O
surgimento dos lucros e dos prejuízos
Em um sistema capitalista de organização
econômica, os empreendedores determinam como serão os processos de
produção. Porém, nesta tarefa, caso haja
livre concorrência e uma genuína liberdade de entrada no mercado, eles sempre
estarão total e incondicionalmente sujeitos à soberania do público
consumidor.
Aqueles empreendedores que se mostrarem
incapazes de produzir, da melhor e mais barata maneira possível, os bens e
serviços que os consumidores estão demandando com mais urgência, sofrerão
prejuízos e serão, em última instância, eliminados de sua posição
empreendedorial. Outros empreendedores
que tenham maior capacidade administrativa e que saibam melhor como servir aos
consumidores substituirão estes que fracassaram.
Se não houvesse incertezas no mundo, se a
economia fosse um arranjo uniforme e homogêneo, e se todas as pessoas fossem
capazes de antecipar corretamente o estado futuro do mercado, os empreendedores
não teriam lucros e nem sofreriam prejuízos.
Eles apenas comprariam seus fatores de produção a preços que, já no
instante da compra, refletiriam completamente os preços futuros dos bens por
eles produzidos. Neste arranjo,
simplesmente não haveria espaço nem para lucros nem para prejuízos.
O que possibilita o surgimento do lucro é a
ação empreendedorial em um ambiente de incerteza. Um empreendedor, por natureza, tem de estar
sempre estimando quais serão os preços futuros dos bens e serviços por ele
produzidos. Ao estimar os preços
futuros, ele irá analisar os preços atuais dos fatores de produção necessários
para produzir estes bens e serviços futuros.
Caso ele avalie que os preços dos fatores de produção estão baixos em
relação aos possíveis preços futuros de seus bens e serviços produzidos, ele
irá adquirir estes fatores de produção.
Caso sua estimação se revele correta, ele auferirá lucros.
Portanto, o que permite o surgimento do lucro
é o fato de que aquele empreendedor que estima quais serão os preços futuros de
alguns bens e serviços de maneira mais acurada que seus concorrentes irá
comprar fatores de produção a preços que, do ponto de vista do estado futuro do
mercado, estão hoje muito baixos.
Consequentemente, os custos totais de produção — incluindo os juros pagos
sobre o capital investido — serão menores que a receita total que o
empreendedor irá receber pelo seu produto final. Esta diferença é o lucro empreendedorial.
Por outro lado, o empreendedor que estimar
erroneamente os preços futuros dos bens e serviços irá comprar fatores de
produção a preços que, do ponto de vista do estado futuro do mercado, estão
hoje muito altos. Seu custo total de
produção excederá a receita total que ele irá receber pelo seu produto
final. Esta diferença é o prejuízo
empreendedorial.
Assim, lucros e prejuízos são gerados pelo
sucesso ou pelo fracasso de se ajustar as atividades produtivas de acordo com
as mais urgentes demandas dos consumidores.
Tão logo este ajuste correto seja alcançado, lucros e prejuízos
desaparecem. Os preços dos fatores de
produção chegam a um nível em que os custos totais de produção coincidem com o
preço do produto final. Lucros e
prejuízos são fenômenos que só existem constantemente porque a economia está
sempre em contínua mudança, o que faz com que recorrentemente surjam novas discrepâncias
entre os preços dos fatores de produção e os preços dos bens e produtos por
eles produzidos, e consequentemente haja a necessidade de novos ajustes.
A
função do empreendedor
A função essencial do empreendedorismo é
descobrir em quais mercados estão ocorrendo estas discrepâncias entre os preços
atuais dos fatores de produção e os preços futuros dos bens e produtos por eles
produzidos. Uma vez descoberto este
mercado, o empreendedor organizará os fatores de produção (mão-de-obra e bens
de capital), produzirá os bens e serviços demandados pelos consumidores e
auferirá lucros.
Muitas vezes, esta discrepância de preços
poderá ser decorrente do fato de que novos métodos tecnológicos ainda não foram
empregados em seu máximo potencial, de modo que a demanda dos consumidores
ainda não foi satisfeita da melhor forma possível. Mas não necessariamente será sempre assim. Mudanças na economia, especialmente na
demanda dos consumidores, podem exigir ajustes que nada têm a ver com
aprimoramentos e inovações tecnológicas.
O empreendedor que simplesmente aumenta a produção de um bem ao
acrescentar um novo equipamento às suas atuais instalações, sem fazer nenhuma
mudança em seu método tecnológico de produção, continua sendo tanto
empreendedor quanto aquele indivíduo que inaugura um novo método de produção.
