quarta-feira, 19 jul 2017
Quando estava no meu primeiro ano da pós-graduação,
foi-me concedida a tarefa de ler a famosa monografia de George Akerlof, "O Mercado dos Limões",
a qual havia sido publicada no The Quarterly
Journal of Economics em 1970, e desde então é tida como um trabalho
clássico.
O trabalho é bastante interessante e até mesmo
intelectualmente instigante. "Limões" é altamente lido, ao contrário
da maioria das coisas que são publicadas hoje nos "principais"
periódicos acadêmicos sobre economia. Ademais, o trabalho representou uma
bem-vinda ruptura com a tese da "informação perfeita", a qual dominou
a economia neoclássica desde a época de Alfred Marshall.
O tema da "informação imperfeita"
defendida por economistas é o seguinte: os indivíduos que interagem no mercado
não dispõem de toda a "informação perfeita" que é necessária para
fazer com que os mercados funcionem de maneira adequada, como indicado pelo
ponto de equilíbrio demonstrado na famosa Interseção Marshalliana,
em que oferta e demanda sempre se igualam. Considerando-se, portanto, que
há essa "falha de mercado", o que os indivíduos devem fazer para que
os mercados funcionem?
Ademais, os mercados também são flagelados
pela assimetria de informação, que é o que ocorre quando a
informação necessária para que compradores e vendedores cheguem ao
"equilíbrio" não está igualmente distribuída entre todos os
participantes de mercado. Akerlof fornece o exemplo do mercado de carros usados
— daí o "limões" do título de sua monografia; "limões" são
uma gíria para carros usados em mau estado, mas que apenas os donos sabem dessa
condição.
[Para o Brasil, o termo mais correto seria "abacaxi", e este será o termo
usado no restante deste artigo].
De acordo com um ditado popular sobre o mercado de
carros usados, quando alguém compra um carro usado, ele "está comprando os
problemas de outra pessoa". Os compradores de carros usados possuem muito
menos informação do que os vendedores sobre quais carros são
"abacaxis". O que parece ser um bom carro no estacionamento da
revendedora pode perfeitamente acabar se revelando uma tremenda barca furada
tão logo o novo proprietário o estiver dirigindo no centro da
cidade.
A perspectiva de um carro usado acabar se revelando
um abacaxi pode gerar uma espiral catastrófica no mercado de carros usados. Por
causa dessa incerteza, compradores serão mais relutantes a pagar bem por um
determinado carro usado, sendo que, caso eles de fato soubessem com certeza que
o carro que estão comprando não é um abacaxi, estariam dispostos a pagar mais.
Em consequência dessa relutância em se pagar mais,
os vendedores retirarão seus melhores carros do mercado, dado que consideram
que os preços oferecidos são inadequados. Isso, por sua vez, induz os
compradores a oferecer preços ainda menores, já que, com os melhores carros
fora do mercado, as chances de se adquirir um abacaxi aumentam
substancialmente.
Essa espiral descendente ameaça destruir esse
mercado por completo.
Note que todo o problema se originou de um fato: os
compradores desconfiados decidem que não há como saber se o carro é bom ou
ruim, e os vendedores são incapazes de persuadi-los do contrário. Daí a teoria
da "informação assimétrica": uma situação em que o vendedor ou o
comprador possui alguma informação importante que o outro lado não possui.
A solução apresentada pelos economistas seguidores
dessa teoria é que o governo imponha novas regulamentações ao mercado. A
regulamentação, argumentam eles, obriga todos os lados a fornecerem todas as
suas informações. Ademais, "leis anti-abacaxis" que obriguem os
vendedores a restituir os compradores caso o carro não corresponda ao esperado
irá impedir que o mercado entre em colapso.
O consumidor e o empreendedor
Essa análise econômica da informação imperfeita foi
criada com a intenção de abolir da ciência econômica os modelos irrealistas de
"concorrência
perfeita", modelos estes nos quais não há "falhas de mercado"
e todos os lados obtêm todas as informações necessárias.
Akerlof nem de longe foi a primeira pessoa a
explorar esta área. Ludwig von Mises, F.A. Hayek, Murray N. Rothbard e
Israel Kirzner já escreviam sobre isso antes de Akerlof publicar seu ensaio. (O
artigo de Israel Kirzner de 1976, Knowing about Knowledge: A
Subjectivist View of the Role of Information, é um ensaio bastante superior
ao dos limões. Foi
publicado no livro Perception, Opportunity, and Profit:
Studies in the Theory of Entrepreneurship. Kirzner e os outros austríacos
sabem que a informação imperfeita é parte inerente ao processo de mercado, e
não um obstáculo ao funcionamento do mercado.)
Não apenas isso, como também a análise austríaca é
muito superior a tudo o que foi escrito pelo trio Nobel, pois os seguidores da
Escola Austríaca reconhecem o papel do empreendedor em lidar
com as realidades da informação imperfeita.
