segunda-feira, 1 ago 2011
Embora
keynesianos e austríacos não concordem em quase nada, há uma coisa em comum com
a qual ambos concordam: a economia americana está se afundando no brejo da
depressão. A partir daí, entretanto, a
concordância chega ao fim, e as duas escolas de pensamento apresentam duas
explicações completamente distintas quanto ao porquê de isso estar acontecendo.
Os
keynesianos, sempre capitaneados por Paul Krugman e seu megafone no The New York Times, já começaram a
alegar que o pacote de estímulos e toda a gastança empreendida por Barack Obama
foram, na realidade, excessivamente módicos, e que a atual ênfase que vem sendo
dada ao debate sobre corte de gastos em todos os níveis de governo é uma
estratégia exatamente oposta da que deveria ser tomada. Os austríacos, não surpreendentemente,
acreditam que tal choradeira keynesina não apenas é uma tolice, como na verdade
é uma tolice extremamente perigosa.
Em
uma recente coluna, Krugman
apresenta sua mais nova tese, e ela é útil porque expõe de maneira
verdadeira a mente keynesiana em ação; e uma mente keynesiana jamais permite
nenhuma outra explicação para o que está acontecendo nos EUA. Para um keynesiano, o problema é — e sempre
será — uma "demanda agregada" insuficiente, e a única solução é que os
governos gastem como se fossem marinheiros bêbados que acabaram de ganhar na loteria.
Escreve
ele,
A grande bolha imobiliária da última década, que foi um
fenômeno tanto norte-americano quanto europeu, foi acompanhada de um aumento
enorme da dívida relativa a hipotecas. Quando
a bolha estourou, a construção de imóveis despencou, e os gastos dos
consumidores também caíram, já que as famílias, sobrecarregadas por dívidas,
reduziram o seu consumo.
Mesmo assim, tudo poderia ter corrido bem se outros atores
econômicos importantes tivessem aumentado os seus gastos, preenchendo a lacuna
provocada pela queda no setor de construção e pela redução dos gastos do
consumidor. Mas ninguém fez tal coisa. É especialmente importante observar que as
corporações repletas de dinheiro não veem motivos para investir esse capital
devido à fraca demanda dos consumidores.
E os governos também não fizeram muita coisa para ajudar. Alguns governos — aqueles dos países mais
fracos da Europa, bem como governos estaduais e municipais nos Estados Unidos
— foram na verdade obrigados a cortar os gastos devido à queda das
arrecadações. E as medidas modestas tomadas
por governos mais fortes — incluindo, sim, o plano de estímulo econômico de
Obama — foram, na melhor das hipóteses, suficientes apenas para compensar essa
austeridade forçada.
Portanto, o que temos agora são economias deprimidas. E o
que os legisladores estão propondo fazer quanto a isso? Simplesmente nada.
Se
há algum raciocínio encadeado que descreva corretamente a mentalidade
keynesiana, tal raciocínio profundo seria este: gastar, gastar, gastar. Trata-se de uma tese obviamente simples, que
certamente possui grande apelo junto a políticos, e até mesmo junto ao público
geral, e que domina o pensamento econômico acadêmico desde a Segunda Guerra
Mundial. Como afirmou Krugman, as
famílias não podem gastar aquilo que não têm, e as empresas, por não verem
perspectivas quanto à demanda futura, não irão investir (leia-se: não irão
gastar com investimentos em capital — algo que sempre é definido pelos
keynesianos como sendo valioso unicamente porque representa gastos, e não por
causa de qualquer aspecto relacionado à maior produtividade trazida por
investimentos em capital).
E
assim estamos presos naquilo que Krugman e os keynesianos chamam de "armadilha
da liquidez" (situação em que a expansão monetária não diminui o valor dos
juros, pois estes já estão em seu mínimo.
A única solução seria aumentar os gastos), conceito esse que Krugman
acredita ter o poder de encerrar toda a discussão.
A
ideia keynesiana é que a lei dos custos de
oportunidade é suspensa durante uma armadilha da liquidez, pois as taxas de
juros estão muito baixas, os recursos estão "ociosos", e o governo pode se
endividar a juro praticamente zero e gastar à vontade, pois não estará
consumindo nenhum recurso, dado que os recursos estão "ociosos". Como disse Krugman em seu livro The Return of Depression
Economics, os gastos do governo nesta situação podem criar um
"almoço grátis". (Sim, ele realmente utilizou esse termo.)