A atividade de um empreendedor não é a de
meramente experimentar novos métodos tecnológicos, mas sim a de selecionar,
entre vários métodos tecnologicamente exequíveis, aqueles mais aptos a suprir
os consumidores — da maneira mais barata possível — com os bens e serviços
que eles estão demandando com mais urgência.
Se um novo método tecnológico será ou não capaz de efetuar este
propósito, isso é algo que será provisoriamente decidido pelo empreendedor e, finalmente,
pela conduta do público consumidor. A
questão não é se um novo método deve ser considerado uma solução mais
"elegante" para um problema tecnológico; é se, sob determinadas condições
econômicas, ele é o melhor método possível para se suprir os consumidores da
maneira mais barata alcançável.
As atividades do empreendedor consistem em
tomar decisões. Ele determina com que
propósito os fatores de produção devem ser empregados. Quaisquer outros atos que ele porventura
efetue são meramente secundários à sua função empreendedorial. E é isso que os leigos não parecem
entender. Eles confundem atividades
empreendedoriais com a condução das questões administrativas e tecnológicas de
uma empresa. Para eles, os reais
empreendedores não são os acionistas, os fornecedores do capital, os
organizadores e os especuladores, mas sim os empregados contratados pela
empresa. Os primeiros seriam apenas
parasitas ociosos que embolsam os lucros e os dividendos.
Sim, é indiscutível que é possível alguém
produzir sem ter de trabalhar manualmente.
Mas é impossível produzir sem ter bens de capital, que são os fatores de
produção que foram produzidos anteriormente em outros processos produtivos de
outras empresas. Estes bens de capital
são escassos — isto é, eles não são suficientes para se produzir todas as
coisas que um empreendedor gostaria de produzir. Daí surge o problema econômico: empregá-los
de tal maneira que eles produzam somente aqueles bens que satisfaçam as mais
urgentes demandas dos consumidores.
Nenhum bem pode deixar de ser produzido apenas porque os fatores
necessários para sua produção estavam sendo utilizados — desperdiçados — na
produção de outros bens para os quais a demanda do público era menos intensa.
Em um arranjo capitalista, é a função do
empreendedor determinar o modo como se dará a alocação de capital entre os
vários ramos da produção. Em um arranjo
socialista, tal função passa a ser do estado, o aparato social da coerção e da
opressão. Porém, como demonstrado em outra
ocasião, em uma economia socialista não há nenhum método de cálculo
econômico. E, sendo impossível o cálculo
econômico, a junta socialista não tem como saber como deve se dar a alocação de
capital.
Há uma simples regra prática para se
distinguir empreendedores de não-empreendedores. Os empreendedores são aqueles sobre quem
recai a incidência de prejuízos sobre o capital empregado. Economistas amadores costumam confundir
lucros com determinados tipos de receitas.
Mas é impossível não ser capaz de distinguir prejuízos sobre o capital
empregado.
A
democracia do mercado
Os consumidores, ao optarem por comprar ou
por se abster de comprar, estão elegendo aqueles empreendedores que eles, os
consumidores, consideram ser os que mais bem satisfazem suas necessidades. Trata-se de um plebiscito que acontece
diariamente. Os consumidores determinam
quem permanece na ativa e quem vai à falência, quem deve gerenciar o capital e
quem não deve, e quanto cada empreendedor deve lucrar.
Como ocorre em todos os atos de escolha, a
decisão dos consumidores é feita com base na experiência; sendo assim, tal ato
sempre e necessariamente se refere ao passado.
Não há experiência quanto ao futuro.
A urna do mercado exalta aqueles que, no passado imediato, mais bem
serviram aos consumidores. No entanto, a
escolha não é inalterável e pode ser diariamente corrigida. Os eleitos que desapontarem o eleitorado são
rapidamente rebaixados de posto.
Cada voto concedido pelos consumidores
acrescenta muito pouco à esfera de ação do eleito. Para ascender aos níveis mais altos do
empreendedorismo, ele tem de receber um grande número de votos, repetidos
continuamente durante um longo período de tempo, apresentando uma prolongada
série de feitos bem-sucedidos. Ele tem
de passar por um novo julgamento a cada dia, submetendo-se continuamente a uma
reeleição, por assim dizer.
Empreendedores não são nem perfeitos e nem
bons, em qualquer sentido metafísico.
Eles devem sua posição exclusivamente ao fato de que são os mais bem
capacitados para a consecução das funções que as outras pessoas incumbiram a
eles. Eles auferem lucros não porque são
espertos ao desempenhar suas tarefas, mas porque são mais espertos, ou menos
canhestros, do que as outras pessoas.
Eles não são infalíveis e frequentemente cometem erros graves. Mas eles são menos sujeitos a erros e
trapalhadas do que as outras pessoas.