De acordo com Akerlof e outros, os participantes do
mercado, ao lidarem com as realidades da informação imperfeita, têm pouco ou
nenhum incentivo para adquirir mais informações para si próprios. Eles estão
"empacados" em um desequilíbrio que não pode ser corrigido — isto é,
não pode ser corrigido a menos que o governo venha ao socorro.
Porém, tanto a teoria quanto uma simples observação
prática mostram que Akerlof está errado.
Em primeiro lugar, o livre mercado possui meios para
fornecer informações para aqueles que delas precisam. Por exemplo, empresas
frequentemente oferecem todos os tipos de suporte aos seus produtos para
mostrar que elas creem que seus produtos são dignos de serem adquiridos. Elas
oferecem garantias e concedem reembolso para proteger os consumidores contra
eventuais defeitos e para garantir que eles fiquem satisfeitos.
Se os compradores de carros querem ter mais
informações sobre carros usados, por que eles não conseguiriam obtê-la? Há
várias maneiras de isso ser feito.
Tenho um conhecido que é especialista em assuntos
automotivos. Frequentemente ele é chamado por seus amigos, e por amigos de seus
amigos, para acompanhá-los até uma revendedora para analisar os carros lá
vendidos. Ele leva consigo algumas ferramentas para testar a qualidade do carro
e constatar a veracidade das informações fornecidas pelo vendedor. Dentre outras
coisas, ele leva um ímã, o qual ele desliza ao longo do carro para descobrir se
a lataria já foi danificada e se o vendedor utilizou alguma substância à base
de fibra de vidro para cobrir os amassados.
Especialistas como esse meu amigo podem ser livremente
contratados para ir às revendedoras e "equalizar" um pouco a
assimetria de informações.
Ademais, vale notar que o mercado de carros usados
nunca entrou em colapso em nenhum lugar do mundo (ao menos, não nas economias
razoavelmente desenvolvidas). Em vários locais, inclusive, ele é ainda mais
dinâmico do que o mercado de carros novos [como aconteceu no Brasil na
década de 1980, durante
o Plano Cruzado]. Outra pergunta que vale ser feita é: por que se
pressupõe que os vendedores dos melhores carros, ao estabelecerem seus preços,
não irão levar em conta a falta da informação dos compradores?
É quase impossível encontrar uma transação na qual
os indivíduos possuam exatamente as mesmas informações. Assimetrias de
informações estão presentes em todos os lugares, e nenhum critério aceitável já
foi proposto para separar as assimetrias "aceitáveis" das
"inaceitáveis".
Ademais, suponhamos que um determinado mercado
realmente entre em colapso, exatamente da maneira como Akerlof descreveu. Tal
colapso teria ocorrido em consequência das ações voluntárias dos consumidores,
que se recusaram a continuar comprando aqueles produtos. Qual o problema disso?
Tal atitude não viola direitos de ninguém. Logo, não haveria nenhuma
justificativa para pedir a intervenção governamental em um processo cuja
ocorrência se deu justamente de acordo com os desejos do público consumidor —
isto é, do mercado.
A
internet reduziu acentuadamente o problema
No mais, a própria internet já praticamente
solucionou o problema da falta de informação.
Empreendedores já criaram vários websites em que
consumidores fornecem suas opiniões sobre vários produtos e serviços,
atribuindo notas aos vendedores destes produtos e serviços. Os mais bem
conceituados prosperam e enriquecem. Os piores são expulsos, pois ninguém se
arrisca a fazer negócio com eles.
Há também vários websites em que vendedores e
potenciais compradores se "encontram" e fazem ofertas, expandindo
desta forma a concorrência e abrindo novos mercados para todos que quiserem
participar.
Com a difusão da tecnologia e dos smartphones, as
pessoas estão tendo acesso a inúmeras informações a custos cada vez menores.
As liberdades do consumidor são fundamentalmente
definidas pelo número de escolhas que ele tem disponíveis para si e pela
qualidade das informações sobre os produtos. Em ambos os quesitos, o oferta só
faz aumentar. Consequentemente, não só a facilidade de se conseguir serviços
bons é cada vez maior, como também as informações sobre cada um deles são cada
vez mais completas e acuradas.
Hoje, pela internet, podemos comparar preços e
produtos sem sair de casa.
Acesse o site da Amazon, do E-Bay [ou do Mercado
Livre] e de qualquer revendedora de carros usados e você poderá ler,
gratuitamente, milhares de opiniões sobre milhões de produtos e vendedores.
Dificilmente você fará um negócio às escuras. Você saberá exatamente com quem
está lidando. O custo da informação está caindo, e a informação é o bem mais
crucial de uma sociedade livre.
Se há algo que está aumentando em quantidade, e que
também está diminuindo de preço, esse algo é a informação correta.
