário de reservas fracionárias é o que realmente gera a inflação de preços
e, por conseguinte, um declínio na renda das pessoas em termos reais. Em seu livro The Theory of
Money and Credit, Ludwig von Mises escreveu:
A mais importante causa de uma diminuição no
valor do dinheiro é um aumento na quantidade deste dinheiro sem um simultâneo e
igual aumento na demanda por ele. ... Esta menor valoração subjetiva do
dinheiro é então transmitida de pessoa a pessoa, pois aqueles que passam a
ganhar uma quantidade adicional de dinheiro se tornam propensos a consentir em
pagar preços mais altos do que antes.
Quando
os preços aumentam em decorrência de uma expansão da oferta monetária, os
preços dos vários bens e serviços não aumentam com a mesma intensidade, e
também não aumentam ao mesmo tempo.
Mises explica
os efeitos:
A quantia adicional de dinheiro que entra na
economia não vai parar diretamente nos bolsos de todos os indivíduos; e dentre os beneficiados que recebem
primeiramente essa nova quantia, nem todos recebem a mesma quantia e nem todos
reagem da mesma forma à mesma quantia que recebem. Aqueles primeiros
beneficiados têm agora um efetivo em caixa maior do que antes, o que os permite
ofertar mais dinheiro no mercado em troca dos bens e serviços que desejam adquirir.
Essa quantia adicional de dinheiro que eles
ofertam no mercado pressiona os preços e salários para cima. Mas não são
todos os preços e salários que sobem; apenas os desses setores que primeiro
receberam o novo dinheiro em troca de seus bens e serviços. E mesmo esses
preços e salários que subiram, não sobem no mesmo grau. Por exemplo, se o
dinheiro adicional for gasto com obras públicas, apenas os preços de algumas
mercadorias e apenas os salários de alguns tipos de trabalho irão subir, sendo
que os de outras áreas irão permanecer inalterados ou podem até mesmo cair
temporariamente.[...]
Assim, as mudanças nos preços em
consequência da inflação começam apenas com algumas mercadorias e serviços, e
depois vão se difundindo mais vagarosamente de um grupo para outro.
Leva-se tempo até que essa quantia adicional de dinheiro tenha perpassado toda
a economia e exaurido todas as possibilidades de mudanças de preço. Mas,
mesmo ao final do processo, os vários bens e serviços da economia não foram
afetados no mesmo grau. Esse processo de progressiva depreciação
monetária alterou a renda e a riqueza dos diferentes grupos sociais.[...]
Aqueles que estão vendendo mercadorias ou
serviços cujos preços são os primeiros a subir poderão, em decorrência desse
fenômeno, utilizar seus maiores proventos para adquirir o que quiserem a preços
que ainda não se alteraram. Esses são os indivíduos que tiveram um ganho
de riqueza. Por outro lado, aqueles que são os últimos a receber esse
novo dinheiro estarão vendendo mercadorias ou serviços a preços ainda
inalterados. Esses indivíduos ainda não obtiveram nenhum ganho de
renda. Contudo, esses mesmos indivíduos agora têm de comprar as outras
mercadorias e serviços a preços mais altos. Esses são os indivíduos que
perderam riqueza.
Ou seja: os primeiros a receber o novo
dinheiro obtiveram ganhos específicos; eles são os exploradores. Os
últimos a receber o novo dinheiro são os perdedores, os explorados, de cujos
bolsos saem os ganhos extras obtidos pelos exploradores. Enquanto durar o
processo de inflação, estará havendo uma alteração contínua na renda e na
riqueza dos indivíduos. Um grupo social ganha à custa de outros.
Quando todas as alterações de preços em decorrência da inflação estiverem
consumadas, pode-se dizer que ocorreu uma transferência de riqueza entre os
grupos sociais. Há agora no sistema econômico uma nova dispersão de
riqueza e renda.
Com
efeito, caso o preço da mão-de-obra de um trabalhador (isto é, seu salário)
aumente a uma taxa menor do que o aumento do preço dos alimentos ou do aluguel,
é possível ver como essa alteração na relação entre renda e preços dos bens e
serviços pode empobrecer vários trabalhadores e consumidores.
Uma
inflação da oferta monetária pode gerar empobrecimento e desigualdade de renda
de variadas maneiras:
1. O Efeito Cantillon
A
distribuição desigual desta inflação de preços é conhecida como 'Efeito Cantillon'. Aqueles que recebem o dinheiro recém-criado
antes de todo o resto da sociedade (primordialmente o governo federal, mas
também algumas grandes empresas e grandes magnatas que querem especular no
mercado de ações) são os beneficiários de uma política de crédito fácil. Eles podem fazer compras com este novo
dinheiro a preços que ainda não se alteraram.