Ninguém pode reclamar dos erros de um empreendedor apenas dizendo que
outros deveriam estar no lugar dele. Se
o descontente sabe melhor como a tarefa deve ser feita, então por que ele
próprio não preenche este nicho de mercado e se aproveita desta grande
oportunidade de lucros?
Em uma economia cujo mercado não seja
sabotado pela interferência do governo e de suas agências reguladoras que
utilizam de violência para bloquear a concorrência, a entrada no ramo
empreendedorial é aberta para todos.
Aqueles que sabem como se aproveitar de qualquer oportunidade de
negócios sempre irão encontrar o capital necessário. O mercado está sempre repleto de capitalistas
ansiosos para encontrar maneiras mais proveitosas de empregar seus recursos e à
procura de pessoas com ideias engenhosas, com cuja parceria eles podem efetuar
os mais lucrativos projetos.
As pessoas frequentemente não conseguem
perceber esta característica inerente ao capitalismo porque elas não entendem o
significado e os efeitos da escassez de capital. A tarefa do empreendedor é selecionar, dentre
uma variedade de projetos tecnologicamente exequíveis, aqueles que irão
satisfazer as mais urgentes das ainda não satisfeitas necessidades do
público. Aqueles projetos para cuja
consecução não há capital suficiente não devem ser realizados. O mercado está sempre abarrotado de
visionários que querem empreender esquemas impraticáveis e inexequíveis. São estes sonhadores que sempre reclamam da
cegueira e da insensibilidade daqueles capitalistas que não são tolos o
bastante para financiar suas fantasias.
É claro que investidores frequentemente cometem erros na escolha de seus
investimentos. Mas estas falhas
consistem justamente no fato de terem preferido um projeto insustentável a um
outro que teria satisfeito as mais urgentes necessidades do público consumidor.
Um empreendedor aufere lucros ao servir
satisfatoriamente os consumidores e não ao fazer aquilo que sonhadores
desapegados da realidade gostariam que ele fizesse.
A
função social dos lucros e dos prejuízos
Lucros nunca são um fenômeno normal e
corriqueiro. Eles surgem onde há uma
discrepância entre o uso atual dos fatores de produção e o uso possível destes
fatores de modo a fazer com que o material e os recursos mentais disponíveis
satisfaçam da melhor maneira possível os desejos do público. Lucros são a recompensa para aqueles
empreendedores que descobrem esta discrepância; e eles desaparecem tão logo a
discrepância seja totalmente removida.
Na imaginária construção de uma economia uniforme e homogênea, onde
inexiste a incerteza, não há lucros. A
soma dos preços dos fatores de produção, levando-se em consideração a
preferência temporal das pessoas, coincide com o preço do produto final.
Quanto maior forem as discrepâncias
antecedentes, maiores serão os lucros auferidos pela sua remoção. As discrepâncias podem muitas vezes ser
consideradas excessivas. Mas é
inapropriado aplicar o epíteto "excessivo" aos lucros.
As pessoas dizem que há 'lucros excessivos' quando
analisam os lucros auferidos ao capital empregado no empreendimento, e mensuram
o lucro como porcentagem deste capital.
Este método advém do costumeiro procedimento aplicado a sociedades e
corporações para se especificar a atribuição de quotas do lucro total para os
sócios ou acionistas. Estes homens
contribuíram de diversas maneiras para a realização do projeto e irão dividir
entre si os lucros e os prejuízos proporcionalmente à contribuição de cada um.
Porém, o que cria lucros e prejuízos não é o
capital empregado. Ao contrário do que
pensava Marx, o capital não "gera lucro".
Bens de capital são objetos sem vida que, por si sós, não realizam
nada. Se eles forem utilizados de acordo
com uma boa ideia, haverá lucros. Se
eles forem utilizados de acordo com uma ideia equivocada, haverá prejuízos ou,
na melhor das hipóteses, não haverá lucros.
É a decisão empreendedorial o que cria tanto lucros quanto
prejuízos. É dos atos mentais, da mente
do empreendedor, que os lucros se originam, essencialmente. O lucro é um produto da mente, do sucesso de
se saber antecipar o estado futuro do mercado.
É um fenômeno espiritual e intelectual.
Condenar qualquer lucro como sendo
'excessivo' pode levar a situações tão absurdas quanto aplaudir uma empresa
que, outrora muito lucrativa, passou a desperdiçar capital e a produzir
ineficientemente a custos mais altos.
Esta redução na eficiência e, consequentemente, nos lucros logrou apenas
fazer com que os cidadãos fossem privados de todas as vantagens que poderiam
usufruir caso os bens de capital desperdiçados por esta empresa fossem
disponibilizados para a produção de outros produtos.
