segunda-feira, 23 jun 2014
"Que
esquisito, você não é nem de esquerda nem de direita!". Essa observação, feita logo após um discurso
que proferi, mostrou uma rara perspicácia.
Foi rara porque era extremamente raro ouvir alguém chegando a essa
conclusão por conta própria. E foi
perspicaz porque foi acurada.
A
maioria das pessoas sempre parece estar à procura de termos simplistas e
simplificadores, de generalizações cômodas e convenientes, pois ajudam em seus
discursos e definições. Estes termos
servem para substituir definições longas e tediosamente complexas. No entanto, é essencial ter cuidado ao
escolher estes termos, pois é comum que tais simplificações gerem truques
semânticos e produzam um desserviço para aqueles que as utilizam. Receio ser esse o caso dos termos "esquerda"
e "direita" quando utilizados por libertários que, como espero demonstrar, não
estão nem à esquerda e nem à direita no que concerne ao espectro ideológico
aceitável de nossa era.
"Esquerda"
e "direita" descrevem, cada uma, posições autoritárias. A liberdade não possui relação horizontal com
o autoritarismo. A relação do
libertarianismo com o autoritarismo é vertical; está muito acima dessa podridão
de homens escravizando indivíduos. Mas
vamos começar do início.
Houve
uma época em que "esquerda" e "direita" eram denominações apropriadas e nada
imprecisas para diferenças ideológicas.
Os primeiros esquerdistas foram um grupo de recém-eleitos representantes
para a Assembléia Nacional Constituinte da França, no início da Revolução
Francesa, em 1789. Eles foram rotulados
"esquerdistas" simplesmente porque, por acaso, estavam sentados do lado
esquerdo da câmara legislativa francesa.
"Os legisladores que estavam assentados do lato direito
eram chamados de Partido da Direita, ou Direitistas. Os Direitistas ou 'reacionários' defendiam um
governo nacional altamente centralizado, leis especiais e privilégios para
sindicatos e vários outros grupos e classes, monopólios estatais sobre os
setores estratégicos e básicos para a vida, e uma continuação dos controles
governamentais sobre preços, produção e distribuição." — Dean Russell, The First Leftist [Irvington-on-Hudson,
N.Y.: Foundation for Economic Education, 1951], p. 3.
Os
esquerdistas da época eram, para todos os propósitos práticos, ideologicamente
similares àqueles que hoje podem ser chamados de "libertários". Já os direitistas representavam o oposto
ideológico: estatistas, intervencionistas — em suma, autoritários. "Esquerda" e "direita" na França, durante o período
1789-90, eram termos que apresentavam, ao mesmo tempo, uma conveniência semântica
e um alto grau de acurácia.
Mas
aí vieram os autoritários Jacobinos, e o termo "esquerdista" foi rapidamente
expropriado por eles, passando a ter um significado oposto. "Esquerdista" passou a ser sinônimo de
igualitarista, sendo depois associado às vertentes do socialismo marxista:
comunismo, socialismo, fabianismo. O que
ocorreu, então, com o termo "direitista"?
Onde ele caberia agora, após essa reviravolta semântica do termo
"esquerdista"? Os camaradas de Moscou se
encarregaram dessa tarefa, e em proveito próprio: qualquer coisa que não fosse
comunista ou socialista foi decretada e propagandeada como "fascista". Logo, qualquer ideologia que não coubesse
integralmente dentro do rótulo comunista (esquerda) passou a ser popularmente
denominada de fascista (direita).
Eis
a definição de fascismo segundo o dicionário Webster: "Qualquer programa
visando à criação de um regime nacional centralizado e autocrático, com políticas
severamente nacionalistas e que exerça um intenso programa de arregimentação da
indústria, do comércio e das finanças, com rígida censura e enérgica supressão
da oposição".
Qual
é, na prática, a diferença entre comunismo e fascismo? Ambos são formas claras de estatismo e
autoritarismo. A única diferença entre o
comunismo de Stalin e o fascismo de Mussolini é um insignificante detalhe na
estrutura organizacional. Mas um é
"esquerda" e o outro é "direita"! Sendo
assim, onde tudo isso deixa o libertário em um mundo em que os termos foram
definidos por Moscou? O libertário é, na
realidade, o oposto do comunista. No
entanto, se o libertário empregar os termos "esquerda" e "direita", ele estará
caindo na armadilha semântica de se tornar um "direitista" (fascista) pelo
simples fato de não ser um "esquerdista" (comunista). Isso seria um suicídio semântico para os
libertários, um invento artificioso que excluiria automaticamente sua
existência. Ao passo que comunistas e
socialistas continuarão utilizando essa definição, há vários motivos para os
libertários evitá-la.