Já aqueles que obtêm este dinheiro por último, ou que nem sequer o
recebem, são os prejudicados (assalariados, aposentados e pensionistas). Eles terão de se virar comprando bens e
serviços a preços que, durante este ínterim, subiram, sem que suas rendas
também tenham subido.
2. Inflação de preços de ativos
Grandes
investidores e especuladores podem diversificar seus investimentos e seus
ativos; consequentemente, eles estão em posição de investir em ativos tangíveis
como ações, imóveis e metais preciosos.
Quando os preços desses ativos aumentam em decorrência da expansão da
oferta monetária, os detentores destes ativos se beneficiam, uma vez que seus
ativos ganham valor. Logo, os detentores
destes ativos se tornam mais ricos ao passo que as pessoas que detêm poucos ativos
ou nenhum ativo irão, respectivamente, ganhar menos ou absolutamente nada com
estes aumentos de preços.
3. O mercado de crédito amplifica os
efeitos
Os
efeitos de uma inflação dos preços dos ativos podem ser amplificados pelo
mercado de crédito. Aqueles que possuem
uma renda alta podem conseguir empréstimos volumosos dos bancos para adquirir,
por exemplo, imóveis. Já aqueles que
possuem uma renda pequena tendem a ser rejeitados pelos bancos, por medo de
calotes. Se os preços dos imóveis
aumentarem por causa da expansão da oferta monetária, eles irão lucrar com
estes aumentos de preços, e a disparidade de renda entre ricos e pobres
aumentará ainda mais.
4. Ciclos econômicos e desemprego
A
causa direta do desemprego é a inflexibilidade do mercado de trabalho gerada
pela interferência estatal, como leis trabalhistas rígidas, altos encargos
sociais e trabalhistas, e sindicatos poderosos.
Já uma causa indireta do desemprego é a expansão do crédito,
que gera crescimentos econômicos ilusórios e investimentos insensatos. Especialmente em economias com mercados de
trabalho inflexíveis, como
as europeias, quando estes investimentos errôneos se tornam evidentes e a
economia entra em recessão, as consequências finais são um grande aumento no
desemprego e a perpetuação deste alto desemprego, algo que é sentido mais
severamente por pessoas de baixa renda.
O estado continua a se expandir
Tão
logo as desigualdades de renda e de distribuição de ativos começam a aumentar,
os defensores e apologistas da justiça social se tornam ainda mais histéricos
em seus protestos, sem saber (ou sem dizer) que é o próprio estado — com seu
sistema monetário monopolista — o responsável pelas condições descritas.
Trata-se
de um "modelo organizacional" pérfido, no qual o estado cria a desigualdade
social por meio de seu sistema monetário monopolista, divide a sociedade em
pobres e ricos, e torna as pessoas dependentes do assistencialismo. Para "remediar" este arranjo, ele intervém
criando regulamentações e políticas redistributivas, tudo para justificar a sua
existência. O economista alemão Roland
Baader observou
que:
A casta política tem constantemente de
provar a necessidade de sua existência, e ela faz isso implementando seguidamente
novas políticas. No entanto, dado que
tudo o que ela faz apenas piora as coisas, a única solução é estar
continuamente inventando novas reformas — ou seja, ela tem de estar sempre
fazendo algo, pois já fez alguma coisa antes.
Ela não teria de fazer nada caso não houvesse feito nada anteriormente. Se apenas soubéssemos o que poderíamos fazer
para impedir que ela saia fazendo coisas...
O
estado até mesmo explora as incertezas da população quanto aos reais motivos da
crescente desigualdade de renda e de distribuição de riqueza. Por exemplo, o Quarto
Relatório sobre Pobreza e Riqueza do governo alemão afirma que, desde 2002,
a nítida maioria do povo alemão defende a implantação de medidas para reduzir
as diferenças de renda.
Conclusão
O
sistema monetário dominante está no cerne da crescente desigualdade de renda
que observamos na maioria dos países atuais. Não obstante, o estado continua aumentando seu
poder com a desculpa de estar justamente domando o sistema de mercado que
supostamente gerou esta desigualdade e este empobrecimento relativo criados
pelo estado e seus aliados.
Se
aqueles que alegam estar falando em nome da justiça social nada fizerem para
protestar contra isso, seu silêncio pode ser interpretado de apenas duas
maneiras: ou eles não entendem absolutamente nada sobre como funciona o atual
sistema monetário, o que significa que eles nunca se interessaram em pesquisar
e estudar sobre o assunto; ou eles de fato leram, estudaram e entenderam
perfeitamente bem, o que significa que eles estão ignorando de maneira cínica
uma grande fonte de desigualdade e pobreza simplesmente porque provavelmente
estão se beneficiando deste sistema.