Ao repreender alguns lucros como sendo
'excessivos' e consequentemente penalizar empreendedores eficientes com uma
elevação de impostos para "compensar" os altos lucros, a sociedade está
prejudicando a si própria. Tributar
lucros é o equivalente a tributar quem se mostrou bem-sucedido em servir ao
público.
O único objetivo de toda e qualquer atividade
produtiva é empregar o menor número possível de fatores de produção de tal modo
que eles produzam a maior quantidade possível de bens. Quanto menor a quantidade de insumos
necessária para a produção de um bem, maior será a quantidade de fatores de
produção — escassos por natureza — disponível para ser empregada na
manufatura de outros bens. No entanto, e
ironicamente, quanto mais um empreendedor se mostra bem-sucedido nesta difícil
tarefa, mais ele é difamado e mais a sociedade exige que ele seja tributado
mais rigorosamente. Aumentar os custos
por unidade produzida — ou seja, aumentar o desperdício — passou a ser exaltado
como uma virtude.
A mais espantosa manifestação desta total
incapacidade de compreender o objetivo da produção e a natureza e a função dos
lucros e prejuízos pode ser vista na popular superstição de que o lucro é
apenas um valor adicionado aos custos de produção (fenômeno conhecido como markup), com seu valor
dependendo exclusivamente do arbítrio do vendedor. É exatamente esta crença que está por trás de
todos os programas estatais de controle de preços ou de especificação de
margens de lucros [até o início dos anos
1990, os supermercados brasileiros tinham sua margem de lucro tabelada pelo
governo; e, atualmente, algumas concessionárias de rodovias também são
proibidas de ultrapassar um determinado valor em sua margem de lucro].
Todas as pessoas, empreendedoras e
não-empreendedoras, olham com desconfiança para qualquer lucro auferido por
terceiros. A inveja é um defeito e uma
fraqueza comum aos homens. As pessoas
são avessas a aceitar o fato de que elas próprias poderiam ter auferido estes
lucros caso tivessem demonstrado a mesma iniciativa, a mesma presciência e o
mesmo julgamento dos empreendedores bem-sucedidos. Seu ressentimento é tanto mais violento
quanto mais elas estão subconscientemente cientes deste fato.
Não existiriam lucros se não houvesse um
ímpeto do público em adquirir os bens e serviços oferecidos pelo empreendedor
bem-sucedido. Porém, as mesmas pessoas
que se esforçam para adquirir estes bens e serviços são aquelas que vilipendiam
os empreendedores e dizem que seus lucros são abusivos e imerecidos.
A opinião pública tolera os lucros apenas se
eles não excederem o salário pago a um empregado. Todo o excedente é caluniado como sendo
injusto. O objetivo da tributação é, de
acordo com o princípio de 'tributar quem ganha mais', exatamente o de confiscar
este excedente. Não levam em conta que,
sem lucros, não há investimentos futuros, o que levará a uma escassez de bens e
serviços e, no final, a uma redução do padrão de vida de todos.
Uma das principais funções dos lucros é
direcionar o controle do capital para aqueles que sabem como empregá-lo da
melhor maneira possível para satisfazer o público. Empreendedores que sofrem seguidos prejuízos
vão à falência e, consequentemente, liberam capital e recursos para serem
utilizados por empreendedores mais bem sucedidos. Empreendedores que obtêm seguidos lucros se
tornam mais capazes de obter capital e recursos de empreendedores menos
eficientes, que estão desperdiçando estes recursos escassos.
Quanto mais lucros um empreendedor obtém,
maior será sua riqueza, mais influente ele será na condução de seus
empreendimentos. Lucros e prejuízos são
os instrumentos por meio dos quais os consumidores passam o controle das atividades
produtivas para as mãos daqueles mais capacitados para servi-los. Qualquer medida que seja tomada para se
restringir ou confiscar os lucros irá debilitar esta função de mercado que eles
exercem. A máquina econômica se tornará,
do ponto de vista do público consumidor, menos eficiente e menos ágil em suas
respostas.
O invejoso homem mediano imagina que os
lucros dos empreendedores são totalmente gastos em consumo próprio, de maneira
hedonista. Uma parte, de fato, é
consumida. Porém, só irão alcançar
riqueza e influência no âmbito dos negócios aqueles empreendedores que
consumirem apenas uma fração de suas receitas e reinvestirem a grande fatia
restante em suas empresas. O que faz com
que pequenas empresas se tornem grandes não é o seu gasto, mas sim sua poupança
e sua acumulação de capital.
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Todo o seu conforto você
deve ao capitalismo e aos ricos