Um
enorme problema que surgirá caso o libertário opte por utilizar a terminologia
esquerda-direita é a grande tentação que tal postura cria para se aplicar a doutrina do
meio-termo. Durante aproximadamente
vinte séculos, o homem ocidental aceitou a teoria aristotélica de que a posição
sensata é aquela entre quaisquer dois extremos, que hoje é conhecida
politicamente como a posição moderada, conciliatória, a terceira-via, ou
simplesmente o centro. Se os libertários
utilizarem os termos "esquerda" e "direita", eles estarão se anunciando como
sendo de extrema direita pela simples virtude de estarem extremamente distantes
em suas crenças do comunismo. Mas
"direita" é um termo que passou a ser exitosamente identificado com o
fascismo. Portanto, cada vez mais
pessoas são levadas a crer que a posição sensata seria em algum lugar entre o
comunismo e o fascismo, uma vez que ambos significam autoritarismo.
Só
que a doutrina do meio-termo não pode ser aplicada indiscriminadamente. Por exemplo, ela é sensata o bastante quando
se está decidindo entre, de um lado, o jejum total e, do outro, a gulodice. Mas ela é evidentemente insensata quando se
quer decidir entre não roubar nada ou roubar $1.000. O meio-termo recomendaria roubar $500. Logo, o meio-termo não é mais sensato ou
racional quando aplicado para comunismo e fascismo (dois rótulos para o mesmo autoritarismo)
do que quando aplicado para dois tipos de roubo. O libertário não pode querer nada com
"esquerda" ou "direita" simplesmente porque ele desdenha qualquer forma de
autoritarismo — o uso do aparato estatal para tolher e controlar a
criatividade e o empreendedorismo do indivíduo.
Para
ele, comunismo, fascismo, nazismo, fabianismo, assistencialismo — todos formas de igualitarismo — cabem na descrição definitiva que Platão, talvez cinicamente,
nos forneceu séculos antes de qualquer um desses sistemas coercivos terem se
desenvolvido:
O maior de todos os
princípios é o de que ninguém, homem ou mulher, deve prescindir de um líder.
Nem deverá a mente de um indivíduo habituar-se a deixá-lo fazer qualquer coisa nem
por iniciativa própria, nem por zelo, nem mesmo por prazer. Tanto na guerra
quanto na paz, a seu líder ele deve direcionar seus olhos e segui-lo fielmente.
E mesmo nos assuntos mais ínfimos ele
deve se sujeitar a alguma liderança. Por exemplo, ele deve se levantar, se mover,
se lavar ou se alimentar . . . somente se tiver recebido ordens para tal . . .
Em suma, ele deverá ensinar sua alma, por meio do hábito e da prática reiterada,
a nunca sonhar agir de forma independente.
Com efeito, deve ensiná-la a se tornar totalmente incapaz disso.
Pairando sobre a degradação
Os
libertários rejeitam esse princípio e, ao fazê-lo, não se colocam nem à direita
e nem à esquerda dos autoritários. Eles,
assim como os espíritos humanos que libertariam, ascendem — estão acima —
sobre esta degradação. Sua posição no espectro ideológico, se fossemos usar analogias
direcionais, seria acima — como um vapor que se separa do esterco e sobe a uma
atmosfera saudável. Se a idéia de
extremismo for aplicada a um libertário, que seja baseada em quão extrema é a
sua oposição às crenças e tentações autoritárias.
Estabeleça
este conceito de emersão, de libertação — o qual é o próprio significado do
libertarianismo —, e o significado da doutrina do meio-termo passará a ser
inaplicável, pois não é possível haver uma posição de meio caminho entre o zero
e o infinito. E é absurdo sugerir que possa
haver.
Qual
termo simples os libertários deveriam aplicar para se distinguirem das
variedades de "esquerdistas" e "direitistas"? Não consegui inventar nenhum, mas até que eu
consiga, contento-me em dizer que "sou libertário", e estou disposto a explicar
a definição do termo a qualquer pessoa que procure significados em vez de
rótulos.
Leia também:
O que realmente é o fascismo?