Embora
a maioria dos economistas convencionais não esteja disposta a confrontar os
keynesianos quanto à ideia da "armadilha da liquidez", Murray Rothbard jamais
recuou. Em seu livro America's Great
Depression, ele ataca toda a noção de "armadilha da liquidez", escrevendo,
A arma suprema do arsenal keynesiano de explicações para
depressões é a "armadilha da liquidez".
Não se trata exatamente de uma crítica à teoria dos ciclos econômicos
descrita por Mises, mas é a última linha keynesiana de defesa para as suas
"curas" inflacionárias para a depressão.
Os keynesianos alegam que a "preferência pela liquidez" (demanda para
portar moeda) pode se tornar tão persistentemente alta, que a taxa de juros não
poderá cair o suficiente para estimular os investimentos necessários para
retirar a economia da depressão. Logo,
só resta ao governo intervir maciçamente, se endividar e gastar — em qualquer
área da economia.
Rothbard
aponta um sério problema com esta análise, observando que Keynes jamais
compreendeu corretamente a teoria dos juros, alegando que a taxa de juros é
formada pela "preferência pela liquidez e não pela preferência temporal",
raciocínio este que leva a mais conclusões incorretas sobre o estado da
economia. Outros austríacos também
criticaram fortemente esta teoria, entre eles William Hutt e Henry Hazlitt.
Tanto
Hutt quanto Hazlitt
atacaram toda a ideia de "recursos ociosos", que está por trás da argumentação
de que os custos de oportunidade podem ser suspensos durante uma
depressão. O argumento dos recursos
ociosos baseia-se na noção de que os fatores de produção estão momentaneamente
sem uso simplesmente porque os gastos estão em um nível muito baixo. Sendo assim, um forte aumento no
endividamento do governo (a custo quase zero — pois os juros estão nulos —, o
que significa que não há custo de oportunidade) permitirá gastos maciços, os
quais irão se difundir por todos estes ativos ociosos, fazendo com que eles
voltem a ser utilizados.
Como
já observado, a teoria keynesiana é irresistivelmente simples. Se há recursos não utilizados, então basta o
governo "estimular" a economia por meio de mais gastos; os recursos voltarão a
ser utilizados e, de alguma forma, a economia magicamente voltará a uma
trajetória sustentável. O que os
keynesianos não entendem é que o motivo de haver tantos recursos que
repentinamente se tornaram ociosos é porque houve algum erro anterior de
cálculo durante o período da expansão econômica insustentável. Os empreendedores, enganados pelos juros
artificialmente baixos — os quais foram reduzidos pelo Banco Central por meio
da expansão monetária, e não da poupança voluntária dos cidadãos —
incorretamente imaginaram que havia uma demanda maior do que a que de fato
existia, e isso os levou a fazer investimentos errôneos — no caso, a expansão
de sua capacidade instalada. Uma vez
interrompida a expansão monetária, todo esse cenário artificial é revelado, e o
período da correção (depressão) torna-se inevitável, para não dizer necessário.
Logo,
o problema dos recursos ociosos não é apenas a falta de "demanda" ou
de "gastos". Tampouco é
economicamente sensato dizer que o governo deve preencher a "baixa
demanda". O problema foi que, na
esteira da farra do crédito fácil, houve uma má alocação de recursos em vários
setores da economia, o que causou um desequilíbrio estrutural, um descompasso
entre a estrutura do capital e a demanda do consumidor.
A
depressão é o período no qual a economia passa a corrigir esse
desequilíbrio. E a única maneira de
fazer corretamente esse procedimento é permitindo que os recursos sejam
realocados de modo que correspondam às reais demandas do consumidor. Para tal, a única medida correta é deixar o
mercado, guiado pelo sistema de preços, realocar esses fatores da maneira mais
racional possível. Gastos do governo
irão apenas retardar esse processo, intensificando a recessão.
Por
outro lado, os keynesianos afirmam que, caso não haja novos gastos, então a
deflação de preços será o resultado inevitável, fazendo com que ainda mais
recursos se tornem ociosos até que, no final, toda a economia estará em um
perverso equilíbrio: uma enorme quantidade de pessoas estará desempregada e sem
perspectiva de melhorias econômicas.
Krugman
é inflexível quanto a este ponto, e está tão convencido de que só ele está
certo, que qualquer pessoa que porventura se atreva a discordar estará agindo
assim apenas porque é um insensível que quer ver as outras pessoas sofrendo; ou
porque tal pessoa está tão fanatizada pela teoria austríaca dos ciclos
econômicos que se tornou incapaz de acrescentar qualquer ponto valioso ao
debate público. (Com efeito, Krugman acredita
que não há mais debate nenhum, tão
certo ele está de que sua posição é a única correta, de que ela já foi provada
empiricamente e de que não pode jamais ser refutada — mesmo que ela venha
sendo teimosa e continuamente refutada pela realidade).