Essa é a característica precípua de uma sociedade livre. E está sendo permitida
pela tecnologia. Simplesmente não há como burocratas do governo fazerem um serviço
melhor do que este.
O fato é que está ficando cada vez mais barato para
pessoas espertas e inteligentes terem acesso a informações confiáveis e gratuitas.
A internet e seus serviços que permitem classificar a qualidade dos serviços
reduziram acentuadamente o problema da assimetria de informação.
Em outras palavras, as pessoas sabem criar maneiras
de lidar com a questão da imperfeição das informações, as quais são, por si
sós, uma mercadoria escassa e valiosa. Negar tal fato é se negar a
examinar as transações que ocorrem no mundo real.
A
crença na infalibilidade de burocratas
A crença de que regulamentações governamentais podem
"solucionar" o "problema da informação" é risível, para não
dizer completamente fora da realidade do mundo.
No mínimo, o governo cria problemas
de informação, pois várias regulamentações proíbem as pessoas envolvidas em
transações de descobrir — ou agir de acordo com — fatos relevantes.
Um bom exemplo aconteceu há alguns anos, em
Washington, D.C. A câmara municipal promulgou uma lei que proibia os
planos de saúde de discriminar potenciais clientes com base em doenças já
adquiridas. Isto é, se um indivíduo já doente quisesse fazer um
seguro-saúde para ter menos gastos, ele não poderia ser rejeitado (que é
exatamente a mesma coisa de um indivíduo querer fazer um seguro anti-incêndio
enquanto sua casa está sendo destruída pelo fogo). Com efeito, pela lei,
as seguradoras nem sequer poderiam fazer perguntas às pessoas sobre questões
relativas à saúde. Algum tempo depois, os vereadores disseram estar
"estupefatos e furiosos" com o fato de os planos de saúde terem
ameaçado não mais emitir apólices para absolutamente nenhum habitante
da cidade.
Em
um recente artigo escrito por Robert Shiller — que escreveu, junto com
Akerlof o livro pró-regulação estatal Phishing for Phools — escreve que:
Embora confirmemos a importância dos
mercados livres, chegamos à conclusão de que a regulamentação do mercado tem
sido crucial, e acreditamos que isso continuará sendo verdade no futuro.
[A teoria econômica convencional]
frequentemente ignora o fato de que, dada a natural debilidade do ser humano,
uma economia competitiva e desregulada irá inevitavelmente gerar uma imensa
quantidade de manipulação e engano.
É inevitável constatar a contradição central dessa
análise. De um lado, supõe-se que os mercados falham por causa da
"natural debilidade do ser humano". De outro lado, assume-se que
a regulamentação, a qual tem necessariamente de ser implantada por
seres humanos com igual ou maior debilidade, irá de alguma maneira resolver
o problema.
Akerlof e Shiller simultaneamente demonizam os seres
humanos que operam no setor privado e idealizam os seres humanos que operam no
setor público.
Conclusão
O governo não tem como trazer mais certeza às
transações; na verdade, ele apenas piora tudo (como bem mostra o episódio da Carne Fraca).
A noção de que autoridades centrais podem corrigir
imperfeições de mercado pressupõe que essas autoridades sabem exatamente quais
medidas funcionarão melhor mesmo elas estando fora da experiência do
mundo real. É só a experiência de mercado, com o sistema de lucros e
prejuízos, que pode revelar dados sobre condições econômicas obscuras. E é
só assim que podemos saber como melhor lidar com estes problemas.
Em vez de indicar a necessidade de intervenções
governamentais, assimetrias de informação fazem com que o livre funcionamento
do mercado seja algo ainda mais importante. Tendo como guia a busca por
lucros e a aversão a prejuízos, empreendedores irão determinar os métodos menos
custosos para lidar com os problemas de informação.
Decretos governamentais podem até fazer com que
alguns se sintam melhores, na crença de que os problemas foram resolvidos. Mas
a ausência de cálculos de lucro e prejuízo nas decisões governamentais — para
não falar também da pressão de lobistas e grupos de interesse que pedem por regulamentações
(pois estas prejudicam
seus concorrentes) — faz com que a possibilidade de haver resultados
economicamente mais eficientes em decorrência das regulamentações esteja apenas
no campo das superstições.
Quando os indivíduos que atuam no mercado —
consumidores e vendedores — têm incentivos para transacionar, eles também têm
incentivos para criar mecanismos institucionais para facilitar essas transações
e torná-las mais confiáveis e seguras. A incapacidade de reconhecer e apreciar
estes mecanismos privados capazes de superar as assimetrias de informação é
exatamente o que leva a infundados clamores por mais regulações governamentais.
A vida é incerta, não importa como ela seja
vivida. A ideia de que o processo político, que é uma das coisas mais
volúveis da face da terra, pode fornecer as bases para a certeza e para a
estabilidade é uma ideia que só pode ser defendida por quem vive em alguma
espécie de dimensão paralela.