Assim,
mesmo que tenhamos testemunhado uma explosão nos gastos do governo americano
durante os últimos anos, e que isso só tenha feito deprimir ainda mais a
economia e elevar a dívida para mais de 14 trilhões de dólares, de acordo com
Krugman a realidade é que o governo Obama este tempo todo adotou um plano de
"austeridade". Como assim? Segundo Krugman, o governo americano adotou
um plano de austeridade simplesmente porque, se o governo realmente tivesse
aumentado os gastos maciçamente, a economia já teria saído da depressão. É assim que funciona seu raciocínio. Em outras palavras: dado que só existe uma
única maneira de se retirar a economia americana do brejo — isto é,
gastando-se os tubos —, e dado que a economia americana ainda não saiu do
brejo, então é óbvio que o governo americano não gastou o suficiente.
E
quanto à tese da "incerteza
gerada pelo regime"? Krugman também
rejeita tal teoria, zombeteiramente chamando-a de "fada
da confiança". As empresas, ele
argumenta, estão entesourando dinheiro porque estão sentindo que não há uma
demanda do consumidor. Porém, se o
governo gastar, gastar e gastar, então aí sim as empresas voltam a investir —
e ponto.
(Em
relação a toda aquela retórica que vem sendo regurgitada pela Casa Branca contra
as empresas e o mercado, todo o aumento nas regulamentações e toda a
demonização das indústrias petrolíferas e de carvão — indústrias essas que são
essenciais caso se queira que a economia americana volte a crescer —, tudo
isso, de acordo com Krugman, ou nunca existiu ou é apenas espuma, e certamente
não tem nenhuma relevância para a piora da situação econômica. E por que não teria? Ora, porque Krugman diz que não. E ponto.)
A
solução definitiva, de acordo com Krugman e os keynesianos, é induzir a
economia americana a outro boom econômico, criar alguma outra bolha de ativos
que possa fazer sua "mágica" durante pelo menos algum tempo — até que ela
também estoure. (Perversamente, em uma
postagem endossada
por Krugman, o economista keynesiano Karl Smith diz ter
a esperança de que haja outra bolha imobiliária. O Fed certamente está trabalhando arduamente
para que isso ocorra.)
Sempre
que leio Krugman e os keynesianos, fico espantado com sua análise de que
ativos, economicamente falando, são na realidade homogêneos. Não importa para onde os novos gastos sejam
direcionados; o que importa é que haja gastos.
É só gastar, e todo o resto magicamente será devidamente afetado. É só gastar, e todos os ativos serão
estimulados, todos os fatores de produção ociosos voltarão a ser utilizados e
toda a mão-de-obra desempregada voltará a ter trabalho.
Ademais,
o ponto de vista krugmaniano/keynesiano baseia-se em uma interpretação
extremamente mecanicista da ação humana.
De acordo com os keynesianos, as pessoas dentro de um arranjo de mercado
não compram bens porque acham que terão suas necessidades individuais
satisfeitas por esses bens. Não, elas gastam, como se o gasto por si só fosse
o objetivo supremo de uma economia.
Trata-se
de uma visão que separa a produção do consumo, fazendo com que uma seja
inexplicavelmente independente da outra.
A ação humana verdadeira e proposital não é encontrada em nenhum lugar
desta análise. Os indivíduos não agem. Não há nenhuma conexão significativa entre
desejos dos consumidores e a valoração dos fatores de produção, tampouco se
analisa a maneira como os fatores de produção são empregados nas várias linhas
de produção. Tudo pode ser resumidamente
descrito pela equação Y =
C + I + G, sem nenhuma necessidade de se pensar mais profundamente. Apenas esta tautologia já basta.
Como
dito no início, tanto austríacos quanto keynesianos acreditam que a economia
americana está se encaminhando para uma recessão ainda mais profunda, com a
possibilidade de uma grande depressão.
Entretanto, Krugman e os Keynesianos acreditam que a única salvação são
gastos maciços e profundas intervenções governamentais na economia. Já os austríacos acreditam que são justamente
estes gastos maciços e estas volumosas intervenções governamentais que estão
piorando as coisas. E enquanto Krugman e
Companhia jamais irão admitir o contrário, o fato é que apenas o paradigma
austríaco explica corretamente o que está acontecendo. E o faz com total acurácia.
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Veja
também: Paul Krugman e a
terceira depressão — uma mente confusa